sábado, julho 19, 2003

Mestre de Aviz


Os blogs lidos à Sombra (ver Blog Links, à direita deste texto) não contavam com o Aviz. Nenhuma razão especial, excepto a imensidão da blogosfera e não querer direccionar visitantes d'A Sombra para lugares onde ela não tivesse estado (e gostado).
Avessos a rótulos e dogmas, as sugestões são dadas com base na qualidade e/ou no interesse dos blogs, não por afinidades políticas (que não se compadecem de "direitas" ou "canhotas") e muito menos por amizade ou reciprocidade.

A partir de hoje, fruto de uma sugestão da Flor de Obsessão, o Aviz encontra-se direccionado em permanência n'A Sombra, em Blog Links. A sugestão "obsessiva" foi para o excelente "Um texto longo, sim.", do Francisco. Decididamente a ler e reler. Chapeau.

Crisis? What crisis?


Quem diria que Tony Blair e G. W. Bush terminariam a fazer discursos um para o outro, em jeito de reconforto mútuo, assegurando que fizeram o melhor que se podia ter feito no Iraque. Será porque já ninguém acredita nisso excepto eles próprios? Não saberão eles que há mais gente que ainda acredita nisso? Como o José Manuel Fernandes, por exemplo, que até se deu ao trabalho de editar uma colecção de textos seus publicados no Público ("Ninguém é neutro", Quetzal, inspirado por Zita Seabra); ou o Durão Barroso, que continua firme na sua convicção de ter visto as provas da existência de armas de destruição em massa.

Quem diria que Tony Blair e G. W. Bush terminariam a pedir, por favor, à ONU para assumir um papel cimeiro no Iraque, nomeadamente (e principalmente!) despachando capacetes azuis aos magotes para o que começa a ser o "passador de carne" iraquiano. Será porque a guerra ainda não acabou? Será porque o número de baixas desde que G. W. Bush disse que "a guerra acabou" já vai quase em metade das ocorridas quando "ainda não tinha acabado"? Será porque Washington e Londres não sabem que vão a caminho 120 GNR's para resolver a situação?
E, a propósito, será que Paulo Portas também disponibilizou caixões do exército em número suficiente para apoiar o destacamento da GNR ou vão repatriar os corpos em sacos de plástico "made in USA"?

Como diria o Pipi, vamos reflectir sobre estas questões, por alguns momentos...

Curiosidade, lida na Flor de Obsessão:

--- início de transcrição ---

Soube que os Sex Pistols vão tocar a Bagdad para mostrar aos iraquianos que a democracia tem falhas e não é um regime perfeito. Nunca gostei dos Sex Pistols. Sempre achei que a mera existência dos Sex Pistols era a prova mais eloquente de que a democracia tem falhas e não é um regime perfeito.

--- fim de transcrição ---

Um raio de luar...


Lido em Little Black Spot:

--- início de transcrição ---

Sábado, Julho 19, 2003

hoje aconteceu uma daquelas coisas engraçadas na blogosfera (engraçada pelo menos para mim que sou novata). constata-se pela enésima vez (apesar da quatidade de ocasiões em que já o repetimos para nós próprios como se o percebessemos pela primeira vez) que o mundo afinal é mesmo pequeno: descobri a sombra, e nela descobri gente conhecida do 'mundo exterior'. inesperadamente. em todo o caso, o que merece aqui nota é a simpatia do e-mail recebido, que me faz pensar que afinal se calhar devagarinho se vai mesmo ao longe. agradeço o lugar de destaque nos links - estou entre a flor de obsessão e o gato fedorento, hã? B) - e o epíteto atribuído - gosto muito. :)

posted by claire lunar | 01:53

--- fim de transcrição ---


Como diria Galileu, adaptando à Blogosfera, "E pur si muove!".
Ficamos agradavelmente surpreendidos pela presença de Claire Lunar (aka insensatez), e aqui registamos o facto, agradecendo a honra. Que permaneça.

Pel'A Sombra (lunar?),
Rui Semblano

Nota:
Little Black Spot encontra-se direccionado em permanência
n'A Sombra, em Blog Links.

Filhos bastardos


Estava mesmo a ver que o acordo entre Portugal e o Brasil para o sistema especial de legalização de cidadãos brasileiros no nosso País ia dar problemas. (ver Público, 18Jul2003, p. 27, "Acordo com Brasil põe imigrantes em guerra com o Governo")
Todos sabemos a quantidade de imigrantes ilegais oriundos dos PALOP existentes em Portugal, cujas legiões têm vindo a ser reforçadas pelos vindos dos países do Leste europeu. Também são bem conhecidas as circunstâncias que levam a que imigrantes ilegais de "segunda geração", filhos já nascidos em Portugal de imigrantes ainda em situação ilegal, não consigam legalizar-se, quanto mais naturalizar-se, o que seria legítimo dado terem nascido neste País.

Que Portugal afine a sua política de imigração pela CE, limitando o número de entradas no País, parece sensato, pois abrir as fronteiras de par em par não é mais que um convite à exploração dos que contam ser recebidos condignamente. Que o sejam é fundamental, de onde limitar o seu número de acordo com as condições existentes para os receber parece-me normal e humano. Veja-se a política de imigração do Canadá, por exemplo. Que agora se dê tratamento especial a um grupo específico de imigrantes, no caso os brasileiros, mas essa não é a questão, parece-me injusto e infeliz. Mais. Parece um resquício dos tempos em que os brasileiros eram os "nossos irmãos" e os povos das colónias eram outra coisa... Veremos se o Governo se apressa a desfazer este "equívoco", abrindo a todos os imigrantes ilegais, já a residir em Portugal, as mesmas portas que abriu aos brasileiros.

