sexta-feira, fevereiro 17, 2006

Cuidado com a floresta...


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8 Janeiro 2003: O Ghauri/Hatf V míssil balístico de alcance intermédio (IRBM), que tem um alcance estimado de 1,500 km, é formalmente introduzido no comando estratégico do exército paquistanês.

Acredita-se que o Paquistão tenha uma reserva de 580-800 kg de urânio altamente enriquecido, quantidade suficiente para construir 30-50 bombas de fissão.

O Paquistão não é signatário do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (NPT).

Fonte: NTI - Nuclear Threat Initiative




Existem em todo o mundo mais de 1.300.000.000 muçulmanos.
Leram bem; um bilião e trezentos milhões. Na Europa, por exemplo, vivem um pouco mais de 700 milhões de pessoas (já com alguns milhões de muçulmanos à mistura - os tais "Cavalos de Tróia", como lhes chama Esther Mucznik no Público de hoje (*) - e chama muito bem).

Não estive recentemente em nenhum país muçulmano, como o embaixador Taheri esteve na Polónia, mas pelo que tenho visto nos Media, fiz "as minhas contas" e cheguei à conclusão de que ainda faltam uns poucos de muçulmanos para que todos tenham atirado a sua pedra ao "Ocidente". Faltam aí uns 1.298.000.000, mais coisa menos coisa. São os "dois milhões" que já atiraram a pedra, e que continuam a atirá-la, que temos visto na TV e que (penso eu) todos condenamos.

Esses "dois milhões" são, para mim, a "árvore".
A "floresta" são os restantes um bilião e duzentos e noventa e oito milhões.

E que outras "árvores" esconde esta "floresta"?
Esconde a Indonésia, por exemplo, o país islâmico mais populoso do mundo - 240 milhões de pessoas (não se sabe?); esconde o Paquistão, único país com real capacidade militar nuclear no mundo islâmico - talvez por isso Jacques Chirac pretenda agora "ajudar" a Índia a "melhorar" o seu próprio arsenal nuclear (não se sabe?); esconde a Arábia dos Saud, wahabita, com uma polícia religiosa, em que, corria o ano de 2002, se incendiou uma escola onde algumas dezenas de raparigas se refugiaram por serem apanhadas de cabeça descoberta - estavam cerca de 800 crianças na escola; como resultado do incêndio, 15 raparigas morreram e 50 ficaram feridas; este regime odioso é grande amigo do "Ocidente" e vice-versa (não se sabe?); esconde esta "floresta" milhões e milhões de pessoas que nunca viram as famigeradas caricaturas dinamarquesas e só querem viver a sua vida como podem, geralmente com menos de dois dólares por dia, nada tendo contra o "Ocidente", apesar disso (não se sabe?); esconde os muçulmanos moderados ou mais pragmáticos - como os cerca de mil que foram presos no Irão enquanto o "Ocidente" está distraído a contar as caricaturas sobre o holocausto, as bandeiras dinamarquesas queimadas e os disparates que notórios dignatários e governantes islâmicos lhe atiram aos olhos, como se fossem areia do deserto (não se sabe?).

Esconde tanta coisa, esta "floresta", oculta pela "árvore" dos tais "dois milhões" de bacocos que se vão entretendo a chatear a Europa e a destruir a sua propriedade...

À custa da "árvore", portanto, teremos a nossa guerra civilizacional, em breve.
Uma guerra que se travará contra a barbárie islâmica, pela Luz do Ocidente.
Os apelos lancinantes de alguns para que se actue sem demora, antes que o Irão obtenha a Bomba, pensam que assim estarão a cortar a "árvore" pela raiz... Mas cuidado, burgueses estúpidos (perdoem-me o pleonasmo)!
Cuidado com a "floresta" que surgirá, abatida a "árvore"!

