Depois de ler o que se tem dito a favor e contra a
despenalização da interrupção voluntária da gravidez,
decidi não adiar a minha intervenção por mais tempo.
A Sombra assume o seu
SIM. Absolutamente.
666 Entrada completa, abaixo.A pergunta:
Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?A resposta:
Sim.A razão:
Continuarão a existir mulheres que vão optar pelo aborto e o vão fazer, com ou sem despenalização até às dez semanas, sendo que a maior parte destas, caso a actual lei não seja alterada, não poderão fazê-lo em condições de segurança, que é como quem diz que não o poderão fazer fora de Portugal, em clínicas onde a prática do aborto por opção simples da mulher é possível e segura. Os argumentos que questionam prazos e falam das "dez semanas e um dia" não são para se levar a sério.
Na prática, o que esta lei vem alterar, é a conduta do Estado no tratamento que hoje dá a estas mulheres, assumindo que, durante as primeiras dez semanas da gravidez, a opção da mulher em abortar por motivos pessoais é legítima, tal como é legítimo o uso de contraceptivos.
Nesta afirmação, os defensores do "não" encontram motivo para argumentar que o aborto não é um método de contracepção. Pois não. Mas no caso em que a contracepção falha, a mulher deve ter a possibilidade de escolher pela interrupção de uma gravidez que não deseja sem que o Estado a penalize e com toda a dignidade e segurança. As mesmas de que dispõe quando usa um método contraceptivo.
Apenas entendo o "não" se este abranger inequivocamente todas as formas de contracepção, isto é, se assumir que a mulher não pode usufruir da sua sexualidade sem evitar uma gravidez dela resultante. Entendo que existam pessoas que pensem assim, como entendo que existam mulheres dispostas a terem filhos em série como fruto da sua actividade sexual. O que não entendo, nem aceito, é que tal coisa seja imposta a todas as mulheres.
Infeliz e hipocritamente (quando não estupidamente), os defensores do "não" limitam a sua argumentação, omitindo o que realmente pensam sobre a libido da mulher. É algo deliberado, pensado para não hostilizar em demasia o "eleitorado" feminino, mas o certo é ser impossível defender o "não" ao mesmo tempo que se defende o direito da mulher à contracepção, ou seja, ao controlo íntimo da maternidade, que é apenas sua.
Se o "não" ganhar o referendo, como penso que ganhará, será por vivermos num falso Estado laico, onde a religião ainda tem muito a dizer nestas questões. A campanha levada a cabo pela Igreja católica é uma nódoa na face de um Estado que se pretende laico, e devia merecer o mesmo tratamento que hoje se dá aos que tentam impor aos Estados laicos as regras próprias da religião muçulmana.
Que os católicos decidam não usar o direito à interrupção voluntária da gravidez por opção da mulher até às dez semanas é um direito que lhes assiste. Mas que condicionem à sua crença religiosa as mulheres que o pretendam, sendo católicas ou não, é algo que não admito e que tem um nome:
Fundamentalismo. Por isto, e apenas por isto, teria sido preferível ter votado a lei na Assembleia da República, eliminando o factor religioso da equação. Convém não esquecer o que aconteceu da última vez, quando as mesas de voto enchiam a cada fim de missa, enquanto os que não vão em missas aproveitavam o tempo para tudo menos para ir votar.
Em todo o caso, na improvável hipótese de o "sim" ganhar o referendo, não será de estranhar que a inauguração das clínicas onde este direito será assegurado às mulheres seja feita como é costume neste país: com a presença do sr. padre e da sua água benta. Vai uma aposta?
Rui Semblano04 de Novembro de 2006