sexta-feira, novembro 14, 2003

A inveja é uma merda...


Nos últimos dias, a imprensa nacional e a internacional tem focado o efeito da política externa dos EUA no mundo e, em particular, na Europa.
No Público, o antigo Conselheiro de Segurança Nacional da administração Carter (1976-1980), Zbigniew Brzezinski, escreve um artigo cujo título diz tudo: "O problema de credibilidade dos Estados Unidos" (Público, 11Nov2003, p.16); a revista The Economist desta semana é um número especial, dedicado aos EUA, encimado pelo artigo "O maior perigo ou a maior esperança?" ("Greatest danger, or greatest hope?" - The Economist, n.45, 8-14Nov2003, p.11); recentemente, o New York Times chegou mesmo a admitir que, afinal, os franceses tinham razão ao aconselhar prudência e ponderação na abordagem da crise iraquiana, ao que se junta a recente divulgação da abertura total de Saddam Hussein a uma inspecção completa realizada por especialistas norte-americanos, pouco antes da ofensiva de Março, à qual Washington nem se dignou responder.

Torna-se mais clara (como se tal fosse ainda necessário) a motivação da actual administração norte-americana, dando razão aos milhões que protestaram contra a invasão do Iraque, incluindo os muitos cidadãos dos próprios EUA que assumiram o erro do seu governo e cujo número aumenta todos os dias, infelizmente na razão directa do aumento das baixas norte-americanas no Iraque.

Apesar de tudo isto, a ofensiva mediática de Washington não pára; desde a ocultação dos números de feridos (muitos deles em estado grave) - e das condições infra-humanas em que são mantidos - à proibição de registar imagens em Dover, Ramstein, Andrews e outros locais onde vão chegando os corpos dos seus soldados, passando pela ridícula divulgação de cartas assinadas por militares no Iraque, todas igualzinhas e bem fotocopiadas (à excepção das assinaturas), em que se diz estar tudo muito bem e não haver problema algum nos locais onde se encontram...

Um exemplo de como alguma opinião pública está a reagir a tudo isto vem nas páginas do último número da revista Time (edição europeia), num ensaio lapidar assinado por um senhor de nome Charles Krauthammer, intitulado "Os EUA não têm a simpatia de ninguém. Será que se devem importar?" ("The US gets no sympathy. Should it care?" - Time, 17Nov2003, p.75), que termina da seguinte forma:

"Tentar encontrar lógica no antiamericanismo é tarefa vã. Ele está no ar que o mundo respira. As suas raízes são a inveja e a auto-repugnância - de povos que, ansiosos pela modernidade, mas incapazes de a alcançar, têm como única satisfação desprezar o paradigma da modernidade [os EUA]. A 11 de Setembro [de 2001] descansaram por um dia. Grande coisa."

Ok, senhor Krauthammer, confesso. Sempre desejei bombardear um país do Terceiro Mundo e o seu exército de pés descalços. Como não o conseguirei fazer, resta-me "ser antiamericano". Por inveja e por repugnância de ser quem sou, naturalmente.


nota:
Demonstrativo da confusão reinante sobre esta questão é este ensaio surgir no número da Time em que a capa e o artigo de fundo explica como "o resgate da soldado Lynch" foi um embuste, e em que a própria rapariga explica que não senhor, não resistiu até à última bala antes de ser capturada, como nos filmes de John Wayne. Limitou-se a ajoelhar e pedir a Deus que a tirasse dali. E, de facto, estar de volta a casa é um pequeno grande milagre para a soldado Lynch.

10.000


A Sombra foi hoje atravessada pelo 10.000º visitante.
Já aqui referenciamos o 100º, o 1.000º e, por curiosidade, o número 2003.

Atingimos os cinco dígitos.
A próxima referência deste tipo, como é hábito, será feita aos 100.000. Algum dia a faremos? Onde estarei, nessa altura, se isso se verificar? E o que escreverei então? Já existirá uma Europa verdadeira? Os estudantes universitários ainda berrarão o estafado "não pagamos!"? Estará um democrata ou um republicano na Casa Branca? E quantos amigos que hoje visito na Blogosfera lusa ainda escreverão? Terá o Miguel regressado de Oz?...

Se soubesse a resposta para estas perguntas todas, esta seria a minha última entrada. A todos os que escolhem repousar um pouco nest'A Sombra, um forte abraço.

Sempre,

Rui Semblano
Vila Nova de Gaia, 14 de Novembro de 2003

Keep it simple...

... or else.

Ok, finalmente arranjei um tempinho para actualizar o Cinema para Indígenas, com as últimas impressões sobre os dois últimos filmes que vi. Um deles já os assíduos do CpI sabem qual é (e tardava, hein Nuno!), o outro é uma pequena maravilha de nome...

... Paikea.

