quarta-feira, dezembro 28, 2005

Factos de 2005 - I - Dresden 13.02.1945


Sobre o livro de Frederick Taylor, Dresden, Tuesday February 13 1945, José Manuel Fernandes, em editorial do Público, afirmou estar finalmente provado que o bombardeamento daquela cidade não só foi justificado como os resultados foram de grande importância para a vitória aliada sobre o nazismo.

Entrada actualizada abaixo. Posted by Picasa


A propósito de recensões, quando li a relativa a esta obra de Frederick Taylor, na tal coluna "Um livro por semana", do Público, fiquei com a pulga atrás da orelha. É que, logo a seguir (ou no próprio dia, já não me recordo), José Manuel Fernandes (JMF) veio referir o dito trabalho como "prova" de que, "afinal", o bombardeamento de Dresden em finais da Segunda Guerra Mundial foi uma acção militar legítima e inteiramente justificada, contrariando o "mito", segundo o director do Público, de que se havia destruído uma cidade inteira e morto milhares de pessoas para nada.

Como amante de tudo o que diz respeito à II Guerra Mundial, encomendei o livro na FNAC e não o larguei até ter a certeza de não ter falhado algum pormenor importante que, de facto, fosse de encontro quer à referida recensão, quer às palavras de JMF.

Em 2005, assinalaram-se os 60 anos decorridos sobre a data fatídica de 13 de Fevereiro, dia de 1945 em que Dresden foi tomada como alvo para os grupos de bombardeamento estratégico britânico 5th Bomber, 8th Pathfinder, 1st, 3rd e 6th Bomber, a que se seguiram os doze grupos norte-americanos da 1ª Divisão de Bombardeiros da USAAF (naquele tempo era "Army Air" e não apenas "Air", de onde o duplo "A").
Como muito bem está documentado na excelente série "The World at War" da BBC, que vi na RTP quando da sua primeira apresentação e que agora possuo em DVD, graças ao Público (curiosamente...), em registos da época relatados na primeira pessoa, como o do mais alto responsável pelo Comando de Bombardeiros da RAF, a prática do bombardeamento estratégico enquanto bombardeamento de largas áreas residenciais com o objectivo de infligir o máximo de baixas civis, para desmoralizar e desmobilizar o adversário, era usada normalmente pelos britânicos (assim como pelos norte-americanos e alemães). Também é conveniente não esquecer que foi pela frustração e impotência da Grã-Bretanha não poder atingir os alemães de outro modo que tudo isto começou, com o notório bombardeamento de Berlim quando a Luftwaffe tinha de rastos o Comando de Caça da RAF, levando Hitler a retaliar sobre Londres e outras cidades, abandonando de todo os alvos militares, para gáudio de Churchill e desespero dos Generais do Ar alemães (incluindo Goering, que não era tão estúpido assim...).

Dresden foi, portanto, um alvo natural, dentro deste tipo de estratégia tão estúpida como desumana. Está hoje provado que esta técnica não conduz aos resultados que pretende atingir, muito pelo contrário. Mas, em 1945, era normal. E tão normal era que, de viva voz, vários oficiais superiores de todos os campos a proclamavam como sendo usada com bons resultados (entenda-se "milhares de mortos civis"). C'est la guerre, dirão alguns. Não necessariamente, digo eu.

Como em Hiroshima e Nagasaki, em Dresden cometeu-se um crime contra a humanidade. Também em Londres, sim, e em Coventry. Em todos os sítios onde foram propositadamente bombardeadas áreas apinhadas de civis, fosse de que nacionalidade fosse o comandante dos bombardeiros.

O livro de F. Taylor não prova coisa nenhuma. É um trabalho honesto e bem documentado. Tende ligeiramente para a teoria em voga de que Dresden era um alvo eminentemente industrial, muito politicamente correcta nos dias de hoje, mas negada até à exaustão por declarações de ingleses e norte-americanos quando a prática do bombardeamento de civis era tida como dentro das "leis da guerra".
Apesar disso, de todas as fotos seleccionadas para ilustrar o livro, apenas uma mostra uma instalação "industrial": a fábrica de cigarros Universelle, convertida para o fabrico de armamento. Não esclarece o livro qual o impacto que teria o armamento saído desta fábrica nos dois meses que decorreram desde o bombardeamento até à queda de Berlim, mas parece-me seguro afirmar que não seria por ele que os nazis teriam empurrado os soviéticos para os Urais e os ingleses e norte-americanos para o Canal da Mancha e para o Mediterrâneo...

Quanto ao número de vítimas civis que pereceram no inferno de Dresden, cuja construção era eminentemente de madeira e que foi bombardeada com bombas incendiárias (para destruir as fábricas, já o sabemos...), F. Taylor diz-nos tão simplesmente que... Não o sabe.

O que diz Taylor é que, apesar da inexactidão dos números oficiais ou não, "Nada disso minimiza a terrível realidade de um tão vasto número de mortos, roubados da vida de forma tão horrenda no espaço de algumas horas, ou faz esquecer que a sua maioria eram mulheres, crianças e velhos. Estimativas irracionais - em especial as que visam ganhos políticos - não dignificam nem fazem justiça, em qualquer conjunto de valores, ao que foi um dos actos isolados mais terríveis da Segunda Guerra Mundial." (in Dresden, 13 February 1945, pág. 509, Bloomsbury 2005, paperback)

Se isto é desculpar o bombardeamento de Dresden, então já não sou eu que não percebo inglês, já não percebo é nada de nada... Nesse caso, que JMF e o recensor do Público perdoem a minha "ignorância".

Como escrevi pelo meu punho no próprio livro:
"As pessoas verão sempre o que querem ver, mas
Hamburgo, Colónia, Hiroshima, Nagasaki... e Dresden
foram crimes de guerra."

Rui Semblano


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Factos de 2005 - I - Dresden 13.02.1945

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