PS: Obviamente, não foi equívoco nenhum, mas não custa nada ser simpático.

sexta-feira, julho 18, 2003

Apropriado

Enviado por JPP (Abrupto)
jppereir@mail.telepac.pt
resposta a "Abruptamente abru(p)talhado" (entrada abaixo)

--- início de transcrição ---

Os comentários referidos são falsos, e não são de minha autoria.
JPP

--- fim de transcrição ---


Caro José Pacheco Pereira,

O facto de ter mencionado no Abrupto, de forma deselegante, a situação do PTbLOGGERS, jogou contra si, mas parece-me perfeitamente possível que algum engraçado se tenha apropriado do nome do seu blog para enviar a graçola nos comentários do Devblog.
O seu reparo será registado n'A Sombra com igual destaque ao dado à divulgação do dito comentário. E, uma vez que este mail vai com conhecimento para o Devblog, sugiro ao Carlos a remoção do falso comentário.
Na blogosfera, como em toda a Web, a apropriação de nicks ou endereços é um problema, razão que levou A Sombra a abolir os comentários em favor do contacto por e-mail. Uma clarificação do seu post sobre este assunto não seria pior, dada a ambiguidade do seu título acoplada ao conteúdo do falso comentário no Devblog. Fica a sugestão.

Como opção editorial, a nossa entrada "Abruptamente abru(p)talhado" não será retirada ou reeditada, excepto para retirar o link do Abrupto na assinatura do falso comentário, que, realmente, não se encontrava no original, e chamando a atenção para a que retoma o tema, esclarecendo a sua posição e divulgando esta resposta.

A Blogosfera faz-se assim. Um abraço,

Pel'A Sombra,
Rui Semblano

nota:
(enviado por e-mail para jppereir@mail.telepac.pt e para dev@omeudiario.net)

PS: escreve JPP em Abrupto:

--- início de transcrição ---

Como os blogues não têm editor, a vida aparece sem ser editada.
Engano, puro engano. Funciona aqui um gigantesco editor, o monstro que está dentro.

--- fim de transcrição ---


Pois aqui sempre houve um editor, JPP.
A sua resposta não aparece por acaso, mas por opção. Como habitualmente.
RS

Countdown


Por motivos alheios à Sombra, o contador da GoStats disparou, passando a contar os hits do administrador, o que está mal! Enquanto os webmasters da GoStats melhoram o inibidor de hits próprios vou tentar corrigir manualmente a contagem de visitantes. Fica a explicação, para os mais "vocacionados" para a Internet, como diria o neca que assina "Abrupto" em lugar de JPP* (seja lá o que isso for), de flutuações esporádicas do nosso contador.

*as desculpas d'A Sombra a JPP pela correcção tardia desta entrada, não se inferindo daqui que mais vale tarde que nunca, sendo JPP, ele mesmo, uma excepção a este aforismo.

Abruptamente abru(p)talhado


NOTA: ver acima resposta de JPP e nova entrada de RS em "Apropriado"

Os bloggers já devem ter percebido que o PTbLOGGERS abandonou o sistema de votação dos blogs e comentários aos mesmos. No site Devblog, Carlos F., o administrador do apontador PTbLOGGERS, explica as razões que o levaram a retirar essas ferramentas. (ver Devblog: Votações e comentários [ ptbloggers ] — dev @ 16:51 )

Entre essas, a incapacidade de filtrar o sistema de votação, que quase nada correspondia à realidade, e a falta de civismo de alguns internautas, nos comentários que teciam sobre alguns blogs.
Os motivos do Carlos poderão ser discutíveis, mas são OS SEUS motivos. É ele que faz do PTbLOGGERS o mais fiável apontador de blogs do momento, sempre actual e bem ordenado. Não terá a sofisticação do Blogo, mas, para um projecto de um homem só, está excelente.

Nos comentários ao post em que Carlos F. explica as suas razões, as opiniões dividem-se, achando uns bem, outros mal. Nada de extraordinário. Mas... "Eis senão quando..." reparo que JPP ficou bastante aborrecido com a atitude do PTbLOGGERS. Se não vejam:

--- início de transcrição ---

"...todos se começassem a portar como adultos"?
Para além de paternalista sabemos agora que ficamos sujeitos à sua censura sempre que você achar que nos portámos mal. A sua ideia semi-pidesca que obrigando as pessoas a registar-se elas perdem a coragem de dizer mal vai revelar-se-lhe uma amarga surpresa.
Parece-me que você chegou à Internet por acidente e não por vocação.


Comentário por Abrupto 17/7/2003 @ 20:16

--- fim de transcrição ---

Claro que, no Abrupto, a descasca é mais "politicamente correcta", mas tão ou mais insidiosa, por isso mesmo.
(ver TÃO, INFELIZMENTE, PORTUGUÊS)
nota: JPP nem reparou que o Devblog é uma coisa e o PTbLOGGERS é outra! Deve ser de tanta vocação para a Internet...

