Notas para a análise da Universidade Privada em Portugal.
Parte 1 de 3
(ver índice aqui ou no final desta entrada)
I. Qual o Ensino Inferior? O público ou o privado?
Os motivos que levaram ao aparecimento da Universidade privada em Portugal, fenómeno posterior ao 25 de Abril de 1974, foram já pormenorizados na entrada do Rui (Cataláxia) que deu início a esta troca de opiniões.
Apesar de correcta, apenas omite um facto que me parece evidente: que o advento do Ensino Superior privado em Portugal ocorreria sempre, em democracia, independentemente de uma qualquer reacção de ordem política e/ou filosófica, pois não nos devemos esquecer que o fundamento de qualquer empreendimento privado é a criação de riqueza, riqueza esta a ser repartida, geralmente, em partes desiguais entre os proprietários e o próprio empreendimento, na forma de investimento potenciador da geração de mais riqueza.
O facto de as universidades privadas serem instituições de Ensino não deve ser confundido com dedicação ao Ensino. O seu objectivo principal é fazer dinheiro; o Ensino é, apenas, o meio de o fazer. São instituições devotadas ao lucro, não ao Ensino, sendo este, portanto, um pormenor técnico e nada mais.
Ao Estado, caberá sempre o papel de preservar e patrocinar, sobretudo com prejuízo financeiro, áreas primordiais nos domínios da Arte, das Letras, da Técnica e da Ciência, estas últimas, sobretudo, ao nível da investigação.
Nos casos iniciais, para evitar que se percam valores que não são atractivos do ponto de vista empresarial; no segundo, para evitar a perversão da Universidade por empresas que exerçam investigação nos mesmos campos e para assegurar ao Estado uma componente de formação neutra ao mais alto nível do ensino científico e técnico, dado serem os seus valores algo mais substanciais que os do sector privado, onde a ética, por exemplo, é uma peça decorativa.
Deste modo, serve também de regulador de tendências e excessos por parte do Ensino Superior privado, ao servir de comparação e, preferencialmente, de referência.
A crise que atinge vastos sectores das Universidades Privadas tornou-se evidente quando começaram a surgir os pseudo-cursos, quais cogumelos, desde a "engenharia publicitária" ao "biomarketing" (são licenciaturas fictícias, se acertei em alguma, tanto pior...), isto apesar e por via do cooperativismo que nelas impera, note-se.
O cooperativismo é, de facto um demérito do Ensino Superior privado, que deve ser removido tão depressa quanto possível, mas não é aí que reside o problema fundamental.
As dificuldades que a Universidade privada enfrenta resultam da duplicação de meios e ofertas relativamente à pública, numa perspectiva que distorce a desejada complementaridade em concorrência, com óbvias desvantagens para a primeira. Mas não se pode, ou não se deveria, falar de concorrência desleal do público face ao privado, neste sector.
A Universidade privada deveria criar oportunidades, não alternativas - sobretudo nas mesmas áreas geográficas. Isto significa que, em primeiro lugar, deveria apresentar, aos candidatos, cursos que ou não têm expressão ou não existem de todo no sector público.
Não foi isso que se verificou e a factura é, agora, demasiado alta.
Concorrer com o Estado é, de facto, inútil, quando este pode, de um momento para o outro, perverter as regras e criar vagas sem limite, médias abaixo de zero e financiamento independente do seu retorno. O jogo perverteu-se para ambos os jogadores e por culpa mútua.
O Estado, em lugar de criar um ensino de excelência nas áreas tradicionais e essenciais do Superior, apressou-se a oferecer mais e mais e mais cursos e a fazer mais e mais Faculdades - na maior parte dos casos desprezando por completo a criação de infra-estruturas que permitissem essa diversidade exagerada. Foi a resposta óbvia e pacóvia à promessa do "paraíso" socialista: uma Universidade em cada aldeia e um doutor em cada esquina.
Este foi o princípio do fim do Ensino Superior de excelência em Portugal, amplificado pelo advento desregulado, ou com regulamento desmiolado, da Universidade privada. Porquê? Por esta última fazer o mais fácil: sangrar, qual vampiro, o Ensino Superior público - sugando-lhe os cursos, mas, em especial, os docentes.
Desde 1977 para cá que se tem licenciado muita gente em Portugal. Esses licenciados foram juntar-se à legião de "doutores-automáticos" dos cursos de 1974, 75 e 76. Muitos deles são, não se tenham ilusões, os professores (alguns catedráticos "de secretária") do Ensino Superior de hoje; público como privado. Os melhores, obviamente poucos, seriam (e são ainda e sempre) aliciados por melhores ordenados e condições de trabalho que o sector privado tem para oferecer. Depois, como não chegassem, privado e público raparam os tachos.
O tempo não pára.
A qualidade de um número suficiente de licenciados permite formar quadros docentes razoáveis, mas os velhos mestres estão a chegar ao fim e os novos, dada a fraca qualidade das últimas "colheitas", não chegam para todos. Quando foi o último ano "Vintage" da Universidade em Portugal? Lembram-se?
O Ensino Superior privado não tem condições de formar os quadros docentes que necessita - além de que "dar" notas é uma coisa, aceitar as "peças" a quem as deram como professores é outra - pelo que a sangria de novos valores que emergem do sector público continua.
Esta perversão mútua não mostra sinais de abrandar, muito pelo contrário! Com as propinas do público, passa a interessar ter muitos, muitos alunos, pelo que, onde o privado emulou o público, hoje o público emula o privado.
As licenciaturas são tantas e tão diversas e tantos são os licenciados, que quase já nada valem; de onde a profusão de mestrados e doutoramentos "a martelo" (não há "Vintage", recordam-se?). Na minha Faculdade, a FBAUP [1], os primeiros mestrados foram ministrados por licenciados para depois, os que assim obtiveram o grau superior, formarem os formadores que os formaram a eles próprios. Uma palhaçada.
Conclusão:
Qual o Ensino Inferior?
Infelizmente, nem um nem outro. Ambos são pobres, paupérrimos, ensinos superiores. Ao mesmo nível de decadência.
(continua)
[1]
FBAUP - Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto
Índice deste tema, n'A Sombra:
1. Qual o Ensino Inferior? O público ou o privado?
2. CRUP - Opus Ensemble
2.a Anexo: Autonomia Universitária para que te quero!
3. Universidade e Emprego
nota. Considerações finais
March 22. Portugal.
Há 12 anos
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