Rui Semblano

nota:
Esta entrada foi escrita à mesa de um café, como tantas outras d'A Sombra, e qual não foi o meu espanto quando vejo no jornal o título do artigo de opinião de Esther Mucznik. (*) "A árvore e a floresta".
Mudei, então, o que era para ser o "meu" título (grrr), até porque para Mucznik, a "árvore" são os cartoons dinamarqueses e a "floresta" a reacção dos islamitas a eles, "liderada pelo Irão" (sic). Realmente, no que toca a árvores, Mucznik não distingue um eucalipto de uma oliveira...

nota 2:
Um homem supostamente culto como vpv, acha que a Ibéria foi "invadida" pelos muçulmanos, na Idade Média, e que foi "convertida à força". Também deve acreditar na "Reconquista" da Península aos mouros e no Pai Natal... Resta o tabaco que nos une. Mas é muito mais o que nos separa.

nota 3:
O míssil da foto não é paquistanês, mas uma fotomontagem feita "à Sombra".
Os paquistaneses são maiores...

Of swords and pens...



Ao que parece, um Estado deve ser responsável pelos dislates dos seus embaixadores e vice-versa, mas um jornal não deve ser responsável pelos dislates dos seus colaboradores e vice-versa. Dois pesos e duas medidas.

Não nos devemos submeter a nada, excepto à nossa consciência. Devemos agir em conformidade com ela e, se for o caso, estar dispostos a reconhecer os nossos erros - e a pagar por eles.

Nada justifica a reacção violenta dos muçulmanos aos cartoons dinamarqueses; nada a desculpa.
Partir daqui para não se compreender porque reagem assim é idiota e cabotino.


Antes de embarcarmos para Ceuta, a fim de espalhar à espadeirada a democracia e a liberdade de expressão e os Legos, tal como os nossos tataravós (um dos meus andou pela Palestina, fora de brincadeiras, que com os Semblano não se brinca), gostaria de partilhar convosco um pensamento:

Estava eu, há uns anitos, em pleno Fantasporto quando se deu a tragédia de Entre-os-Rios. Como ando sempre com o caderno de desenho e farto-me de fazer caricaturas no dito e no fantaspainel (verdadeiro wallpaper ou muro das lamentações onde escreve e desenha quem quer), puxei da caneta e zás: sai um cartoon sobre a queda da ponte com o autocarro em cima. Era humor e era negro. Afinal, era o Fantasporto, o cinema de terror e essas coisas todas; o ambiente proporcionava algo assim.
À mesa, entre gente que eu sei quem é e como pensa, rimos do boneco e passámos à frente. Deixei-o estar no caderno, onde ainda está. Não o transpus para o painel, onde seria visto por todos no Rivoli. Não o enviei para um jornal, mesmo insignificante, onde não sei quantas pessoas o veriam. Que ganharia eu em insultar as famílias dos que morreram no desastre com essa exposição? Mesmo hoje, anos passados, não o faria.

Ninguém me obrigou a nada.
Não me submeti a nada.
Excepto à minha consciência e ao meu sentido de decência.

Liberdade de expressão é liberdade de escolha. É liberdade.
Os burgueses que agora pregam desmioladamente pelo que entendem por "liberdade", não gostariam por certo que eu me fosse instalar nas suas casas ou lhes queimasse os carros. Era vê-los a abrir as goelas, a vociferar contra essa "liberdade" e a gritar ó da guarda.
Ponham-se a dizer que não há limites e depois arranjem comparações à medida para se desculparem, mas não se enganem quando se olharem ao espelho.

Há mesmo animais que são mais iguais que outros. Ou é o que parece.

Rui Semblano


ver: Mightier than the sword...

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quinta-feira, fevereiro 16, 2006

Mais disparates... e outro burguês.

No Bloguitica, Paulo Gorjão publicou também uma entrada disparatada, perdão, sobre disparates.
Não há a mínima dúvida; mais burguês é impossível.

E, se calhar, era mesmo necessária a licença de porte e uso de caneta (e de teclado).
Haja paciência...

Aqui mesmo.



