Notas para a análise da Universidade Privada em Portugal.
Anexo a da parte 2 de 3
(ver índice aqui ou no final desta entrada)
II. CRUP - Opus Ensemble
II. Anexo a. Autonomia Universitária para que te quero!
Quando a Associação de Estudantes que eu presidi (AEFBAUP) [1] se afirmou favorável ao pagamento de propinas (em 1997/98 e 1998/99) obtivemos dois tipos de reacção: a total confusão dos nossos colegas de outras Associações Académicas (incapazes de relacionar esta posição com a nossa actividade de contestação, que só encontrou paralelo na AEFA/UTL [2], aliás mais activa que nós, fruto de maior adesão dos seus estudantes à luta pelos seus direitos) e o reconhecimento imediato por parte da Reitoria da Universidade do Porto (UP) e do Ministério da tutela (que nos destacou da restante massa associativista estudantil e percebeu bem a ameaça que representávamos).
Fomos a única Associação de Estudantes do país, de uma Faculdade de uma Universidade pública, a receber um convite do então ministro Marçal Grilo, mediada pelo Reitor da UP, à altura Alberto Amaral (1998).
A tal ponto essa reunião era importante para a Reitoria e para o Ministério, que teve lugar mesmo depois de eu ter recusado um ultimato de Alberto Amaral, em que me era exigida, como condição prévia para a reunião existir, a garantia da não existência de manifestações públicas contra Marçal Grilo junto à Reitoria da UP, onde decorreria o encontro, por parte de estudantes da minha Faculdade. A minha resposta foi clara.
"Se é esse o preço deste encontro, professor, então não haverá encontro."
Pois houve. A quase totalidade dos membros da AEFBAUP esteve presente.
E antes, durante e após o mesmo, os nossos colegas faziam ouvir as suas vozes e erguiam os seus cartazes, junto à Reitoria da UP, alguns deles, contrariando a nossa posição, gritando que "não pagavam"; outros, mais conscientes, exigindo que lhes fosse dada a qualidade que iriam pagar antes de o fazerem. A democracia é assim; todos têm direito a manifestar a sua opinião; até os que estão errados.
Se hoje se pagam propinas nas nossas Universidades, é porque a nossa posição era isolada no seio do chamado "movimento estudantil" (uma anedota triste, o "movimento"). Por não nos terem ouvido os colegas a quem repetimos, vezes sem conta, que o caminho para não pagar a "refeição" passava por reclamar e trazer à luz do dia a fraca qualidade desta e não o seu preço excessivo. Toda a gente entende que não se pode pagar por um croquete o mesmo que por um bife, mas ninguém entende que se queira comer sem pagar. Ao escolher o caminho do "não pagamos", a luta perdeu-se antes de começar. E foi pena. Existiam, existem ainda, motivos de sobra para não se pagar propinas, quanto mais para as não aumentar. Mas tudo o que vejo são frases batidas e argumentos estafados. Os estudantes continuam a exigir que os compreendam, ao afirmar que se acham no direito de comer sem pagar. Isto não acontece, nem aconteceu, por acaso ou distracção.
É que muitos deles, talvez a esmagadora maioria deles, não faz a mínima ideia do essencial da questão, isto é, não sabem distinguir um croquete de um bife. Mas talvez esteja a ser demasiado duro com eles. Afinal, a maioria nem escrever sabe...
No processo em que estive directamente envolvido, pela reclamação do "bife" como garantia do pagamento da "refeição", a Reitoria da UP reagiu a dois tempos.
Primeiro, com abertura e compreensão, protagonizadas por Alberto Amaral, que chegou mesmo a pressionar fortemente os presidentes dos órgãos de gestão da FBAUP (o que testemunhei) para darem andamento a processos internos, de avaliação pedagógica e curricular, e que colocou em marcha uma auditoria às contas da Faculdade, que se viria a revelar pacífica em termos de matéria criminal - que nunca foi o nosso problema - mas demolidora em questões de legalidade processual. [3] Alberto Amaral, porém, estava de saída. Não pretendia que o seu nome ficasse associado ao processo da FBAUP de modo ambíguo, e a sua reputação ficou enaltecida pelo empenho que demonstrou em "pôr ordem na casa". Mas ele sabia bem que não lhe caberia terminar o processo. De onde o segundo tempo.
Seguidamente, veio a perfídia e a dissimulação, personificadas na perversa personagem de Novais Barbosa - até hoje, vá-se lá saber porquê, Reitor da UP - que tudo fez para abafar os nossos desígnios, ao mesmo tempo que nos assegurava estar em andamento irreversível a Sindicância à Faculdade, segundo passo a tomar, após a fantochada que foi a avaliação pedagógica e curricular efectuada (realizada - pasme-se! - pelos próprios professores que eram colocados em causa!) e os resultados da auditoria que mencionei acima. Porquê?