Now go see (and the movies also!). ;)

quinta-feira, novembro 13, 2003

Together


Ao amigo António Baeta, que me juntou à querida Insensatez numa das suas entradas, um grande abraço.

nota:
E cada vez acredito mais que somos "geminados",
de alguma e estranha forma! :)

Somewhere over the rainbow...

... That's where we'll find him.


Somewhere over the rainbow way up high
There's a land that I've heard of once in a lullaby
Somewhere over the rainbow skies are blue
And the dreams that you dare to dream really do come true

Someday I wish upon a star
And wake up where the clouds are far behind me
Where troubles melt like lemon drops
Away above the chimney tops
That's where you find me

Somewhere over the rainbow blue birds fly
Birds fly over the rainbow
Why then, oh why can't I



Estarei à espera. Porque sei que também o Miguel Nogueira fará como Dorothy e, um dia, baterá com os calcanhares e repetirá "There's no place like home..."

God speed, my friend.
And good luck with the wizard...

quarta-feira, novembro 12, 2003

A Guarda parte para o Iraque


No dia em que morreram 18 soldados italianos em Nasiriyah, o contingente da Guarda Nacional Republicana designado por subagrupamento Alfa, parte para o Iraque. Nasiriyah seria a zona de actuação dos guardas, que agora serão colocados em Bassorá, na expectativa de melhores dias que não parecem próximos.

Que todos possam cumprir a sua missão com honra e regressar sãos e salvos, pois não lhes compete decidir, apenas obedecer. A ordem que lhes deram é criminosa, mas não lhes cabe a eles escolher outro caminho, enquanto profissionais, pois não lhes foi ordenado que cometam um crime, mas uma missão humanitária, como é o policiamento e a ajuda a populações num cenário de crise.

A ordem é criminosa por não se tratar apenas de um cenário de crise, como o são a Bósnia ou Timor Leste. Trata-se de um cenário de guerra, onde os agressores fazem explodir carros armadilhados e dispõem de mísseis e espingardas automáticas.
A Guarda terá de sobreviver num cenário para o qual não está vocacionada, devendo adaptar-se à realidade o mais rapidamente possível.

E a realidade é que a guerra nunca acabou, no Iraque.
Esperemos que os guardas, os seus sargentos e os seus oficiais não sejam líricos e não tentem ver o que nos impingem os Dubyas deste mundo em lugar da realidade. É a sua única esperança.

nota:
O tratamento televisivo dado pelos canais portugueses à partida da Guarda para o Iraque foi degradante. Não faço ideia quem foi a abécula que autorizou a presença das câmaras na zona de embarque, registando a despedida dos familiares...
Como habitualmente, a TVI excelou.
Nenhuma outra se move tão à vontade na imundície em que se torna cada vez mais o telejornalismo português. Não haverá ninguém que mande a "reportére" que "cobriu" o evento para Fallujah? Sempre era menos uma...

O universitário, esse "desconhecido"


A maioria esmagadora dos portugueses acredita que os protestos dos estudantes universitários se resumem ao pagamento das propinas. A partir daqui, qualquer semelhança da luta dos estudantes por uma Universidade melhor com a reivindicação do Ensino Superior público gratuito deixa de ser coincidência.
O erro da contestação, traduzido no grito antipropina, existe, mas não é um engano; trata-se de uma acção premeditada, apesar de mal pensada e executada. Os resultados serão os mesmos de anteriores lutas em que se usaram os mesmos expedientes e pretextos.

Por mais que alguns procurem defender o ponto de vista do estudante universitário carenciado como aquele que representa o estudante tipo do Ensino Superior público, alguns factos indesmentíveis tornam essa tese insustentável; a saber:

- A enorme quantidade de bolsas atribuídas a estudantes que não as chegam a levantar (o que testemunhei durante anos a fio...);
- A incrível percentagem de alunos que paga propinas e não põe os pés nas aulas durante o ano inteiro;
- O extraordinário número de automóveis que se acumulam nos parques das Faculdades e em seu torno, prova de que são o meio de transporte comum do universitário, não a excepção;
- O dinheiro gasto pelos universitários em actividades extracurriculares, mas ditas académicas, de índole recreativa ou "institucional", desde a aquisição do traje académico à frequência da Semana da Queima (para não falar nas actividades paralelas, relacionadas com o "mundo académico"...).

Não vou sequer adicionar a isto os "sinais exteriores de riqueza" ostentados por muitos deles (que, apesar de bem colocados entre aspas, são mais que suficientes para cobrir grande parte das despesas dos estudantes com os seus cursos - propinas incluídas).