Vindo de um ex-maoísta (que, recorde-se, como se escreveu pela blogosfera - não me recordo onde... - , é incapaz de ironizar!), este comentário é espantoso! Então não é que JPP entende que o Carlos tem de agir como se fosse um funcionário público? Que a Internet é um instrumento que pertence a todos é pacífico, mas extrapolar daí que o site de cada um é "a casa da tia", ainda por cima vindo tal extrapolação de um senhor que passou do "xau-xau" para o "de marisco", é obra!
Então e a propriedade privada, ó JPP? Já não vale? Ou Va. Exa. regride quando navega na Net?

A última vez que visitei o Abrupto, onde vou cada vez menos, pois JPP carrega tantas imagens que os tempos de espera começam a ser inaceitáveis - pelo menos para a "plebe" que se arrasta a 56k - ainda não havia comentários, isto é, lá em casa quem manda é o Pacheco.
Aqui, n'A Sombra, somos editoriais. Tal como JPP, filtramos os e-mails e não há comentários em directo para ninguém, mas, ao menos, não apelidamos o Carlos de "pidesco", até porque o Devblog tem comentários activos e não os filtra, ou eu não teria achado esta pérola do Abrupto intelectual.
A meu ver, quem caiu na Internet de pára-quedas não foi o Carlos. E quem leu a página de JPP no Público de ontem achará, com certeza, o mesmo que eu. Aquilo é que é "vocação para a Internet"! Olha, a mesma que tem para a política, onde, aliás, não caiu de pára-quedas - nem nada que se pareça! Santa paciência...

Um grande abraço desde A Sombra para o PTbLOGGERS.
Keep it up and running.

Pel'A Sombra,
Rui Semblano

nota:
(enviado por e-mail para jppereir@mail.telepac.pt e para dev@omeudiario.net)

Novo Blogger


Manuel da Cerveira Pinto (MCP), editor do Panorama, conta-se entre os bloggers permanentes d'A Sombra.
Como todos os restantes, intervirá quando entender, não existindo entre nós a preocupação de colocar entradas diariamente.
Pessoalmente, como administrador do Site, procuro manter o Blog actualizado dia a dia, mas não penso fazer disso uma obrigação.

Fica o registo e as boas vindas ao nosso mais recente blogger.

quinta-feira, julho 17, 2003

Proactivamente Reaccionário


No País Relativo, os blogs recomendados surgem divididos em tipos, método, aliás, utilizado pel'A Sombra. Só que, diferentemente, os grupos são identificados por tendências políticas ("a direita", "a esquerda" e "para além da direita e da esquerda"), o que me colocou uma questão: se tivesse optado por esta estrutura, n'A Sombra, onde nos situaria? Em "para além da esquerda e da direita"?
Inevitavelmente, a codificação usual das tendências aplicou-se à blogosfera e a partir de dentro, a julgar pelos arquivos dos blogs mais antigos, prova inequívoca de metabloguismo. A presença de bloggers como JPP (Abrupto) ou de blogs inequivocamente alinhados como o Blog de Esquerda, contribuiu para a estratificação verificada, mas ainda que não fosse assim, isso seria inevitável, infelizmente.

Muito se disse (e continua a dizer) sobre o "fim da esquerda", como se esta tivesse ficado soterrada nos escombros do muro de Berlim, e a reacção não se fez esperar, pela aparição de estruturas mais ou menos institucionais "à esquerda da esquerda". Em Portugal, o Bloco é o exemplo acabado desta reacção, mas a memória não perdoa a triste "dança das cadeiras" ocorrida na Assembleia da República quando da estreia dos deputados do BE no parlamento (nem a premonitória "quase eleição" de Louçã para o Parlamento Europeu), e isso disse tudo.
Em política, desde a Revolução Francesa, estar "à direita" ou "à esquerda" parece obrigatório. A aparição do "centro" não veio trazer nada de novo, traduzindo-se, a maior parte das vezes, em formações mais "à direita" que a própria "direita", além do irónico "centro-direita", como caracterizando as que, supostamente, se aproximam da "esquerda" estando "à direita". Resta o "centro-esquerda", que identifica as que, "à esquerda" de raiz, se aproximam da "direita", criando outra subclasse. Confuso? Nem por sombras...

Como resultado, tudo o que sai fora deste esquema é considerado perigoso, subversivo... Estranho. Os que ousam libertar-se das grilhetas dogmáticas são apelidados de tudo, desde nepotistas a loucos, e ora são reaccionários, ora libertários, conforme o que dizem não agrada a um ou a outro sector.
A Sombra, ao assumir-se independente, por exemplo ao criticar com igual vigor palestinianos e israelitas, não será excepção. Para facilitar, e por definição, haveria que classificar este Blog como puramente reaccionário. Proactivamente reaccionário.
Assim vamos esperando por Godot. À sombra, naturalmente.

quarta-feira, julho 16, 2003

Camelot 2003 . 1


"Daqui nasce um dilema: é melhor ser amado que temido, ou o inverso? Respondo que seria melhor ser ambas as coisas, mas, como é muito difícil conciliá-las, parece-me muito mais seguro ser temido do que ser amado, se só se puder ser uma delas."