A situação da FBAUP era grave, do ponto de vista do Ensino, na forma como eram tratadas as contas, como a gestão era efectuada. Tratava-se, acima de tudo, de incompetência de alguns docentes em postos concretos e fundamentais - ao nível pedagógico, numa cadeira que condicionava todas as licenciaturas da Faculdade, e ao nível da gestão, pela promiscuidade entre o Conselho Administrativo e o Directivo. Não se tratava de mais que isso: pôr termo à incompetência e ao desrespeito pelas normas instituídas pela própria Reitoria, muitas das quais os próprios directores dos órgãos de gestão da Faculdade não conheciam...
Alberto Amaral era claro.
O nível de dificuldade na resolução dos problemas da nossa Faculdade era tão elevado que seria mais simples construir uma nova Faculdade de raiz que endireitar a existente. Mais tarde perceberíamos a real extensão deste raciocínio.
Novais Barbosa, consciente da mesma realidade, sabendo da impossibilidade de partir do zero, optou por abafar o processo, recorrendo à Lei da Autonomia Universitária para conseguir o seu intento.
Sem uma tomada de posição da Faculdade (Conselho Directivo) a Reitoria nada podia fazer; sem um pedido da Reitoria, o Ministério nada podia fazer... A não ser que a Faculdade interviesse! Mas a faculdade era o objecto da investigação, pelo que só através da Reitoria se poderia conseguir alguma coisa... And so on... And so on...
Novais Barbosa fez-nos regredir três anos. Tudo o que conseguíramos com Alberto Amaral se perdeu, por inconsequência. O problema voltou para o interior da Faculdade, que deveria solucionar a questão discreta e internamente - uma questão que nunca quis nem soube como resolver - em sede de onde saíra no primeiro lugar por se terem esgotado todas as formas possíveis de a resolver dentro de portas.
Sim, fomos uns "cristos", mas sem "Herodes" nem "Pilatos" pois como saber qual é qual quando todos recusam assumir a responsabilidade e lavam as mãos ao mesmo tempo? Como habitualmente, em Portugal, a culpa de um problema reconhecido por todos terminou por morrer solteira.
Mas que situação, afinal, motivou o empenhamento de tantas vontades para a silenciar, com o beneplácito, inclusivamente, do Governo e da Assembleia da República? - sim, leram bem. Os documentos que justificavam a Sindicância à FBAUP foram entregues pessoalmente por uma delegação da AEFBAUP, que encabecei, à Comissão Parlamentar para o Ensino Superior. Pastas cheias de documentação foram deixadas à consideração dos deputados da Nação encarregues de examinar em permanência o estado do Ensino Universitário em Portugal. Depois de uma longa reunião, em que defendemos a nossa razão, um painel de todos os quadrantes políticos, escandalizado, comprometeu-se a levar a questão para diante.
Foi o mesmo que ter atirado tudo para um caixote do lixo.
Mais uma vez: porquê?
Não era a investigação em si mesma o problema, mas o que ela significava. Não era por serem despedidos dois ou três docentes, por se puxarem as orelhas a outros tantos e se despedirem dois ou três funcionários mais, todos culpados de uma só coisa: de desperdício.
Era o precedente.
O precedente é que era preciso evitar a todo o custo.
Estamos a falar de um castelo de cartas. A minha Faculdade era um duque de paus, mas quem sabe a carta que suportava? E quem sabe não ruiria todo o castelo, se o duque de paus caísse... Não se pode tolerar tal coisa.
Nenhuma carta, em circunstância alguma e por menos importante que seja, pode cair.
O CRUP é o guardião desse castelo.
E não brinca em serviço.
(continua)
[1]
AEFBAUP
Associação de Estudantes da Faculdade de Belas Artes da UP
[2]
AEFA/UTL
Associação de Estudantes da Faculdade de Arquitectura
Universidade Técnica de Lisboa
[3]
Todas as compras, mas especialmente as de monta, são obrigatoriamente aprovadas em plenário do Conselho Directivo, por imposição estatutária. Em reunião da Assembleia de Representantes, durante a apresentação, pelo então presidente desse Conselho, de um relatório de actividades do ano lectivo transacto, ocorreu este diálogo, que cito de memória, para não ir ao arquivo:
Rui Semblano: Professor, quantas das compras que constam deste relatório foram aprovadas em reunião do Conselho Directivo desta Faculdade?
Presidente do Conselho Directivo: Nenhuma.
RS: Nem uma, professor?
PCD: Não.
RS: De todas as compras aqui relatadas, nenhuma foi aprovada no Conselho Directivo a que preside?
PCD: Não. Nenhuma.
Palavras para quê? Era um artista português.
Agora está reformado. Por inteiro e bem pago!
Índice deste tema, n'A Sombra:
1. Qual o Ensino Inferior? O público ou o privado?
2. CRUP - Opus Ensemble
2.a Anexo: Autonomia Universitária para que te quero!
3. Universidade e Emprego
nota. Considerações finais
March 22. Portugal.
Há 12 anos
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