José Carlos Ary dos Santos - Nome (2)

A propósito das duas entradas anteriores...

Mightier than the sword...













Eis que, muito pior que qualquer caricatura sobre o holocausto, o embaixador iraniano em Lisboa põe em causa a dimensão deste fenómeno; notem bem: não a sua existência, mas a sua dimensão. E o que acontece?
O mundo "civilizado" indigna-se! Exigem-se explicações; apela-se ao uso da força contra um regime que é, obviamente, anti-israelita. Só não se queimaram ainda bandeiras iranianas, por ser algo mais próprio aos bárbaros que a "nós".

Mas... Um momento!
Por mais obscena que fosse a ideia transmitida pelo alto dignatário iraniano, ela não é mais nem menos que... a sua opinião. O que o senhor disse foi que, quando visitou Auschwitz e Birkenau, fez as suas contas e achou que teria demorado cerca de 15 anos a incinerar 6 milhões de pessoas.
Um disparate?
O que fez um jornal dinamarquês foi publicar uma série de caricaturas insinuando que existem mais de mil milhões de pessoas no mundo que seguem uma fé que exalta a violência e o terror.
Um disparate?

Com toda a certeza, são dois enormes disparates.
O que é curioso é como o disparate do jornal dinamarquês merece apoio incondicional dos que prezam a "nossa" liberdade de expressão ao mesmo tempo que, os mesmíssimos apoiantes dessa liberdade, repudiam veementemente o disparate do embaixador iraniano.
Afinal, em que ficamos?

Se é verdade que a pena é mais forte que a espada, também é verdade que não existe licença de porte e uso de caneta. A liberdade de expressão não é subjectiva, mas não é de borracha; não é tendenciosa, mas muito menos libertina. E cada qual pode dizer ou escrever o que bem entende, mas é responsável pelo que diz - ou então que o internem urgentemente.

Rui Semblano


ver: Of swords and pens...

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terça-feira, fevereiro 14, 2006

My funny Valentine...









J. J. Johnson

Ils sont fous, ces romains!



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A propósito do editorial de
José Manuel Fernandes
no Público de ontem, 13/02/06


(já agora)











"Estes romanos são loucos!"
(Obélix)

No editorial de ontem (13 de Fevereiro), José Manuel Fernandes (JMF) fica a um passo de marchar, marchar contra os canhões islâmicos. Tendo em conta que não tem idade para tal, suponho que se referia aos jovens de ambos os sexos que, ainda hoje, vi treinarem técnicas de progressão em terreno hostil, no campo de treinos do Regimento de Artilharia da Serra do Pilar, perto de minha casa.

A lógica de JMF, como aliás a de Vasco Pulido Valente (VPV), é a de que "nós" não começamos coisa nenhuma, foram "eles"; que mesmo dando de barato que o Ocidente cometeu erros no passado, o que importa são os erros que o Islão comete no presente; que nos foi declarada guerra sob um falso pretexto (o dos cartoons dinamarqueses), que sempre existiria, fosse qual fosse, pois o objectivo último do Islão é subjugar o mundo, a começar pelo "ocidental".
A contrapor ao medo dos que se "ajoelham" perante a barbárie islamita, como Freitas do Amaral, JMF ilustra um outro: o medo de ser "ajoelhado" por ela, se não estiver o Ocidente pronto a defender o "Império" (a comparação com Roma permite-me o uso desta expressão, JMF, e nem sou cego seguidor de Hardt e Neri).

Pois ambos os medos são de condenar. Em minha opinião, a única forma de responder à barbaridade ilustrada pelos ataques dos islamitas às embaixadas ocidentais e pelas suas ameaças descabidas, mas sérias, é suster a carga.
Defender as nossas convicções com firmeza, mas admitir os nossos erros e, sobretudo, a nossa própria barbaridade, tão ou mais brutal que a islâmica. Se isso custa? Claro que custa! A não ser assim, não seria necessária coragem alguma. E é essa coragem que é preciso ter: a de não cedermos ao medo que nos faz recuar de rabo entre as pernas nem ao medo que nos faz avançar em direcção ao abismo, mas aguentar.
A pé firme.

