Alguns vêm lembrar os desconhecidos que morrem todos os dias de forma semelhante à de Miklos Fehér e que não tiveram o destaque que este mereceu. Quererão com isso dizer que se sobrevalorizou a sua morte ou as suas circunstâncias por se tratar de uma figura pública, de um jogador profissional de futebol de um grande clube.
Eu não senti nada disso, apesar de o meu pai ter morrido no seu trabalho, de forma semelhante à de Fehér, vítima de um problema cardíaco totalmente inesperado. A morte do meu pai, como a de tantos outros cidadãos ditos comuns, não foi primeira página de jornais ou notícia de abertura, meio e fim de noticiários televisivos; não foi nem tinha nada que o ser.
A infeliz forma como Miklos Fehér morreu (e sim, existem formas felizes de morrer) teve a triste circunstância de ser gravada em imagens, transmitida em directo para milhões de pessoas e recolocada em emissão nos noticiários... Assistir à morte "ao vivo" causa uma emoção mais forte do que saber, simplesmente, a sua ocorrência. Ao ver aquelas imagens, emocionei-me até às lágrimas. Miklos Fehér era um jovem alegre e simpático que gostava de jogar futebol e que sonhava com grandes feitos - como devem sonhar todos os jovens. Ver uma vida assim ceifada, em directo na televisão, emocionou todos os que viram as imagens e transformou essa morte em algo mais que a de um mero futebolista. De repente, podíamos ser nós. Ninguém disse que a vida era justa, mas custa muito quando somos forçados a lembrar-nos disso.
O estatuto de Miklos Fehér somado com a forma como a sua morte foi transmitida, geraram um fenómeno natural de interesse superior ao normal por parte dos Media; e se alguns, como a própria Sport TV, se mostraram dignos, outros houve que se aproveitaram da situação de uma forma a que, infelizmente, já nos habituaram, explorando-a e transformando-a de acontecimento trágico em circo.
Desde os "jornalistas" que entrevistaram qualquer um que lhes aparecesse à frente para saber "o que sentia", passando pelos intermináveis directos e pela inserção das imagens da morte em
spots inenarráveis que passavam a toda a hora, até à autêntica novela que foi seguir o caixão até à Hungria... Assim se transforma uma última homenagem mais do que merecida numa pantomina - a que os familiares de Miklos Fehér foram poupados por não falarem português e porque os nossos "repórteres" não falam húngaro - graças a Deus!
Pelo caminho, as insinuações de
dopping de alguns "jornalistas" (que "acharam que deviam dizer aquilo", apesar de confessarem ser "totalmente infundado e irrelevante" - !!!), o "desfribilizador" de Valentim Loureiro, o Secretário de Estado que trocou a Hungria pela Turquia e tantos outros casos tristes que acontecem quando se fazem horas e horas de directo televisivo em que é preciso dizer sempre "mais qualquer coisita" e que transformaram este evento em motivo de chacota pelos cafés de Portugal...
Miklos Fehér merecia mais.
Mais respeito e mais dignidade.
Adeus, Miki.