Nicolau Bernardo Maquiavél



I. Das Oportunidades Perdidas

Janeiro do terceiro ano do terceiro milénio.
Se tudo correr pelo pior, na junção dos três começará o fim, quando ao milénio e ao ano se juntar o mês terceiro de 2003. Com um discurso inflamado de orgulho e vingança, um novo Império emergirá, deixando cair a máscara, mas poucos a verão cair e menos ainda lhe reconhecerão nos traços um rosto antigo, um rosto eterno. O nosso rosto pior.

Preferirão ver o que melhor lhes sossega a alma e assegura a vida, pois o ganho do fraco em chamar monstro ao forte pode bem ser a morte. Mais vale chamar-lhe belo, mas sem exageros, que não é estúpido e fim pior às mãos dos monstros têm os bajuladores que os francos, não vão as suas palavras doces transformar-se em lâminas afiadas, voltadas as costas.

A miragem do 11 de Setembro desvaneceu-se. A emoção de sermos um só povo sob o mesmo sol foi tão breve que hoje, ao olhar para trás, me pergunto se teria mesmo existido ou se foi apenas uma ilusão dentro de um sonho. Por um instante de eternidade, imaginei o legado do infame dia realizado. Imaginei quebrado o círculo de terror pelo ensurdecedor cair de uma e de outra das torres gémeas. Era uma metáfora: Mordor e Isengard que ruíam. Mas não. E o desperdício de todas aquelas vidas vai juntar-se ao de tantas outras que se perderam, se perdem e se continuarão a perder em vão. Cada uma dessas vidas perdidas é uma oportunidade em si mesma. Quando o infortúnio é grande, a oportunidade cresce na medida em que cresce o último clamor das vozes que se apagam.

Ao longo da História, muitas têm sido as oportunidades perdidas e já são de mais as que, pelas circunstâncias, se tornaram em grandes oportunidades. Se existiram tempos em que tais atrocidades, por maiores que fossem, não poderiam resultar na realização das oportunidades assim criadas, a partir do século passado tudo mudou. O ser-humano começava a ter uma consciência de si mesmo e do seu espaço como nunca até então experimentara. Pela primeira vez, ele não só via como entendia a oportunidade para além da atrocidade e compreendia, perfeitamente, algo mais. Não o desperdício, que esse sempre lhe fora evidente, mas a sua extensão total, o seu verdadeiro significado e grandeza. Por isso se chamou à Grande Guerra, como ainda hoje se chama ao conflito de 1914-18 sem recurso a numeração, aquela que acabaria com todas as guerras. Não seria assim. Foi apenas uma oportunidade falhada; mais uma, mas a primeira em consciência. A sublinhar este facto, ficaria para a História o desabar da Sociedade das Nações.

Ainda as cinzas desta catástrofe não tinham arrefecido e já outra começava; a Segunda, que com ela trouxe a que seria a maior oportunidade falhada de todo o século XX: o Holocausto.

Sorrio, tristemente, ao recordar que afirmo estas ideias antes de ter identificado, de forma evidente, o tipo de oportunidades a que me refiro e, assim, genericamente, até se poderá argumentar que sucedeu exactamente o oposto, neste último caso; que os milhões de pessoas que pereceram no Holocausto não morreram em vão. Mas para mim morreram. Todas. E nesta palavra "todas" está a essência do erro, pois cada judeu morto nesse período mais em vão morreu por cada pessoa morta a seu lado sem partilhar a sua fé. Cada cigano, cada comunista, cada anarquista, cada diminuído mental ou físico, cada prisioneiro de guerra com a braçadeira "Öst", cada intelectual, músico, escritor e todos os demais que se opunham ao nazismo ou que, simplesmente, o envergonhavam ou enojavam.

Poucos se lembrarão que o Holocausto não é judeu e, perdoem-me, não por ser de um tempo em que a palavra se encontrava nos dicionários mas não nas enciclopédias, pois vivi num país desconhecido para muitos dos que nele hoje habitam e em que mais não se divulgava sobre "holocausto" que o seu significado lato, mesmo assim ignorando a sua origem sacrificial judaica, mas sim por pensar que essa origem não justifica a sua aplicação com letra maiúscula como exclusivo dos judeus, assim como não o justifica o facto de, muito provavelmente, terem perecido mais judeus do que não judeus nos campos de extermínio. Apesar de não ser possível provar documentalmente que assim sucedeu, a razão, e não apenas a emoção, diz-nos que muitos milhões de judeus terão sido exterminados em locais desenhados para esse fim ou em outros menos específicos, para mim todos campos de extermínio e não apenas os identificados por uma tabuleta à porta, mas esses milhões de mortos não anulam os outros milhões de seres-humanos, sejam eles em maior ou menor número, massacrados por uma máquina obcecada pela pureza étnica tanto quanto pelo monolitismo político.

Não tenho a mínima dúvida sobre a existência das Leis de Nuremberga, de 1935, e do seu verdadeiro significado, que conduziria à estratégia definida na conferência de Wannsee, em 1942, conhecida como "solução final", o que significa que estou muito longe de poder ser catalogado de revisionista ou de negacionista, termos que mentes esclarecidas já estudaram e desmistificaram, pelo que nem o tentarei neste pobre ensaio, mas, também, não hesito em afirmar que não acredito que um judeu tenha sentido menos tristeza ou revolta pela morte de um não judeu do que pela morte de um irmão de fé, vitimado a seu lado pela besta nazi.

