domingo, setembro 07, 2003

Peace? What peace?

Editorial de Nuno Pacheco e o artigo a que ele faz referência, publicados a 06Set2003, no Público.

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Sepultar a Paz
Por NUNO PACHECO
Sábado, 06 de Setembro de 2003

Imagine-se o seguinte episódio, meramente hipotético: um dia, o governo de Aznar dá luz verde para perseguir e isolar um dirigente da ETA num prédio urbano numa qualquer cidade espanhola. Ao cercar o edifício, a polícia é atacada a tiro pelo líder etarra e perde um dos seus homens; não conseguindo fazê-lo sair, os guardas mandam retirar do prédio todos os inquilinos. Depois, accionam um mecanismo de implosão. O prédio desfaz-se e o etarra, procurado por vários crimes, morre com ele. Os inquilinos olham, incrédulos, para as cinzas de onde já não poderão salvar os seus haveres. Os polícias, perante as acusações dos populares, respondem: "esta guerra foi-nos imposta." Imaginam possível este cenário na Europa sem desencadear um monumental escândalo internacional? Isto apesar da ameaça que o terrorismo ainda constitui para um país como a Espanha?

Não, ninguém imagina. No entanto, foi isto mesmo que aconteceu ontem em Nablus, na Cisjordânia, sem escândalo nenhum. Protagonistas: um líder do Hamas, em fuga; o exército israelita, em acção; e o governo de Telavive, no lugar das decisões. A fotografia (ver página 16) mostra um edifício a implodir, acontecimento banal em processos de reorganização urbana. Mas trata-se de um edifício a implodir com um homem lá dentro, propositadamente lá dentro, para que morra e com ele desapareça (crêem os seus executores) a ameaça que representa. Sim, é verdade que ele disparou contra os guardas. Mas não foi abatido em nenhum tiroteio "legítimo", foi sepultado sem misericórdia pelos perseguidores. Tamanha sede de sangue tem o seu contraponto nas bárbaras incursões terroristas do Hamas em Israel, quando suicidas fanáticos fazem explodir autocarros com civis inocentes e os matam sem qualquer piedade. Mas quando um Estado recorre, e com orgulho, aos mesmos métodos que os seus opositores, algo vai mal nesse Estado. Foi Dore Gold, conselheiro do primeiro-ministro israelita Ariel Sharon, quem afirmou que "a guerra que [Israel] enfrenta foi-nos imposta", para justificar a insólita operação. Mas, como ele bem sabe, por cada líder do Hamas abatido em "missões" como esta, novos fanáticos caminharão silenciosos para Israel para cumprir a sua parte na vingança.

Com o chamado "road map" para a paz no Médio Oriente já na gaveta das recordações inglórias, assiste-se agora ao enterrar progressivo das suas esperanças. Como o prédio ontem feito cinzas, também elas se desmoronam a cada passo acéfalo dos que (Hamas ou Sharon) não enxergam mais do que um método assente na força e na vingança. Enquanto não houver coragem para não ceder à chantagem do sangue, mantendo na mesa a paz a todo o custo, o futuro da Palestina estará sempre do lado dos sanguinários. O primeiro-ministro palestiniano Abu Mazen pode vir a ser, na sua credulidade genuína, mais uma das vítimas políticas deste eterno morticínio. O bom senso, ninguém duvida, já implodiu.




Israel Mata Dirigente do Hamas e Destroi Prédio em Nablus
Sábado, 06 de Setembro de 2003

(...) O Exército israelita matou ontem o líder da ala militar do Hamas em Nablus, a principal cidade da Cisjordânia, prendeu outros três membros do grupo, e destruiu o prédio de apartamentos, de sete andares, onde estes estavam escondidos. A operação visava Mohammed Hanbali, de 26 anos, que, segundo Israel, planeou vários atentados suicidas que mataram dezenas de israelitas, e recrutou novos membros para o movimento islamista, ensinando-os a fazer explosivos. Hanbali, que se encontrava no cimo do elevador, tentou resistir disparando contra as tropas israelitas e provocando um morto.

"A minha família está na rua", dizia Baker Sobeh, um menino palestiniano de oito anos, que procurava os livros da escola no meio dos escombros do prédio, que os soldados fizeram explodir ao fim de várias horas de confrontos. Os habitantes tinham recebido ordens para saírem das suas casas, mas, pensando que iriam voltar, não levaram consigo os seus haveres. No fim da batalha olhavam estupefactos para as ruínas do edifício. Dore Gold, conselheiro do primeiro-ministro israelita Ariel Sharon, reconheceu mais tarde que a operação tinha prejudicado as famílias que moravam no prédio, mas afirmou que "a guerra que [Israel] enfrenta foi-nos imposta".

A acção de ontem é o mais recente episódio na campanha militar israelita para travar os grupos militantes palestinianos, que desde meados de Agosto romperam a trégua acordada com Abu Mazen, o primeiro-ministro palestiniano. Abu Mazen, que na quinta-feira perante o Parlamento afirmou que vai continuar a política de diálogo com estes grupos radicais, voltará a ser ouvido hoje pelos deputados, numa sessão à porta fechada, onde irá apresentar a sua versão do conflito que o opõe ao presidente Yasser Arafat. Possivelmente ainda no mesmo dia, os deputados irão ouvir Arafat, e tentar estabelecer um acordo entre os dois homens, que disputam o controlo dos serviços de segurança palestinianos. (...)


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in Público, 06Set2003, ps. 4 e 16

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