A maioria esmagadora dos estudantes universitários (isto é, as suas famílias) pode pagar propinas. É evidente que, para a maioria das famílias, o pagamento destas propinas é um problema, mas precisamos ter em conta que muitas delas, apesar de ter um ou dois filhos na Universidade, está a comprar um sistema de "cinema em casa" em 96 suaves prestações mensais ou outra coisa do género... As famílias que, realmente, enfrentam graves dificuldades para sustentar os filhos que estudam no Ensino Superior público são mais do que seria desejável, mas continuam a ser a excepção, não a regra. A generalidade dos alunos do Superior não demonstra ter grandes necessidades de ajuda ou sofrer de sérias dificuldades económicas. Bem pelo contrário.

A não ser assim, o grito que surgiria na boca de cada estudante seria "não posso pagar!", expontâneo, genuíno. O "não pago!" é, portanto, um grito ideológico; isto é, podem pagar, mas não querem. Até aqui, tudo bem. É lógico que seja assim. Existem motivos de sobra para não pagar propinas, mas... nenhum deles tem a ver com a incapacidade de pagar propinas da maior parte das famílias dos estudantes.
E aqui reside o drama da "luta" estudantil. No fundamento ilegítimo e imoral que dão a uma reivindicação justa.

O real problema do Ensino Superior público não tem a ver com propinas, mas com a qualidade do mesmo. Quanto às propinas, uma mera alínea entre tantas que ilustram o problema, a questão não é pagar ou não, mas quem as pode pagar e quem não as pode pagar. É que os que, realmente, não as podem pagar, também não podem suportar os custos com material necessário ao estudo, com alimentação, com alojamento; e recordo que a maior parte dos estudantes economicamente desfavorecidos são os deslocados; os que estudam longe de casa.

Na realidade, o Estado deveria suportar na íntegra as despesas desses estudantes - enquanto estes o merecessem, naturalmente, através do aproveitamento e do enquadramento num sistema justo de prescrições. Que dinheiro gastaria o Estado para conseguir tal proeza? Muito menos que aquilo que parece. Bastaria acabar com a contabilidade criativa da Acção Social.

Comecemos pela própria propina, que deveria deixar de existir para estes casos. Um bolseiro deveria pagar propina zero. A sua Faculdade não deveria receber nada pela sua frequência, pois o Estado gastaria zero com as propinas deste aluno. É que, para os mais esquecidos, as propinas foram criadas, na actual perspectiva, para melhorar as condições das Universidades, não para fazer face a despesas correntes.
Se estamos a falar de um estabelecimento de ensino público, que sentido faz pagar-lhe com dinheiro público? Claro que os economistas têm dois mil cento e treze bons argumentos para justificar esta circulação de capital, entre as quais se conta o de muito dele se movimentar através de canais privados, mas, no fim de contas, o que se passa é idêntico a atribuirmos um subsídio de alimentação a um filho nosso para que este nos devolva o dinheiro para lhe comprarmos comida. É um dado estatístico que não existiria, caso o subsídio fosse aplicado directamente (não se materializando), mas nem estatisticamente isso parece sensato...

Alimentação? Para quê dinheiro? Criem-se melhores condições nas cantinas universitárias existentes e façam-se mais e melhores. Os bolseiros nunca deveriam pagar para comer nas cantinas da Universidade.
Alojamento? O mesmo, aplicado a uma rede de residências universitárias exclusiva de estudantes bolseiros. Ao que hoje existe, neste campo, chamar "rede" só pode ser uma piada de mau gosto...

O que resta? Pois resta a bolsa de estudo. Com o dinheiro que o Estado não gasta em propinas, alimentação e alojamento, os bolseiros poderiam dispor de uma verdadeira bolsa para cobrir os gastos com os seus cursos. A base da propina não paga serviria como ponto de partida, uma bolsa mínima, que poderia aumentar de acordo com os custos dos materiais e literatura de cada curso.

E os outros estudantes? Pois pagam.
Podem e devem pagar. Aos bolseiros, além de proporcionar condições idênticas de estudo aos que não têm essa necessidade, o Estado proporciona a possibilidade de melhorar o seu nível de vida. Aos não bolseiros, normalmente já detentores de um nível de vida médio, deverá o Estado proporcionar o quê, exactamente? A possibilidade de viver com um nível de vida alto?
Querem instituir bolsas de mérito? Que o façam apenas para alunos excepcionais, pois os outros mais não fazem que a sua obrigação e a recompensa da licenciatura é mais que suficiente.

O esforço do Estado deveria ir para o estabelecimento de uma verdadeira relação entre Universidade e empresas (incluindo as públicas), pela criação de um programa de emprego sólido em que os licenciados terão a opção de um emprego imediato, à saída da Universidade, com incentivos aos que optam por ele, trabalhando em Portugal, mas mais ainda para os que optam em servir o Estado, onde ganharão menos, mas poderão ter outras condições, nomeadamente no que toca à investigação.

