quinta-feira, setembro 18, 2003

Fernando Cameira (1957-2003)

in memoriam

Dei pelo Fernando Cameira quando soube da sua morte.
Não o tinha lido antes, nem conhecia a sua pintura ou a sua música. Era mais um desconhecido; mais um "outro", daqueles que tento respeitar sem sequer conhecer. A última entrada, no seu "blog do veneno eficaz", não é sua, mas de Lia Cameira, sua esposa e discípula, como se afirma.

No registo do Fernando, alguns links para outros blogs, poucos, do lado direito, ao cimo... Uma entrada final lapidar, de sua autoria, que nunca saberei o quanto adivinhava do futuro... Palavras. Ligações para outros registos seus, onde vi as fotos do seu filho, o Sérgio, da sua companheira, a Lia, e da "Paprika", a sua cadelinha rafeira...
Vi o que ficou para trás como se de mim se tratasse. Apenas posso julgar que foi o cancro que venceu o Fernando, pelo que li, mas que importa? A sua vida entre nós foi interrompida, como poderá ser a de qualquer um, a qualquer momento.

Os registos do Fernando emocionaram-me mais do que julgava. Talvez por se tratar de "um de nós", os que escolheram a Blogosfera para partilhar ideias, trocar ideias, falar de ideias. Mas não só.

Emocionou-me o modo suave com que se apresentava, com que falava dos seus entes queridos e do seu trabalho. Emocionou-me a forma como descreveu as dificuldades em fazer compreender Portugal que a Lia era sua esposa e que não a podia perder em qualquer circunstância, mas para mais naquela em que se encontrava. Emocionou-me o seu apelo aos que o liam para o ajudar e ver o zero nos comentários desse pedido de ajuda. Emocionou-me cada rótulo de "vendido" junto aos seus trabalhos de 75 ou 100 euros... Retalhos de um homem a 100 euros... "Vendido". E ainda há alguns à venda; agora retalhos da sua memória.

E emocionou-me a coragem da sua companheira, que lhe faz honra.
Para ela e para o Sérgio não tenho palavras. Não posso ter.

Para nós tenho algumas, ainda. Para os que escrevem, sobretudo. Para os que o fazem no mesmo registo do Fernando Cameira, em especial. Para os que sabem que, um dia, as suas palavras escritas vogarão perdidas por este espaço, esperando uma leitura improvável... Impossível. E escrevem.
E escrevem...

Na louca esperança de diminuir a improbabilidade do encontro das palavras do Fernando, aqui coloco um elo de ligação para elas. Para que, um dia, o improvável, o impossível leitor das minhas possa encontrar as dele.

No limite, restam as palavras.


Rui Semblano
Porto, 18 de Setembro de 2003


O último registo do Fernando Cameira
em Blog do veneno eficaz:

8/27/2003
nada a provar
Nada a provar nada a negar. Pensar. Pode ser interessante ler mas muito também o experimentar. Pensar sem medo e reflectir sobre esses pensamentos, construir teses sem vergonha do que os outros pensem. Pode ser que se abram novas portas e outros mundos assomem…
# posted by fernando : 7:17 AM


Ele e os seus
A sua arte
A música

1 comentário:

  1. O tempo nem sequer abranda esta violência com a qual me agito na ausência do amado, porém aprendo que após a sobrevivência há vida para se celebrar o antes e o depois.

    ResponderEliminar