sexta-feira, setembro 19, 2003

Praxes


O mote foi lançado pelo amigo Baeta, há uns dias. Na altura, no próprio Local (e Blogal), prometi umas palavras sobre o mesmo. Aqui estão.


Praxe universitária:
a exclusiva integração.


Sou elitista.
A igualdade de direitos, deveres e oportunidades não pode ser confundida com igualdade entre indivíduos, coisa impossível de existir. A diferença entre "eu" e "o outro" vem do que eu e o "outro" fazemos dos nossos direitos, deveres e oportunidades. Existirão sempre os que atingem a excelência e os que medram na mediocridade, além dos que vogam entre elas, em ambos os sentidos.

Parte do que me leva a responder ao mote de António Baeta, sobre a praxe universitária, é a minha experiência pessoal, enquanto presidente da Associação de Estudantes da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (AEFBAUP), cargo que exerci nos finais do século passado (desculpem, mas não resisti!).
Numa época em que a luta pelos direitos dos estudantes estava ao rubro (em especial na AEFBAUP e na AEFA/UTL [1]), o papel político assumido frontalmente pela AEFBAUP - aliás intrínseco a qualquer AE em qualquer período - ocupou-nos a tempo inteiro, mas nunca descurámos o papel cultural que, também, deve ser o de qualquer AE, para mais uma ligada às artes.

Uma das vertentes desse papel, que tentámos explorar, foi a intervenção directa na chamada "vida académica", nomeadamente através do regresso das Belas Artes do Porto à Queima das Fitas. A nossa Escola, desde 1995 Faculdade, sempre foi frontalmente contra a praxe universitária ou "académica", mas não só - todos os aspectos da denominada "tradição académica" eram ignorados, desprezados e mesmo ridicularizados pelos "aspirantes-artistas". A tradição, em Belas Artes do Porto, era não existir tradição.

Convencido que uma instituição como a FBAUP não só podia como tinha a obrigação de intervir de forma activa e, sobretudo, edificante na vida académica, contribuindo para o instalar de uma atitude liberal, para a introdução de novos valores e conceitos diferentes na construção da mesma, assumi a reentrada da AEFBAUP no conjunto de Associações que realizam a Queima, corria o ano lectivo de 1998/99.
Lançado o desafio na Faculdade, logo surgiram interessados - muitos mais que esperava - e o processo teve início, mantendo-se activo até hoje. A AEFBAUP de então, apenas assegurava a logística e a manutenção do "bar" da própria associação no recinto onde eram realizadas as chamadas "Noites da Queima".
Resultado: nada de novo.

Eu, aliás, é que estava iludido, pois em termos de "tradição interna", nas Belas Artes do Porto, sempre se esteve na vanguarda, no tocante ao consumo de álcool, como comprovaram, ao longo de décadas, as suas célebres "Festas de Carnaval".
Ao integrar a Queima, a FBAUP assumiu, desde logo e com naturalidade, um dos lugares de topo em termos de adesão e intervenção. Só não no sentido que eu tinha em mente, quando iniciei o processo.
A FBAUP poderia ter sido um factor subversivo na "Queima", contra a apatia e a estupidez instaladas; poderia ter levado até ela a irreverência inteligente, a crítica oportuna, a sublimação estética. Mas não.
Fomos, apenas, uns bacocos iguais aos outros e, pelo que sei, assim tem permanecido a participação das Belas Artes na Queima, desde então.

Esta introdução serve para ilustrar como a mentalidade dos estudantes universitários, no exemplo concreto os da FBAUP, é medíocre, na maior parte dos casos. E como, também nesse caso, não é por convicção, mas por tradição (interna), que não existe praxe nessa Faculdade.
Enquanto presidente da AEFBAUP (mas também antes e depois disso) sempre me manifestei abertamente contra a aplicação da praxe na Faculdade, no que não tive oposição alguma e contando com o apoio tácito da Federação Académica do Porto, que sempre tolerou os "maluquinhos" de Belas Artes nesta matéria. Mas, e aqui já foi bem mais complicado, também nunca deixei de me afirmar contra o extremismo "antipraxe" de alguns sectores estudantis, internos e externos à FBAUP.

