segunda-feira, fevereiro 13, 2006

O futuro radioso...

Já não estava à espera, mas foi seleccionada a carta que enviei ao Público com o texto integral da entrada "The Spit", que intitulei, para o jornal, como "O futuro radioso".

Foi publicada hoje, o que é sempre motivo de satisfação - até porque no editorial deste dia, mesmo ao lado da minha carta, José Manuel Fernandes fica a escassos milimetros de tocar a reunir para marchar sobre os "infiéis" - com ele na retaguarda, claro.

nota posterior:

na íntegra, o editorial de JMF:

"Medo e guerra"

"A "guerra" dos cartoons não foi desencadeada por um obscuro jornal dinamarquês, foi orquestrada por todos os que, no mundo islâmico recusam uns a modernidade, outros a democracia, a maioria ambas.
"Se queres a paz, prepara a guerra", diziam os romanos no tempo do Império, como hoje recorda Luís Salgado Matos. Tinham razão: quando as estruturas do Império deixaram de assegurar o pagamento das Legiões que protegiam as suas fronteiras, sobretudo nos limites do Reno e do Danúbio, os "bárbaros" chegaram depressa Roma e mataram a sua civilização. Seria necessário quase um milénio para que a cultura, a ciência, o saber-fazer dos romanos fossem recuperados e inspirassem o Renascimento europeu.


"O pior perigo está em ceder a liberdade intelectual e política, que é a nossa essência, para conciliar o inconciliável", escrevia ontem no PÚBLICO Vasco Pulido Valente a propósito do "medo" que supostamente assaltaria alguns. Tem razão: o que se passou nas últimas semanas a propósito dos cartoons sobre Maomé mostra que há imensa gente disponível para ceder, que há grandiloquentes proclamações que se desmoronam perante o primeiro abalo e que esse perigo, que vem de dentro, é muito maior do que estarmos no sitio errado à hora errada de um atentado. Esse é o medo que nos desarma e nos impede de, para garantirmos a paz de que gozamos, estarmos sempre preparados para a guerra.

Ora por mais voltas que demos ao assunto é difícil fugir ao essencial: a "guerra" dos cartoons não foi desencadeada por um obscuro jornal dinamarquês, foi orquestrada por todos os que, no mundo islâmico, mesmo sem serem islamistas, recusam uns a modernidade, outros a democracia, a maioria ambas. A "guerra" foi desencadeada contra nós, os cartoons foram apenas pretexto: se não tivessem sido publicados os que em Dezembro de reuniram em Meca para orquestrar a actual campanha teriam encontrado outro pretexto para reagir ao que os incomoda. E o que os incomoda é ver que, por fim, se fala a uma só voz contra a ameaça nuclear iraniana, que a até a França e os Estados Unidos são capazes de se unir para pressionar a Síria, que às palavras prometendo apoio aos movimentos que lutam por democracias seculares nesses países se têm seguido actos concretos. De duas coisas podemos estar certos: primeiro, que haverá sempre cegos voluntários no nosso campo, e que utilizarão as mais melíferas palavras; depois, que mostrar fraqueza e "compreensão" numa altura em que os recusam o nosso modelo democrático estão na ofensiva não os acalma, antes os estimula.

Que temos muitos "cegos voluntários" não restam dúvidas. Ainda ontem, por exemplo, o ministro dos Negócios Estrangeiros (outra vez, mais uma vez) ultrapassou os limites ao considerar que tudo estava a acontecer porque o Ocidente tem sido o "maior agressor" do mundo islâmico (isto depois das lições de religião e do apoio à negociação com o Hamas sem condições). Ao seu lado os dirigentes do Bloco de Esquerda que têm vindo a defender o direito de o Irão possuir armamento nuclear até fazem figura de moderados...

Quanto a não se poder mostrar contemporização basta reparar como a diplomacia está perante um beco sem aparente saída no Irão e como não funcionou face à ameaça, hoje bem real, da Coreia do Norte. Dois estados bem distintos das velhas potências nucleares, URSS incluída, pois é-lhes indiferente serem destruídos. Dois Estados a que a doutrina da contenção ou da destruição recíproca não se aplica. Por isso, por brutal que tal pareça, não basta neste momento dizer que se consideram soluções militares: é preciso começar a prepará-las.
Para não seguirmos a mesma sorte dos romanos."

José Manuel Fernandes
Público, 13 de Fevereiro de 2006

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