Rui Semblano

Back to Africa...


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Parece que este foi o início de uma semana africana que vai dar que escrever n'A Sombra... Quase de seguida, um filme e um documentário sobre o Continente Negro nos dias de hoje e como a Europa se relaciona com ele...

Não por acaso, a ficção parece realidade (e é mesmo) e a realidade parece ficção (mas não é).

A espreitar no Cinema para Indígenas (actualizado):
- The Constant Gardener
- Darwin's Nightmare

Se ainda não viram, têm de ver.
Mas admito que a escolha de alguns seja a de permanecerem burgueses... É justo.

segunda-feira, fevereiro 13, 2006

O futuro radioso...

Já não estava à espera, mas foi seleccionada a carta que enviei ao Público com o texto integral da entrada "The Spit", que intitulei, para o jornal, como "O futuro radioso".

Foi publicada hoje, o que é sempre motivo de satisfação - até porque no editorial deste dia, mesmo ao lado da minha carta, José Manuel Fernandes fica a escassos milimetros de tocar a reunir para marchar sobre os "infiéis" - com ele na retaguarda, claro.

nota posterior:

na íntegra, o editorial de JMF:

"Medo e guerra"

"A "guerra" dos cartoons não foi desencadeada por um obscuro jornal dinamarquês, foi orquestrada por todos os que, no mundo islâmico recusam uns a modernidade, outros a democracia, a maioria ambas.
"Se queres a paz, prepara a guerra", diziam os romanos no tempo do Império, como hoje recorda Luís Salgado Matos. Tinham razão: quando as estruturas do Império deixaram de assegurar o pagamento das Legiões que protegiam as suas fronteiras, sobretudo nos limites do Reno e do Danúbio, os "bárbaros" chegaram depressa Roma e mataram a sua civilização. Seria necessário quase um milénio para que a cultura, a ciência, o saber-fazer dos romanos fossem recuperados e inspirassem o Renascimento europeu.


"O pior perigo está em ceder a liberdade intelectual e política, que é a nossa essência, para conciliar o inconciliável", escrevia ontem no PÚBLICO Vasco Pulido Valente a propósito do "medo" que supostamente assaltaria alguns. Tem razão: o que se passou nas últimas semanas a propósito dos cartoons sobre Maomé mostra que há imensa gente disponível para ceder, que há grandiloquentes proclamações que se desmoronam perante o primeiro abalo e que esse perigo, que vem de dentro, é muito maior do que estarmos no sitio errado à hora errada de um atentado. Esse é o medo que nos desarma e nos impede de, para garantirmos a paz de que gozamos, estarmos sempre preparados para a guerra.

Ora por mais voltas que demos ao assunto é difícil fugir ao essencial: a "guerra" dos cartoons não foi desencadeada por um obscuro jornal dinamarquês, foi orquestrada por todos os que, no mundo islâmico, mesmo sem serem islamistas, recusam uns a modernidade, outros a democracia, a maioria ambas. A "guerra" foi desencadeada contra nós, os cartoons foram apenas pretexto: se não tivessem sido publicados os que em Dezembro de reuniram em Meca para orquestrar a actual campanha teriam encontrado outro pretexto para reagir ao que os incomoda. E o que os incomoda é ver que, por fim, se fala a uma só voz contra a ameaça nuclear iraniana, que a até a França e os Estados Unidos são capazes de se unir para pressionar a Síria, que às palavras prometendo apoio aos movimentos que lutam por democracias seculares nesses países se têm seguido actos concretos. De duas coisas podemos estar certos: primeiro, que haverá sempre cegos voluntários no nosso campo, e que utilizarão as mais melíferas palavras; depois, que mostrar fraqueza e "compreensão" numa altura em que os recusam o nosso modelo democrático estão na ofensiva não os acalma, antes os estimula.