Determinar tudo isto implica o controlo efectivo do sistema fiscal, imprescindível na identificação dos carenciados e na detecção de burlas; exige uma real Acção Social Escolar, que hoje é apenas uma plataforma de movimentação de capital com fins obscuros; ordena que se repense a Universidade, optimizando infra-estruturas e recursos humanos - a todos os níveis.
Antes disto feito, ninguém deveria pagar propinas.

Em suma, não devem os estudantes gritar "não pago!" e não podem gritar "não posso pagar!" O que devem fazer é uma pergunta apenas:

"Mas o que é que estou a pagar?!"

Qualquer outra atitude está condenada ao fracasso.

segunda-feira, novembro 10, 2003

Nova Demagogia?


Não me parece.
O papel fundamental da demagogia na democracia moderna (nos sistemas democráticos em que nos incluímos, se preferirem) não deve escapar a ninguém, muito menos aos ditos "intelectuais".

De facto, é de ir às lágrimas que um homem do aparelho social-democrata, uma das máquinas demagógicas portuguesas mais sofisticadas da actualidade, venha falar sobre o pecado de Manuel Monteiro (o de ter dito o que expressei no parágrafo anterior) como se de um caso de bradar aos céus se tratasse - aconteceu no jornal da noite da TVI, este último Domingo.

Caro Pacheco Pereira,

Afirmar, com a sua expressão quase angélica, que demagogia não rima com democracia, quando o seu partido forma um Governo em que se incluem alguns dos cromos mais demagógicos dos últimos anos, é demonstrativo do papel de "opinion maker" que lhe é imputado.
Afinal, é tão fácil ser intelectual em Portugal, hoje em dia.
Não é, Pacheco Pereira?...

domingo, novembro 09, 2003

O Templo


Era uma noite como tantas outras.
O desafio foi lançado por mim mesmo. Porque não?

O Templo estava no sítio, como sempre. Simpático. Cool place, as always... E o Mário não precisa de publicidade. Hell, not this kind, anyway... Depois da recente polémica televisiva, relativa aos "maus ambientes" nocturnos e à violência e essas coisas todas (más...) estava curioso. Será assim tão mau?

Encolhi os ombros, recordando a noite em que "me convidaram" a sair do Griffon's (já não existe...) sem pagar o meu segundo cartão totalmente preenchido. Aparentemente não caiu bem a minha sessão de escolha de discos na cabina de som, atirando os que não apreciava para a pista... Oh well, what the hell... Seria assim tão má a noite, hoje?

Já não punha os pés no Templo há uns bons meses (Oh! O Templo, para os infiéis que não sabem ainda do que falo, é a Indústria, na Av. Brasil, no Porto), e decidi lá ir hoje, após um magusto antecipado em casa de uma boa amiga (a Helena - e também lá estavam o Bruno e a Flávia, que os leitores do Cinema para Indígenas já conhecem, além de outros convivas). Depois de deixar a esgotada cara-metade em casa, rumei à Foz. Old habits die hard...

À entrada, dois porteiros com uma lista verificavam o nome de um desgraçado qualquer que esperava, esperançoso. "Desculpe..." - interrompi - "Esta noite é por convite ou os clientes também entram?" Nem precisei de mostrar o cartão.
O ambiente estava interessante (algumas caras conhecidas...) e muito... acolhedor. A música podia ser melhor. Saí cedo, tipo 3:30 da manhã (escrevo ao chegar a casa), na altura em que os teenagers invadiram a pista... Eu adoro ver mulheres bonitas a dançar tanto quanto o meu irmão mais próximo, mas não tenho pachorra para bancos de ensaio da Clearasil... Time to go.

Na caixa, encontro o Mário (you know...) e o Fonseca (dono do Meeting, na Ribeira, e presidente da APVGFR... da APHRJU... Whatever... Da associação dos donos de estabelecimentos de diversão nocturna da Ribeira ou algo assim. Old acquaintances...
Para não interromper a "reunião" (provavelmente para concertar novas formas de luta para manter os bares e discotecas abertos até às seis da manhã) despedi-me mais depressa que o habitual. Good luck guys...

Mas eu sou do tempo em que acordava às nove da manhã ao comprido, na praia do Molhe, com uma gaivota a piar a um metro de mim e a pensar: "Where the fuck am I?!..." Bons tempos. Nessa altura não se falava em fechar ou abrir a esta ou aquela hora. Curtia-se a noite e pronto.
Mas acho que os tempos mudaram... Mas nem tanto assim... Nem tanto. Afinal, aquela noite em que pedi uma amiga em casamento no Molhe, depois de a convencer a sair do Templo, podia ser esta.

Some things never change...


nota:
O HLX está afinado. O piloto automático está A-OK.
I got home in a flash with no problem at all. So sue me.