A oportunidade a que me referi perdeu-se exactamente nesse ponto, quando a História preferiu esquecer-se de perguntar às vitimas judias do Holocausto se, de facto, os não judeus foram menos vitimas que elas. Se entendiam por bem que, para todo o sempre, essa palavra significasse o extermínio dos judeus pela Alemanha nazi e nada demais. Ao menos aos que pereceram nessa odiosa acção e não eram judeus é poupada a desonra e a vergonha a que os que se conhecem por "seis milhões" não escapam: as de serem motivo e desculpa para que outros sofram o que eles sofreram.

Perdida a oportunidade, resta o oportunismo. O oportunismo de muitos judeus em usarem o Holocausto como carta branca para fazer e desfazer no Oriente Médio, usando uma desculpa que parece tirada a papel químico da estratégia do Terceiro Reich: a necessidade de criação de um "espaço vital".

Israel precisa de muito espaço. Espaço para viver em paz, para plantar alimentos e pasto, para acolher os seus cidadãos regressados da Diáspora, para controlar o seu destino sem depender de vizinhos declaradamente hostis, para ter a segurança de não poder ser atingido a partir de fronteiras demasiado próximas dos centros de maior importância estratégica, civil, económica ou militar. E precisa, sobretudo, de muita água. Em 1948, Israel era muito pequeno. Demasiado pequeno. Depois cresceu. Cresceu não só à custa do Líbano, da Jordânia, da Síria e do Egipto, mas à custa, sobretudo, dos que viviam no seu território sem comungarem a mesma fé dos israelitas. Até na denominação preponderante que se adoptou para os seus cidadãos se nota o que está subjacente ao Estado de Israel. Se israeliano muçulmano seria uma designação correcta para um crente islâmico de origem árabe com cidadania de Israel, um israelita não pode, por definição, ser outro que um hebreu. Mesmo em línguas mais simpáticas que o português para com Israel, a designação "israeliano" significa judeu, ainda que implicitamente.

Religião e Estado estão interligados em Israel como talvez em nenhum outro país, islâmico ou não, e são factores de exclusão sem paralelo em nenhuma sociedade conhecida, mesmo a alemã do III Reich, onde a religião não era um factor determinante. Se pensarmos, portanto, em estabelecer um paralelo formal entre Sionismo e Nazismo, ele não se verifica. Só se verificaria se os nazis fossem fanáticos religiosos, para além de raciais e políticos. Como em muitas outras sociedades, porém, alguns dos traços característicos do totalitarismo alemão do período nacional socialista são reconhecíveis na política israelita.

No que respeita à guerra convencional, a questão está resolvida. A superioridade militar de Israel não tem paralelo no Médio Oriente, até porque os seus programas de desenvolvimento e pesquisa militares fazem a diferença no suposto equilíbrio com o Egipto, no que respeita à ajuda prestada pelos Estados Unidos a ambos os países em pé de igualdade. De resto, tendo em conta o carácter marcadamente pró-judaico de sectores chave da sociedade norte-americana, a igualdade de tratamento aos dois países é discutível se encarada subjectivamente.

Mas as guerras convencionais já não são o factor decisivo quando a desproporção de meios torna os fortes demasiado fortes e os fracos demasiado fracos. Do mesmo modo que a pólvora acabou com o método medieval de fazer a guerra, a tecnologia avançada dos sistemas de armas actuais pôs um ponto final na réstia de moralidade que ainda sobrava à forma mais baixa de se ser humano. Por mais justa que seja a causa, contra máquinas sem coração não se pode vencer sem perder a humanidade. Perdendo-a, perde-se o sentido de honra, de dignidade e de amor-próprio e crescem as suas aberrações, quais mutantes que não fazem sentido para os mais afortunados, como eu, que nunca foram forçados a lutar contra esses gigantes inumanos. Por muito tempo, no século passado, esta realidade era um mito. Eu e muitos como eu imaginavam ainda que seria possível lutar lealmente contra a injustiça e a agressão. Ilusões.

Hoje, as agressões são realizadas por máquinas incapazes de distinguir entre alvos, guiadas por coordenadas que apenas precisam com exactidão milimétrica os pontos de impacto e não o que ou quem lá se encontra, mas desde há muito que se perdeu a lucidez no campo de batalha. Desde há muito que os poderosos abastardaram Sun-Tzu e fazem muito mais que só avançar para a guerra com a certeza da vitória. Avançam com total desprezo pelo custo dessa vitória.