Que temos muitos "cegos voluntários" não restam dúvidas. Ainda ontem, por exemplo, o ministro dos Negócios Estrangeiros (outra vez, mais uma vez) ultrapassou os limites ao considerar que tudo estava a acontecer porque o Ocidente tem sido o "maior agressor" do mundo islâmico (isto depois das lições de religião e do apoio à negociação com o Hamas sem condições). Ao seu lado os dirigentes do Bloco de Esquerda que têm vindo a defender o direito de o Irão possuir armamento nuclear até fazem figura de moderados...

Quanto a não se poder mostrar contemporização basta reparar como a diplomacia está perante um beco sem aparente saída no Irão e como não funcionou face à ameaça, hoje bem real, da Coreia do Norte. Dois estados bem distintos das velhas potências nucleares, URSS incluída, pois é-lhes indiferente serem destruídos. Dois Estados a que a doutrina da contenção ou da destruição recíproca não se aplica. Por isso, por brutal que tal pareça, não basta neste momento dizer que se consideram soluções militares: é preciso começar a prepará-las.
Para não seguirmos a mesma sorte dos romanos."

José Manuel Fernandes
Público, 13 de Fevereiro de 2006

Walk the walk

And talk the talk.

Afinal, é segunda-feira...



Arnaldo Antunes - Paradeiro - Paradeiro

domingo, fevereiro 12, 2006

Anima Mundi


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Entrada final da série
One World

Ver entrada inicial aqui.

Entrada completa. Índice da série no final.



Esta interminável série sobre os barbarismos de que todas as civilizações são capazes termina aqui. Inevitavelmente, todos eles transitaram de século. Poderia editar uma entrada relativa a cada um dos traços característicos da bestialidade humana que não me chegaria o tempo que tenho para o fazer, ainda que me restassem 100 anos de vida. Estes bastam.

Não pretendi com esta série demonstrar como é errado afirmar a superioridade da chamada "civilização ocidental" sobre as "outras", mas lembrar que nós, "ocidentais" do nosso torpe ponto de vista, somos tão ou mais bárbaros que aqueles a quem hoje apontamos o dedo, fazendo por esquecer os 3 que, simultaneamente, apontam para nós.
Aliás, a nossa barbaridade é pior, porque perversa, escondida ou camuflada por uma capa de civilidade que, quase sempre, não é mais que uma fina camada de verniz.

O confronto de civilizações entre um "Ocidente laico" e um "Oriente islâmico" é falacioso; uma sociedade laica jamais permitiria um confronto desse tipo. Mas o "Ocidente" não é laico, excepto na forma. Permanece refém de uma moral cristã distorcida, tão ou mais deformada que a islâmica, inculcada no subconsciente até dos mais agnósticos. Em nenhum lugar da Bíblia se escrevem as palavras que muitos nos atiram como se saídas da boca de Cristo - ou de Deus, ele mesmo - e o Corão não determina o conteúdo das fatwas mais extremistas ou contém a Sharia em si mesmo, embora sejam os decretos religiosos que mais inflamam os crentes de uma e de outra fé.

Numa sociedade verdadeiramente laica e justa, o ser-humano é respeitado acima de qualquer condição, mesmo que odiosa. Como o respeito é uma rua de dois sentidos, isto significa que existem consequências para o desrespeito. Fazer caricaturas de Maomé para ilustrar um livro em que se afirma que o Corão deveria ser coberto de sangue menstrual deve ter consequências, se da parte lesada surgir o desejo de processar o autor. Do mesmo modo, perante a lei, os que não recorrem a ela para fazerem valer os seus direitos e a tomam nas mãos, queimando ou matando como protesto pela publicação dos tais desenhos, devem ser punidos, caso os lesados entendam processar os criminosos. Para que a lei se cumpra, é necessário que o lesado a invoque, mesmo que seja o Estado a fazê-lo em seu nome.

