A quem serve uma"Sociedade por quotas"?Reflexão sobre as implicaçõesda "acção afirmativa" comoinstrumento de integração social.
A questão da percentagem de
33.3 de mulheres em todas as listas eleitorais, segundo pretende o Governo, levantou o fantasma da "sociedade por quotas" (as aspas e a ironia são menos relevantes do que poderá parecer à primeira vista).
Qualquer sociedade se socorre do uso das quotas para resolver os seus problemas de funcionamento, quanto mais não seja por imperativos de representatividade. O recurso em excesso a este expediente (não é - ou não deve ser - mais que isso) resulta negativo, por estratificar a sociedade de modo demasiado ostensivo, exacerbado.
O que acontece com as mulheres é emblemático, pois só concorrem para esta quotização dois "estratos": os homens e as ditas. Daqui emerge a imediata repulsa por parte de quem, homem ou mulher, não vai na lógica de "espécie ameaçada" que reside no âmago desta iniciativa despropositada e, no limite, insultuosa (embora, de certo ponto de vista, não pudesse ter sido lançada na arena mais a propósito!).
Porém, esta lógica - a dos opositores à quota 33.3 de mulheres nas listas eleitorais ou onde quer que seja - não é linearmente aplicada ao princípio da quotização; isto é, como disse
PiresF, por exemplo, já no caso das quotas que têm por objectivo a integração social de minorias étnicas, o mesmo princípio seria aceitável - mediante determinadas condições, digo eu agora. E é precisamente aqui que o "bicho" torce o rabo.
Por princípio, ou
como princípio, não me agradam as quotas.
A mera existência de quotas é um obstáculo imediato ao desenvolvimento, porquanto o torna dependente de um factor de base puramente quantitativo que, por norma, transforma em redundante o factor qualitativo.
O que sucedeu nos EUA com a chamada "Acção Afirmativa", por exemplo, é paradigmático: no início, integrou e/ou ajudou a integrar a comunidade afro-americana na sociedade; depois estendeu-se aos latinos e, agora, ao mesmo tempo que asiáticos e árabes se sentem preteridos, são os próprios caucasianos que se mostram preocupados, ao verem como o mérito é relegado para segundo plano por motivos que têm apenas razão de ser matemática, de acordo com a quotização social estabelecida.
Resultado: o problema deste tipo de estruturação social (aqui evito chamar-lhe "estratificação") é que, no início, tudo são rosas, mas ao cair das pétalas, restam os espinhos. Como voltar atrás? Como com uma rosa de verdade, não há volta atrás. Ficam os espinhos, ponto.
A única forma de quotas a favor de minorias étnicas como factor de integração social que veria com bons olhos (e ainda assim com algumas reservas), seria a que limitasse a sua acção no tempo; isto é, haveria que determinar (e não é tão difícil assim) um período de tempo em que a quota seria válida, findo o qual ela se extinguiria.
E isto sem que existisse um objectivo predeterminado, uma meta a atingir que justificasse a existência da quota em causa. A integração por ela proporcionada seria a que fosse conseguida pela minoria étnica abrangida pela medida e só essa minoria seria responsável pelo êxito ou pelo fracasso da iniciativa.
Que se proporcionem meios de integração às minorias étnicas é legítimo e positivo, mas isso não pode significar levar alguém ao colo! Cada um deve aproveitar a oportunidade segundo o seu próprio interesse na integração e, sobretudo, deverá chegar lá pelo seu pé.
Rui Semblanonota:Agradeço ao PiresF ter dado o mote para este assunto. Conforme o feedback da "caixinha das surpresas" (vulgo, "comentários"), darei continuidade - ou não - a esta entrada. Um abraço a todos.
Coincidencias... hoje mesmo na faculdade estive a estudar os vários tipos de Sociedades; quotas, anónima, etc. Ao ler o seu post achei imensa coincidência. De qualquer forma aqui fica o registo.
ResponderEliminarUm boa noite para si.
Um abraço!
Sombra:
ResponderEliminarEstou a ver que não lhe escapou a ironia do uso da expressão. ;)
Bom estudo e uma boa noite.
RS
Amigo Rui!
ResponderEliminarDe facto, não é fácil encontrar uma solução onde o mérito não seja relegado para segundo plano.
A solução seria a constituição excepcional de associações das minorias étnicas, que pudessem concorrer a eleições em condição de privilégio, e com uma extensão na lei eleitoral que previsse os termos em que o faziam.
Concorreriam assim e provisoriamente a um mandato, que definiria a sua continuidade.
Sendo por principio contra as quotas, o factor relevante da integração social destas minorias, leva-me a considerar a emergência da questão e a discuti-la, por isso lhe pedi a opinião naquele dia, e congratulo-me ao verificar que foi mais longe e pensou seriamente no assunto.
Esta questão, que ainda não se põe em Portugal chegará, e devemos todos estar preparados para ela, já que, as primeiras reacções, que adivinho algo reaccionárias e retrógradas, precisam ser combatidas.
A esta hora, nada mais se me oferece dizer.
Um grande abraço e obrigado por ter pegado no assunto.
PiresF:
ResponderEliminarNada a agradecer, caro amigo.
Esta é uma questão que se enquadra na mais larga sobre o futuro da Democracia.
E nessa já eu entrei e, sinceramente, ainda não saí. Talvez este mote me leve a desafiar novos e velhos amigos blogosféricos para mais uma "ronda".
Afinal, a democracia está moribunda ou em estado de crisálida de que sairá algo novo?
E esse algo será belo ou monstruoso?
"Não percam os próximos episódios"...
;)
Até breve, meu caro.
RS