O que resta aos que teimam em resistir perante tamanha adversidade, é tornar esse custo impossível de desprezar e foi isso que os sionistas não esperavam dos palestinianos. Durante muito tempo hesitei em chamá-los assim. Para mim, os palestinianos eram os habitantes da Palestina e isso transformava os próprios israelitas em palestinianos, mas o que descrevi sobre a impossibilidade efectiva de os árabes que habitam Israel serem israelianos veio desmentir algo que deveria ser verdade. Se é certo que os judeus ganharam com sangue o direito a um Estado, correm o risco de desvirtuarem esse direito ao desonrarem o sangue que invocam pelo derramamento do de outros que, por sua vez, assim ganham o direito ao seu próprio país a que chamam Palestina. E o trágico desta dualidade é que são ambos direitos a que o derramamento de sangue deveria ser alheio. Os árabes e os judeus que habitam as zonas que hoje conhecemos como Israel e Palestina deveriam ter aprendido com os que nela viviam antes da criação artificial do Estado de Israel. Mesmo durante essa criação, muitos deles se ajudaram sem olhar a raça ou credo, simplesmente por humanidade. Os europeus e os norte-americanos, auxiliados por agentes de ambos os lados, incentivaram a migração dos judeus para a Palestina com base em diversos pressupostos, todos falsos, desde a noção de que não existiam árabes nesse território até à ideia de que seria possível a criação de um Estado árabe na zona, à custa de outros Estados árabes e mesmo do novo Estado de Israel. Israel é tanto uma criação israelita como a Arábia Saudita uma criação muçulmana. Não podemos rescrever o passado e em nada ajuda imaginar o que teria sucedido se não tivessem acontecido as duas Guerras Mundiais, mas o que não podemos é recusar a tentativa de alterar o futuro.

Perante a agressiva política expansionista de Israel, que aproveitava o mínimo pretexto para transformar a defesa em ataque, a pressão internacional forçou o sionismo a conter-se, o que foi conseguido em menor ou maior escala, desde a manifestação das opiniões públicas europeia e norte-americana, mais eficazes junto dos governos responsáveis pela situação que as dos países islâmicos, até à ameaça de embargos petrolíferos por parte de países árabes. Mas forçar Israel a marcar passo por uns momentos não é o mesmo que convencê-lo a parar. De facto, nem marcar passo será a melhor forma de definir o que se seguiu às campanhas militares israelitas. O que se seguiu é tão escandalosamente parecido com o que o III Reich lograva conseguir com a filosofia do "espaço vital" que a semelhança é irrefutável.

No auge do expansionismo alemão, as populações da Europa ocidental sob ocupação alemã eram mantidas em situação análoga à que conheciam antes da pan-germanização, chegando Berlim ao extremo de permitir uma administração própria na chamada "França Livre", com capital em Vichy, embora dentro de parâmetros muito rígidos. Factores sociológicos e culturais assim o permitiam e aconselhavam a Ocidente, mas o caso mudava de figura a Oriente. Os europeus orientais que excediam a zona de influência cultural ariana (e genética, de acordo com a doutrina nazi) e os asiáticos eram considerados como estando vários elos abaixo dos alemães, na sua escala racial. Esses infra-humanos serviriam de escravos para os Senhores germânicos, que assegurariam a conquista dos novos territórios a Leste de forma permanente não pela manutenção de exércitos de ocupação, mas pela total absorção dos mesmos pelo povo alemão.

Estamos a falar de colonização, de cidades-modelo, prontas a receber os colonos arianos que ocupariam e povoariam esses territórios e aí se reproduziriam em grande número, com total incentivo e auxílio do Estado. Albert Speer, arquitecto oficial de Adolf Hitler e seu Ministro do Armamento a partir de 1942, projectou algumas dessas cidades, que nunca chegariam a construir-se, dado o rápido colapso do III Reich.

Seguindo um princípio semelhante, os judeus começaram a utilizar os colonatos como verdadeiras armas estratégicas; primeiro como postos avançados e de controlo, depois como verdadeiras fortalezas e pontos de bloqueio e, por fim, como verdadeiras cidades, com dezenas e mesmo centenas de milhar de colonos. Este processo decorre ainda hoje e é o instrumento mais eficaz para a remoção de qualquer Estado palestiniano viável. Aqui já não existe o papel químico. A criatividade abunda e a adaptação também, mas a essência do objectivo colonizador permanece.

Para deixar bem clara a minha posição ao comparar princípios estratégicos e não ideologias, dou um exemplo diverso deste, bem mais antigo e bem melhor conseguido que o nazi: os Estados Unidos da América. Foi seguindo esta mesma estratégia de colonatos que os norte-americanos conseguiram transformar a América do Norte no que é hoje, relegando o pouco que resta dos seus habitantes originais para reservas. A colonização da América do Norte é a mais perfeita execução da política hoje seguida por Israel na Palestina. Mas mesmo o facto de serem os autores desta infâmia os principais patrocinadores da política sionista não é garante de um resultado que lhe seja favorável. Existem sempre imponderáveis que podem alterar a História e, neste caso, trata-se mais de uma subestimação que de um imponderável. O pormenor que tem impedido este plano de resultar é o temperamento do árabe palestiniano.

Contrariamente ao judeu europeu dos anos 30 e 40 do século passado, que se deixara ir ao sabor do vento até ser demasiado tarde e se sentira incapaz de reagir perante o soldado alemão, especialmente se este pertencesse a um dos destacamentos SS especialistas no "problema judaico", deixando-se arrebanhar aos milhares perante o olhar de desprezo de um punhado de guardas, o palestiniano de hoje, mesmo em grupos que não ultrapassam os dedos de uma mão, enfrenta não só os numerosos e bem equipados destacamentos do exército israelita como, também, os seus tanques e os seus helicanhões e o que é mais notável é que o faz, na maior parte das vezes, armado com pedras... E pedras nunca faltaram na Europa, mesmo nos anos 30 e 40 do século XX.

