quarta-feira, julho 05, 2006

segunda-feira, julho 03, 2006

Punição Rodoviária Portuguesa - PRP




Como venho dizendo há algum tempo, a alegria de ver a selecção portuguesa chegar longe no mundial de futebol não chega para apagar a triste realidade que nos rodeia. E tão triste é ela, que faz com que tal alegria seja parca... Como se fosse um bom vinho a acompanhar comida estragada.
Os exemplos desta situação abundam, da Educação ao Ambiente, mas escolho um pequeno detalhe para esta entrada que, apesar da sua especificidade, é demonstrativo da mentalidade que impera neste que é, cada vez mais, não apenas "um" mas "O" canto da Europa.

foto:
Eu e a primeira moto, uma Suzuki GS500E.
1993 - A1 - Manif contra as portagens.




Sou motociclista.
O facto de estar sem moto desde 1998 não apaga os mais de 300.000 km que tenho em duas rodas. Nesses anos, quando o velho Talbot Horizon que então tinha ficava a ganhar pó na garagem, contactava diariamente com outros motociclistas e vi de tudo, desde os que genuinamente eram apaixonados pelas motos aos que as tiravam das garagens apenas ao domingo de manhã para "o povinho ver" - e só quando estava sol!
Era, sem dúvida, quando chegava o frio e os céus se fechavam que encontrava na estrada os melhores desta "classe" especial de gente que aprecia a liberdade só proporcionada pela moto e que tem por companheiro o vento. Participei nas campanhas pelo ajustamento das portagens ao porte dos veículos de duas rodas e pela protecção dos pilares dos rails que tantas vidas têm literalmente ceifado e tantos corpos têm estropiado todos os anos, sem necessidade alguma. Tive vários acidentes, felizmente sem consequências de maior para mim, e apenas em uma ocasião fui "ao tapete" por palermice minha, apesar de ajudado por uma dessas armadilhas tão comuns nas nossas ruas e estradas (no caso, uma falha no asfalto).



Recentemente, o Ministério da Administração Interna (MAI) tem tomado as motos "de ponta", reagindo da pior maneira às estatísticas que vão mostrando o índice de sinistralidade dos motociclos por comparação com os outros veículos.


foto:
Eu e a BMW R80R, uma Boxer com alma.
1996 - Ciudad Rodrigo - Espanha
A caminho dos Pinguinos!



Há alguns dias a RTP mostrou uma reportagem em que tal índice era exorbitado à boa maneira do tablóide sensacionalista. Dizia-se na dita peça que as forças de segurança rodoviária iam fazer incidir a fiscalização especialmente sobre os motociclos, devido à quantidade enorme de acidentes em que estes estavam envolvidos. Para ilustrar a reportagem, a RTP contratou um "artista" que se prestou a fazer uma série de barbaridades com uma câmara montada na sua moto!
Apesar de terem incluído no trabalho "jornalístico" as declarações de um motociclista digno desse nome, que pôs o dedo em várias feridas e descreveu na perfeição qual é a postura de quem usa a moto com responsabilidade, foi o inconsciente da câmara na moto que fez a notícia, transmitindo a mensagem: somos, os motociclistas, todos "selvagens", assim, como ele!
Porém, mesmo no fim da reportagem, numa frase lida a correr, lá estava a verdade:
A grande maioria dos acidentes que envolveram motos a que se referia a peça fora provocada por... automóveis.
Resposta das autoridades? Cair em cima dos "selváticos" motociclistas. Ainda ontem, um guarda da Brigada de Trânsito explicava a uma estação televisiva que estavam a fazer uma "operação-stop" numa auto-estrada (!!!!) para fiscalizar em particular as motos de grande cilindrada, pois no dia anterior haviam registado 9 acidentes, 6 dos quais envolvendo motociclos!



Certo parece ser que a "cruzada" do Estado contra um meio de transporte muito mais amigo do Ambiente que os automóveis e que, por essa Europa fora, é acarinhado pelas autarquias como forma de combate ao excesso de trânsito e poluição provocados pelo automóvel nos centros urbanos, está para durar.
Entre nós, a moto permanece um "objecto de luxo" (o selo da minha BMW ou da Yamaha eram mais caros que o de um automóvel de 1200 cc), um "devaneio", um "perigo", sinónimo de um mundo onde imperam os "malucos", os "selvagens", como aquele da reportagem, pago pela RTP para o ser.

foto:
Eu e a minha última moto,
a fantástica Yamaha XTZ 750 Super Ténéré toda negra!
1997 - Ciudad Rodrigo - Espanha
Sempre a caminho de Tordesilhas e dos Pinguins!



Eu era um desses "selvagens" (e voltarei a ser mal possa) naquela noite em que o respeitável condutor de um Mercedes saiu de uma curva em contra mão e veio embater de frente na minha querida BMW. Eu, graças aos céus, passei-lhe por cima sem um arranhão, mas a moto ficou tão maltratada que fui forçado a separar-me dela (coisas dos seguros e dos ALD's...). Nessa noite, contribuí para o número de motociclistas "malucos" que engrossam as estatísticas e terei, quem sabe, provocado a saída da GNR para a estrada, a controlar as motos todas para protecção dos automobilistas...

A estrada é perigosa, habitada por muitos demónios, mas não é perseguindo um grupo específico de utilizadores que se resolvem os problemas da sinistralidade rodoviária, muito menos um em que ser-se vítima da estrada ou de outros condutores é a norma e não a excepção. Esta mentalidade vigente no MAI, espelhada nas acções da Divisão de Trânsito da PSP e da Brigada de Trânsito da GNR, é representativa do "savoir faire" lusitano. Do nosso característico "Know How", como diria José Sócrates, agora que o Francês morreu nos nossos liceus.

Certo dia, fui mandado parar pela BT depois de um troço particularmente manhoso de estrada em que, pelo que me disseram, circulava mais depressa do que seria seguro fazer. Quando perguntei ao "senhor guarda" se, então, não seria melhor colocar a patrulha ANTES do dito troço, para alertar os condutores "menos dotados" que eu, acrescentei, meio a sorrir, estando assim a alertar os mesmos para a zona de perigo, em lugar de esperar o resultado no final da mesma, o homenzinho olhou-me com uma expressão tão vazia que me impressionou (parece que o estou a ver, a boca entreaberta...).
Para ele, como para a maior parte dos que deveriam implementar a Prevenção Rodoviária em Portugal (a dita PRP), não faz sentido nenhum evitar que se comentam excessos na estrada. O que faz todo o sentido, para eles, é permitir - encorajar, mesmo - que os excessos sejam cometidos para, depois, punir os que os cometem - caso estes consigam sobreviver a eles, naturalmente, e não matando ninguém no processo, de preferência.

Como seria tão triste este país se os condutores fossem previamente avisados dos perigos da estrada e alertados para a presença da autoridade, das patrulhas, dos radares... E como seria triste a vida de polícias da DT e guardas da BT.
Para eles, como para tantos de nós, parece muito mais divertido ficar escondido depois de uma curva perigosa a ver quem lhe sobrevive para pagar a multa mais adiante. Com um pouco de sorte, se a coisa correr para o torto, até pode ser que não venha ninguém em sentido contrário, calmamente.
Alguém a conduzir uma moto, por exemplo.

Rui Semblano
2 de Julho de 2006

nota:
"Pinguinos" é o nome da maior concentração de Inverno da Europa, que ocorre a Fevereiro de cada ano, perto de Tordesilhas. Vem daqui o meu cognome de "Pinguim" no meio das duas rodas. É que, além disso, adoro pinguins desde que me conheço. :)