Mas estas são razões materiais. Aos que detêm o poder espiritual na Terra (uma expressão espantosa!) não interessa que as pessoas compreendam de uma vez por todas que a fé não se incute, que não se imiscui nos assuntos terrenos e que é íntima e, logo, individual, respeitante a cada indivíduo e ao Deus em que acredita.
A verdade, porém, é outra. Descontado o judaísmo, pois é o sionismo o problema e este não é religioso, embora seja bastante ortodoxo, as religiões mais polarizadoras são o cristianismo e o islamismo (ambas nas suas variadas vertentes). As duas têm uma lógica evangelista (passe a expressão) e de conversão dos infiéis. Ambas se afirmam únicas e detentoras da verdade (o cristianismo veladamente, para o exterior, mas activamente, no seu seio) e procuram a supremacia "civilizacional". Para os cristãos, como para os muçulmanos, o mundo ideal teria uma só fé e um só Deus. Seria "alaico" e o laicismo seria erradicado.
Os que julgam professar a fé de uma destas duas religiões e, ao mesmo tempo, exultam o ecumenismo, estão iludidos. Para um verdadeiro crente existe um só Deus. Ponto final.

Mas estas questões religiosas são um pormenor.
O que conta é a natureza humana, sobre a qual são desenhadas as religiões, de forma mais ou menos sensata, e a natureza humana não necessita de Deus para ser bestial, impiedosa e egoísta. A contrariar esta faceta, apenas um sentimento tão inato quanto a bestialidade: o amor-próprio. Um amor puro no que somos e na alegria de partilhar este mundo único com os outros, pois o ser-humano não existe sozinho. Se deixarmos de fora tudo o que transforma esse amor-próprio em egoísmo estúpido e orgulho exacerbado (como a religião, a política perversa ou o dinheiro - coisas de pouca monta), o ser-humano está condenado a entender-se. Infelizmente, esta afirmação é uma utopia, própria para românticos incuráveis ou perfeitos idiotas.

A natureza humana é a da besta e a Humanidade não pode ser desumana; é um contra-senso. A Humanidade é ela própria: bestial, egoísta, momentânea, materialista. O resto, são os poucos inumanos que tentam resolver um problema insolúvel; que tentam vencer um jogo que sabem viciado.
Talvez acreditem, como eu, que mesmo não podendo vencer, o importante é terem tentado; que isso terá algum efeito no insondável desígnio do criador do Universo, se é que existe esse desígnio... ou esse criador. Eu acredito que sim.

Eu, instalado sem saber como nem porquê num local onde não tenho de esgravatar o lixo para encontrar algo que comer e de onde vejo as imagens que me chegam por cabo dos que esgravatam o lixo para encontrar comida, espero que não chegue o dia em que seja a minha vez de assumir a minha inumanidade; de apanhar a bala que não era para mim; de enterrar um filho; de voltar a cara, simplesmente...
Espero que esse dia não chegue, para continuar a acreditar que, afinal, não sou humano.

Rui Semblano
Fevereiro de 2006


A ouvir em sequência:


Gymnopédie no. 1


Gymnopédie no. 2


Gymnopédie no. 3

Erik Satie - Trois Gynmopédies (1888) - Anders Miolin (guitarra alto)


Todas as entradas de One World:

1. Pena de Morte.
2. Violência contra as mulheres.
3. Testes em animais.
4. Minas terrestres.
5. Pobreza.
6. Anima Mundi.

One World - 5


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Pobreza

O Terceiro Mundo não é um mito.
Mito é o Primeiro Mundo.

Nas sociedades consideradas desenvolvidas, o fosso entre os mais ricos e os mais pobres foi substituido pelo que existe entre os ricos e os pobres, cada vez menos os primeiros e mais os segundos.