Imagino o que sentirá um soldado israelita, de espingarda automática na mão, colete de kevlar vestido e protegido por detrás de um blindado Merkava, ao ver um miúdo palestiniano sozinho atirar-lhe um calhau. Talvez pense no seu avô com a idade daquele pequeno, no meio de centenas de outros judeus e com mais pedras ainda a seus pés, olhando, timidamente, o cabo das SS que, com a sua parca soldadesca armada de espingardas que disparavam de quatro em quatro segundos quando não encravavam, lhe ordenava que entrasse num vagão de gado rumo ao desconhecido.

Talvez esse pensamento seja demasiado insuportável. Talvez seja isso que faz esse soldado israelita premir o gatilho da sua sofisticada arma, capaz de esvaziar um carregador em quatro segundos. Talvez se percebesse que as pedras e as crianças judias da Europa de então nada têm a ver com as pedras e as crianças palestinianas da Palestina de hoje não disparasse sequer. Ou talvez não. Talvez seja o facto de, desde criança, ouvir dizer que os árabes e, principalmente, os palestinianos não são seres-humanos e que o seu objectivo sempre foi a destruição do Estado de Israel e o extermínio dos judeus o que o faz disparar. Não era isso que ensinavam na Alemanha, no tempo em que o seu avô era criança, a propósito dos judeus e dos seus objectivos sinistros para a Alemanha? A História repete-se, como já se havia repetido com o nazismo, pois as ideias de "espaço vital" e dos colonatos como armas de ocupação dos alemães de ontem e dos israelitas de hoje não são inovações, mas apenas adaptações de estratégias semelhantes adoptadas por Estados e Impérios desde que Estados e Impérios existem.

Em termos formais, ideologias de lado, o paralelo entre o Israel sionista e a Alemanha nazi existe e é indesmentível, embora com a grande diferença que faz o extremismo palestiniano. Por mais que os nazis o tenham negado, o objectivo último do III Reich era a eliminação ou a expulsão não só dos judeus, mas de todos os "untermensch" do território europeu e a criação de uma Grande Alemanha. Por muito que os sionistas o neguem, o objectivo de Israel é a expulsão de todos os árabes do espaço que consideram como a sua zona de influência no Médio Oriente, que não é mais do que um Grande Israel. Uma vez que os palestinianos se recusam a ser expulsos, pois além de ninguém os querer acolher estão já na sua própria terra, e se existe uma "diáspora" palestiniana ela foi causada por Israel, não restam muitas dúvidas quanto ao seu futuro.

Mas falar deste problema apenas do ponto de vista que aqui referi não significa que os palestinianos mereçam um apoio incondicional às suas pretensões, pois isso significaria apoiar, também, as facções extremistas dos muitos palestinianos que têm como objectivo a destruição do Estado de Israel e o afirmam ainda mais abertamente que os sionistas que almejam o fim do Estado Palestiniano que mal nasceu. A seu modo, tal como os judeus falharam a sua oportunidade após 1945 e, sobretudo, após 1948, também os palestinianos falham hoje a sua própria oportunidade, ao recusarem a essência da Intifada e abraçarem métodos de retaliação que nada têm a ver com uma luta pela liberdade.

Compreenderia, pelos motivos já expostos, que um suicida palestiniano entrasse num quartel israelita e se fizesse explodir, mas não só não compreendo como não aceito e condeno os que escolhem objectivos civis para este tipo de luta desesperada. O facto de a máquina de guerra israelita provocar um grande número de vítimas entre os civis palestinianos não pode ser justificação para isso, a não ser que nos conformemos ao princípio de que só sendo bestiais poderemos subjugar as bestas, assumindo os riscos de que outras bestas se levantem para nos subjugar e, no processo, perdendo toda a humanidade. Talvez seja esse o futuro que nos aguarda, mas não é o que quero para mim ou para os que se seguirão a mim.

Posto de forma simples, um palestiniano que enfrenta os tanques israelitas em Ramallah com pedras na mão é um herói, mas um outro que entra num autocarro em Tel-Aviv carregado de explosivos e se faz matar junto com homens, mulheres e crianças é um animal igual aos israelitas que atiram a matar sobre tudo o que tenha mais de doze anos e seja árabe. Simples, mas muito complexo.

O terceiro mês do terceiro ano do terceiro milénio aproxima-se.
Nessa altura, ao que tudo indica, com ou sem autorização do Conselho de Segurança das Nações Unidas, os Estados Unidos pretendem eliminar mais um dos seus cães de fila que se voltou contra o dono: Saddam Hussein. Esta atitude do governo norte-americano resultará, a verificar-se, na destruição de todas as promessas do 11 de Setembro: cooperação mundial, paz mundial... Um novo ciclo se começa a desenhar e as suas consequências são tão imprevisíveis como perigosas. Para infelicidade do mundo, o 11 de Setembro acontece quando se encontra em Washington uma administração que, à partida, nega em si mesma o aproveitamento da primeira grande oportunidade do século XXI para que a Humanidade se una em definitivo. O que poderia ser o primeiro degrau de uma escalada irreversível para o entendimento entre os povos é, rapidamente, transformado pela chamada Administração Bush no primeiro passo para uma vertiginosa descida aos infernos.