A confusão entre "praxe" e "tradição" académicas está instalada há muito. Desde que exista uma instituição, a sua tradição inicia-se imediatamente, sendo construída todos os dias. Qualquer Universidade tem tradições, sendo o traje uma delas, mas, em rigor, apenas a de Coimbra tem tradição de praxe.
O rosto mais visível desta confusão é, precisamente, a idolatria ou a alergia ao traje académico, hoje símbolo da praxe universitária, desafortunadamente. Conheço estudantes que usam o traje e são contra a praxe, ou seja, que a entendem como factor de inclusão, contrariamente ao de exclusão que é seu apanágio nos dias de hoje.

Recordo-me de ter comparecido a uma "reunião" de um suposto grupo "antipraxe", na Ribeira, no Porto, a que compareci com uma colega de Belas Artes trajada a rigor (!). Foi um escândalo.
Entre cochichos e olhares de soslaio, só esse facto atrasou o início da "reunião" uma boa hora e meia, incluindo tentativas de "despistagem" por vários bares, na expectativa de nos verem desistir da participação. Quando, finalmente, começaram os "trabalhos", a intervenção inicial foi dedicada à nossa "delegação" em termos, digamos, deselegantes.
Aberto o precedente, considerei-me esclarecido (e mais ainda a minha companhia), usei do "direito de resposta" para mandar aqueles ilustres "antipraxistas" à merda e escoltei a minha amiga até sua casa. Estava encerrada mais uma experiência edificante.

Bem vistas as coisas, e em bom português, os "antipraxistas" inspiram-me tanto asco como os "praxistas". A dita "praxe" continua a ser um motivo de intimidação e de exclusão, aplicada segundo métodos bárbaros, que reflectem quase só o desejo de retribuição mal disfarçado e as frustrações de "praxistas" e de "praxados" por igual (e o meu desprezo pelos segundos excede largamente o que sinto pelos primeiros). A praxe encontra-se totalmente esvaziada do seu suposto papel integrador e, em especial, de inteligência.
No outro campo, o dito "antipraxe", dão-se vivas ao Zapatismo - e não preciso acrescentar mais nada.

Com o nível cultural que existe entre discentes e docentes nas nossas Universidades, não vejo como um ou outro campo consigam ultrapassar as suas limitações. E tão limitadas são, que transformam o que poderia ser um ritual iniciático reservado a um ou mais círculos interiores, afastados do vulgo académico e da praça pública, num circo insano e idiota à vista de todos, em que qualquer um pode ser doutor ou engenheiro, desde que lhe vão ao traseiro. É este o "escol" da Academia.

É como se, no século XIII, todos os católicos romanos pudessem ser Templários... Afinal, não somos todos "iguais"? Não teremos nós todos o direito de levar um beijo no cu?

Rui Semblano
Porto, 19 de Setembro de 2003


[1] AEFA/UTL, Associação de Estudantes da Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa. A AEFBAUP e a AEFA/UTL foram, até hoje, as duas únicas Associações de Estudantes a darem início e consequência a processos de Sindicância (ver Linces II).

1 comentário:

  1. A PRAXE É APANÁGIO DAS BESTAS QUE AS PRATICAM.

    SÓ UMA MENTE DOENTIA PODE ACEITAR ESTAS PRÁTICAS - DITAS INOFENSIVAS.

    A REINTEGRAÇÃO ESTUDANTIL, PROFISSONAL OU DE OUTRO QUALQUER GÉNERO PEDE E DEVE SER FEITA NATURALMENTE E NÃO COM ACTOS QUE DESPREZAM OS DIREITOS DE CADA UM.

    É TEMPO DE A SOCIEDADE SE OPÔR A ESTAS ACTIVIDADES COERCIVAS E DE INTIMIDAÇÃO. É QUE NA NOSSA MEMÓRIA ESTÃO ACTOS DE SERES ABJECTOS QUE GOZARAM E GOZAM COM O ESCÁRNIO E HUMILHAÇÃO DOS SEMELHANTES, CUJOS TERRÍVEIS NOMES DÃO POR HITLER E BIN LADEN, PARA NÃO DIZER MAIS.

    SEI QUE MESMO ASSIM HAVERÁ QUEM CONTINUE A GOSTAR DE SER GOZADO. ESSES, NÃO SE ESQUEÇAM... PASSEM NO ZOO MAIS PRÓXIMO E INSCREVAM-SE COMO BESTAS, POIS NÃO FALTARÁ QUEM OS MONTE.

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