Não esquecer:

Metade do mundo, cerca de três biliões de pessoas, vive com menos de dois dólares por dia.
O PIB (Produto Interno Bruto) das 48 nações mais pobres (um quarto dos países existentes) não chega para igualar a riqueza combinada das três pessoas mais ricas do mundo.
Quase um bilião de pessoas entraram no século XXI sem saber ler um livro ou assinar os seus nomes.
Menos de um por cento do que o mundo gasta em armamento chegaria para ter colocado todas as crianças na escola até ao ano 2000, mas tal ainda não sucede.
Quanto mais pequeno o país, mais provável que o pagamento da sua dívida externa seja extraído directamente dos ganhos de pessoas que não contraíram os empréstimos a pagar e que não viram um cêntimo do dinheiro assim concedido.
20% da população das nações desenvolvidas consome 86% de todos os bens produzidos no mundo.
Os países subdesenvolvidos gastam 13 milhões de dólares no pagamento de cada milhão recebido por empréstimo.
Segundo a UNICEF, 30.000 crianças morrem cada dia devido à pobreza.
"Morrem discretamente, em algumas das mais miseráveis aldeias da Terra, longe dos olhos e da consciência do mundo. Dóceis e frágeis em vida tornam-se ainda mais invisíveis na morte."
(Robert E. Black, Saul S. Morris, Jennifer Bryce, The Lancet, Volume 361, Number 9376, 28 June 2003)
Isto significa a morte de 210.000 crianças cada semana, qualquer coisa como 11 milhões de crianças com menos de cinco anos cada ano.

(Global Issues That Affect Everyone)

Todas as entradas de One World:

1. Pena de Morte.
2. Violência contra as mulheres.
3. Testes em animais.
4. Minas terrestres.
5. Pobreza.
6. Anima Mundi.

One World - 4


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Minas terrestres

40 países, com um arsenal combinado de 160 milhões de minas antipessoal, permanecem fora do tratado de proibição de minas. Incluem três dos cinco membros do Conselho de Segurança da ONU (China, Rússia e EUA), a maior parte do Médio-Oriente e das antigas repúblicas soviéticas, e muitos Estados asiáticos.



O uso de minas antipessoal foi banido pela maior parte da comunidade internacional, mas a produção continua a bom ritmo e um dos principais interessados na sua proliferação, os EUA, não dá sinais de avançar neste domínio, depois da directiva de Bill Clinton, ainda activa, de reduzir ao máximo o uso de minas antipessoal pelo exército norte-americano.

A justiça e razão da causa da proibição das minas antipessoal é minada pelo interesse em eternizar o problema por parte de sectores dos dois lados da barricada; os industriais e traficantes, de um lado, e a parafernália de activistas antiminas, por outro. Não deixa de ser estranho, por exemplo, que durante a conferência de Oslo sobre o problema das minas antipessoal, em 1997, no seguimento do Processo de Ottawa, as principais agências de desminagem não estivessem presentes, mas não faltassem outras do tipo "Questões femininas sobre desminagem" ou "Usando a Campanha Internacional como modelo para outras questões e possibilidades futuras para uma rede global de acção e cooperação da sociedade civil". Parece que existem tantos trabalhos a manter do lado dos activistas como do lado dos produtores.
Ou mais.

Com tudo isto, o problema permanece. Real e brutal.
Do total de vítimas destes engenhos, 80% são não combatentes e um terço são crianças.

Dos 20 principais doadores de fundos para acção directa em desminagem ou auxílio às vítimas, metade diminuiu o seu contributo em 2004: Austrália, Canadá, Bélgica, Finlândia, França, Alemanha, Grécia, Itália, Suécia e Reino Unido.

nota:
Estima-se que mais de 200.000 quilómetros quadrados em todo o mundo estejam contaminados por minas e engenhos explosivos não detectados, provocando entre 15.000 a 20.000 vítimas mortais ou amputados por ano. O número de sobreviventes a explosões de minas antipessoal que necessitam de assistência continua a aumentar.
(Landmine Monitor)

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1. Pena de Morte.
2. Violência contra as mulheres.
3. Testes em animais.
4. Minas terrestres.
5. Pobreza.
6. Anima Mundi.