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Se não leu a primeira parte,
pode encontrá-la aqui.
Criança vestida como bombista suicida
durante um comício islamita.
Abril de 2006.
Foto FLICKR/www.flickr.com
Quando hoje alguns falam de Israel como uma ilha de democracia num mar de árabes radicais, esquecem convinientemente que o Estado judaico é tão ou mais fundamentalista que muitos Estados árabes; é um Estado segregacionista e a separação de Estado e religião não é assim tão evidente - Israel foi fundado com base num direito divino, pelo que a religião está na sua génese e orienta e inspira as suas políticas. Israel permanece tão fechado em si mesmo como os países islâmicos, encontrando as mesmas justificações para os seus actos, arrancadas à raíz do tempo e, deturpadamente, aos textos sagrados - tal como fazem os islamitas.
A grande diferença é que, aos poucos, Israel transformou-se no bastião "ocidental" do Próximo Oriente; uma cultura mista de valores ditos "ocidentais" (menos do que se imagina) e de judaísmo (mais do que transparece). No subconsciente europeu e norte-americano, onde estão mergulhadas as noções distorcidas de cristianismo e das cruzadas, de islamismo e de "Jihad", de judaísmo e de Holocausto, um judeu israelita nunca será comparável a um branco sul-africano dos tempos do Apartheid, assim como um palestiniano, árabe e muçulmano, jamais terá a simpatia e a compaixão que de nós obteve o negro sul-africano de então.
Embora as duas situações sejam rigorosamente paralelas (os Boers expulsaram o Império e criaram o seu Estado sobre os direitos e as terras dos africanos - ocupante substitui ocupante), não é assim que entendemos o Médio Oriente. Na África do Sul, os negros e os brancos descendentes dos Boers vivem juntos sob uma só bandeira, tentando resolver os seus inúmeros problemas partindo de um ponto de vista comum e não reescrevendo a História, negando o direito aos que nasceram nesse país a viverem nele. No Médio Oriente, judeus e árabes procuram ainda a supremacia: uma Palestina livre uns dos outros. Nestas circunstâncias, e sem o necessário espírito de sacrifício, os que ainda teimam ser possível viver em conjunto são cilindrados pelos extremos, a cada suicida palestiniano e a cada míssil israelita.
Na nossa visão do problema, distorcida pelas lentes do Holocausto e do radicalismo islâmico, o valente povo israelita continua a sua luta legítima pela sobrevivência contra os ignóbeis e terroristas árabes, e uma foto de um grupo de adolescentes judeus, saudáveis e vestidos de Calvin Klein ou Lacoste, gritando de medo ao som das sirenes que anunciam mais um míssil do Hezbollah, vale mais do que cem fotos dos bairros de Beirute ou de Gaza destruídos pela aviação israelita. No nosso subconsciente, é contra nós, "brancos", "ocidentais" e "democratas", que são lançados os mísseis do Partido de Deus - um Deus terrorista, como todos ficámos a saber desde os cartoons dinamarqueses...
Para mim, porém, não existe diferença alguma entre islamismo e sionismo (ser islamista é diferente de ser muçulmano como ser sionista é diferente de ser judeu). A prová-lo estão as imagens das crianças árabes de armas em punho e as de crianças judias escrevendo mensagens nos obuses que serão disparados contra o Líbano. E sorriem, umas e outras. Ousam os adultos sionistas e os islamitas convencer o mundo de que é por e para estas crianças que fazem a guerra. Os mesmos adultos que recusam, de um e de outro lado, admitir que essas crianças brincariam juntas e em paz se não fossem ensinadas a odiar. A odiar em nome de Deus, naturalmente.
O do Hezbollah ou o de Israel. Dá no mesmo.
Rui Semblano
18 de Julho de 2006
O distante Próximo Oriente... (primeira parte)