quinta-feira, julho 31, 2003

Obscuro


Lido em Santa Ignorância:
(por Adeodato)

--- início de transcrição ---

(...) não é um defeito da TSF, ser de esquerda. É uma virtude, é sinal de que é feita por pessoas, tal como seria uma virtude se fosse de direita. Mau é não ser de coisa nenhuma, porque aí é-se sempre do lado obscuro....

--- fim de transcrição ---


Isto a propósito de a TSF ser uma rádio "de esquerda".
Pessoalmente, não acho que o alinhamento seja um malefício; veja-se o caso da The Economist ou do Le Monde Diplomatique (francês), publicações que sigo atentamente, no primeiro caso semanalmente, no segundo esporadicamente, fora as edições da revista Manière de Voir, que colecciono.
O que me parece um tanto confusa, para mim, é a parte final do período do Adeodato, isto é, ser-se "sempre do lado obscuro" se não alinhado.

A Sombra já foi acusada de ser um blog "de esquerda", o que refutamos, e não tarda nada, seremos acusados de ser "de direita", o que é igualmente falso. Seremos "obscuros"? O nome "A Sombra" simbolizará essa obscuridade?

Não.
Simplesmente, não temos rótulos.
Se um Cavaco Silva diz algo que merece respeito, disso fazemos eco e muito gostaríamos que a sua sugestão fosse implementada. Se um Manuel Alegre diz algo que merece ser ouvido, disso damos conta e nos manifestamos solidários, esperando que as suas palavras não passem desapercebidas. Se um editorial da The Economist é indesmentível, não hesitamos em o citar, do mesmo modo que o fazemos com o Le Monde Diplomatique.
Será isto estar na obscuridade?

Não me leve a mal o Adeodato, pois entendi (ou penso ter entendido) onde pretendia chegar, mas o facto de se recusarem os rótulos não significa, necessariamente, indefinição, antes pode significar ponderação e a procura do bom senso e das ideias progressistas, estejam onde estiverem, venham de onde vierem. E, neste campo, não existem monopólios.
Por isso acho tanta piada a expressões do tipo "monopólio cultural da esquerda". Mas quem inventou este mito? E que importa quem lança mais boas ideias para a fornalha do progresso, ou melhor, a quem importa tal coisa?

Se leio algo que me toca, que entendo pertinente, que acho sensato, digno de nota, por exemplo, na blogosfera, que me importa a mim que seja o José Pacheco Pereira, o Miguel Esteves Cardoso ou o José Mário Silva a escrevê-lo?
A independência não deve ser confundida com indecisão, bem como a isenção não pode ser tomada por neutralidade. As causas fazem-se de ideias e as ideias não são monopólio de nenhum sector político; nem as boas, nem as más.
Um exemplo concreto:
Muitos se indignam com a manutenção de Yasser Arafat como leader palestiniano por muitos sectores da política mundial, contrariando os desejos expressos de Telavive e os velados de Washington.
Eu indigno-me por isso e por darem a Ariel Sharon um respeito que, igualmente, não merece. Ambos, Arafat e Sharon, prejudicam o processo de paz de forma quase irreparável, pela mera obsessão de não largar o poder.
Considerando os passados de um e de outro, o melhor que poderiam fazer era afastar-se, voluntariamente, facto pelo qual, apesar do passado, mereceriam ficar na história como tendo permitido um caminho viável para a paz no Oriente Médio. E agora? Serei "de esquerda"? Detesto Sharon. Ou "de direita"? Arafat repugna-me.

Sou cinzento.
Cinzento como o Mundo todo.
Cinzento como os sem abrigo de Nova Iorque, como os chiapecos mexicanos, como os executivos de Wall Street e como os enamorados parisienses.
Porque o Mundo não é preto nem branco.
Porque a razão não tem dois lados, apenas um.
Porque não existem duas verdades, apenas uma.
Porque somos um planeta, um povo e uma alma.
E porque respiramos o mesmo ar.

Chega de divisões. !Ya Basta!

Pela Sombra,
RS


nota:
Caríssimo Adeodato, perdoa o tom deste post.
É dirigido ao Mundo. Não a ti.
Um abraço.

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