Terão Radioactividade em Teerão?
Ou não?
O Ocidente em geral e, em particular, os EUA já perderam no Iraque e no Afeganistão toda a ameaça plausível que lhes restava.
Podem sempre tentar por John Bolton a cantar na Voz da América, mas resultaria?
Entrada concluída. . O senhor John Bolton, hoje representante dos EUA na ONU, questionado na BBC World, há uns dias, sobre que tipo de mensagem se enviava ao perseguir o Irão e premiar a Índia pelo mesmo motivo, respondeu da seguinte e fantástica forma:
"Não é o mesmo. A Índia merece toda a nossa confiança e, além disso, nunca aderiu ao Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNPAN), ao passo que o Irão é membro efectivo do TNPAN e tem andado a enganar toda a gente, em especial a IAEA."
Reacção imediata do entrevistador (e minha, a assistir!): Mas então basta que o Irão se retire do Tratado e já pode ter o programa nuclear à vontade! Pois é. Mas as coisas não são assim tão simples, como lembrou de seguida John Bolton. Só que, como tal, também não convém lá muito usar de simples expedientes de "chico-esperto" ao responder a este tipo de perguntas.
Uma coisa é certa; depois do fiasco iraquiano, os EUA não têm credibilidade para constituir uma ameaça real ao Irão. Mesmo com a ajuda internacional, criar um lamaçal na Pérsia para somar ao da Babilónia é uma péssima ideia. A única forma de enfrentar uma ameaça deste tipo é a pé firme (
como já disse).
O pior dos cenários que daí venha a surgir será sempre melhor do que qualquer um dos gerados por uma intervenção militar no Irão. Está mais do que demonstrado que, perante a realidade actual, um ataque aéreo do tipo que os israelitas brilhantemente
executaram em Osiraq já não resulta, além de que só servirá para abrir as hostilidades com os iranianos, que responderão abrindo as portas do inferno já entreabertas no Iraque e no Afeganistão.
Em caso de um ataque deste tipo, porém, o Irão dificilmente atacará Israel (
Ahmadinejab não é estúpido) e com toda a certeza, para além das costumeiras exaltações da Rua Árabe, não declarará guerra "ao Ocidente". Resultado: a perda total de algum sentido de retorno à normalidade no Afeganistão - com imediata repercussão
no Paquistão! - e o pandemónio completo no Iraque, com os shiitas radicais em roda livre. Estas consequências são também aplicáveis ao cenário improvável da invasão. Só que, então, seria ainda pior.
A reacção a uma invasão do Irão seria imprevisível não só no Médio Oriente e nos países árabes em geral - onde o já débil regime de Saud enfrenta hoje notórias dificuldades - como em locais como o Paquistão e a Indonésia (o país com maior número de muçulmanos), que poderão cair no radicalismo mais facilmente do que é aparente. Com os apoios certos, os militares (esqueçam a "democracia" nesses países; a única coisa que segura os regimes indonésio e paquistanês são os militares) podem "reconverter-se" ao "verdadeiro" Islão, o que transformará Caxemira num barril de pólvora ainda maior (levando a Índia a uma escalada do nuclear - aliás já na calha) e colocará em perigo os vizinhos "menos muçulmanos" dos indonésios (como Timor!). E não esqueçamos o norte de África, onde o fanatismo islâmico aguarda ansiosamente uma desculpa qualquer para emergir, e o seu "corno", em que o mesmo sucede.
É a velha teoria dos dominós, mas ao contrário.
É voz corrente no mundo islâmico que o "Ocidente" luta pelo controlo efectivo dos recursos energéticos do Oriente Médio. Chamam a isto "as novas Cruzadas", como também lhes chamou G. W. Bush, quando ainda estava distraído, que foi antes de alguém na Casa Branca ter sugerido que, se calhar, tal nome não era lá muito boa ideia.
O Ocidente, e não apenas os EUA (como ficou demonstrado cabalmente com a crise dos
cartoons dinamarqueses), é o inimigo. Desfazer esta imagem demorará anos; muitos anos. Mas não passa este processo por nova invasão de um país islâmico, sob a bandeira da "prevenção". É necessário esperar para ver. E talvez seja preciso pagar para ver, também. Porque talvez exista um preço, e bem alto, mas se não estivermos dispostos a pagá-lo, será mil vezes pior.
Opções concretas?
Conduzir o Irão ao nuclear, enredando-o nas suas promessas e palavras, nas suas exortações e compromissos - que se trata de política energética e não de defesa. A seguir, mostrar-lhes as alternativas e o fim do nuclear energético de fissão, com todas as energias limpas alternativas e com o advento próximo da fusão - em que o Irão deveria ser envolvido rapidamente. Porque não?
Fazer tudo o que for possível para que o mundo veja claramente o que quer o Irão, de bom e de mau, e faça o seu juízo de modo a que, se um dia se concretizar a hoje imaginada ameaça iraniana, a comunidade internacional se junte a uma só voz - mundo islâmico incluído - para condenar e punir tal agressão ou clara intenção de agredir. mas perante factos comprováveis por todos, e não por meio de "provas" mostradas a meia dúzia de amigos no segredo dos gabinetes.
Se os iluminados que hoje transformam em dia a noite de Washington tivessem a mesma pujança em 1944, a II Guerra Mundial teria "preventivamente" continuado depois de Berlim e de Hiroshima, em direcção a Moscovo e a Pequim. E quem sabe onde, quando e como teria acabado...
É certo que a analogia dos "maus vizinhos" não se aplica por
transfer ao nuclear - o meu vizinho, por muito mau que seja, nunca terá uma arma nuclear em casa (e daí...) - mas é essa a lógica que deve prevalecer, mesmo sabendo que é de ADM's que falamos e não de uma divisão blindada a atravessar uma qualquer fronteira a milhares de quilómetros de nossas casas.
O risco é enorme, mas necessário. Não o correr não é uma opção. E talvez por isso mesmo, desta vez será diferente e o corramos, como não corremos com o Iraque.
E se, por infelicidade, o tempo e as acções dos homens vierem a provar que o Irão queria o nuclear para fazer a guerra, calem-se então os que estão mortos por ter essa razão. Pois não a terão, não. Por vezes, é necessário sofrer para ganhar legitimidade, e no caso da legítima defesa, é sempre preciso sofrer, nem que seja só a ameaça - credível e comprovada!
Mas não é de relatórios encomendados aos serviços secretos que falo. É de factos palpáveis e visíveis por todos; no limite, sim, um cogumelo horrendo. Até porque, depois do Iraque, será extremamente difícil convencer o mundo de que Teerão procura a guerra antes que ela se inicie.
E quando o lobo morder, não se esqueçam de agradecer ao Pedro - quer dizer, ao George.
Rui Semblano