O resultado mais evidente e imediato deste trágico fracasso é o início da ruptura do Eixo Atlântico. A Europa afasta-se da América pela primeira vez desde o século XVIII, se descontarmos as relações ambíguas com algumas das potências do século XIX, como a Inglaterra, a França e a pobre Espanha, sendo suave a adjectivação desta última, tendo em conta os detalhes da guerra hispano-americana.

Todo o mundo, aliás, se encontra dividido entre a necessidade de apoiar ou não uma intervenção militar norte-americana no Iraque, tal é a aparente inevitabilidade de que tal ocorra à margem das Nações Unidas e, consequentemente, do Direito Internacional. A não ser assim, seria uma falsa questão. Apesar desta evidente conclusão, o caos instalou-se am todos os sectores da sociedade e em todos os países do mundo. Ainda recentemente se realizou um debate na nossa televisão pública em que ambas as bancadas, pró e contra uma intervenção dos EUA no Iraque, acenavam com o cenário do multilateralismo, desejável para o campo dos pró e indispensável para o campo dos contra. Até a voz mais lúcida deste debate, a do professor Diogo Freitas do Amaral, manifestou estar enredada nesta teia.

Sejamos claros. Apenas no caso de um ataque unilateral dos Estados Unidos ao Iraque, sem o apoio de uma resolução expressa do Conselho de Segurança da ONU, se coloca a questão de apoiar ou não a posição norte-americana. No caso de existir aprovação das Nações Unidas não se tratará, em primeiro lugar, de uma acção unilateral e, em segundo lugar, isso significaria que existirá um motivo justo e comprovado para agredir o Iraque, pois só nesse caso tal autorização seria dada, como manda o Direito internacional, logo seria sinal de desrespeito pela ONU negar tal apoio que, para fechar o círculo, já não seria dado a um país específico, mas à Organização das Nações Unidas, ela mesma.

As vozes que insistem em alinhar, cegamente, pela política da actual Administração norte-americana (chamar-lhe Administração Bush é um eufemismo, embora correcto do ponto de vista descritivo) reflectem uma singular falta de variedade na sua argumentação, recorrendo ao sofisma basilar declarado por George W. Bush de se estar por ou contra os EUA significando estar por ou contra o "terrorismo", e só a explicação das aspas aqui aplicadas daria para muitas páginas, mas lembrarei, apenas, o veto dos Estados Unidos em 1987 a medidas propostas pelas Nações Unidas para a prevenção do terrorismo internacional, a determinação das suas causas políticas e económicas subjacentes e a realização de uma conferência para a definição de terrorismo e sua diferenciação das lutas de libertação nacional dos povos. Quando a infindável torrente de argumentos contrários os encurrala, recorrem à desculpa tipo de que o Iraque faz gato sapato das resoluções da ONU vai para doze anos. Para os defensores da agressão, isso justifica uma acção unilateral dos EUA contra o Iraque. Uma agressão dita "preventiva".

Se tal argumento fosse sério e, pior, levado a sério, então o Iraque teria de tirar uma ficha e esperar a sua vez na fila, já que muitos outros Estados têm desrespeitado, sucessivamente e por muito mais tempo, resoluções das Nações Unidas. Incluindo Israel e, pasme-se, os próprios Estados Unidos da América. God bless them…

(in Camelot 2003 © Rui Semblano - Porto - Janeiro e Fevereiro de 2003)

Para a frente: ver entrada Camelot 2003 . 2 (O Eixo Atlântico) de 24Jul2003
Para trás: ver entrada abaixo Camelot 2003

Camelot 2003


Tratando-se, contrariamente ao que muitos querem fazer crer, de uma guerra que continua, a guerra que decorre no Iraque permanece tema fulcral para a compreensão do que é a nova ordem mundial. Antes do conflito se iniciar, escrevi algumas considerações sobre a Europa e a sua relação com alguns dos principais intervinientes na construcção dessa ordem, como Israel ou os Estados Unidos.

Inicio aqui a afixação desse ensaio, escrito entre Janeiro e Fevereiro de 2003, publicando os seus excertos ordenadamente, mas podendo estes ser intercalados com entradas diversas, minhas ou de outros bloggers d'A Sombra.
Todas as entradas a ele relativas estão intituladas "Camelot 2003" (o título do ensaio), seguido do número do excerto, ou capítulo, nomeado no corpo da entrada. Este ensaio tem a primeira publicação neste blog.

Rui Semblano,
Porto, 16 de Julho de 2003

terça-feira, julho 15, 2003

Unjust, unwise, unAmerican


A propósito da invasão do Iraque pela coligação liderada pelos EUA, escrevi numa das Cartas ao Director do jornal Público que "A 'América' de que nos falam os colunistas mais favoráveis a uma guerra no Iraque já quase não existe." ("A América está a mudar", jornal.publico.pt/2003/03/18/EspacoPublico)
Em causa coloquei, então, o decreto USAPATRIOT II (versão revista e aumentada do PATRIOT Act) e os efeitos nefastos que dele advêm para os cidadãos norte-americanos e os estrangeiros que se encontram em solo norte-americano. Depois disso, já se teceram rasgados elogios à actual Administração (dita) Bush, especialmente no modo como conduz a sua política externa, a notória Estratégia de Segurança Nacional dos EUA, derivada do relatório "Reconstruir as Defesas da América" ("Rebuilding America's Defenses" [Set2000] - ver também cryptome.org "A National Security strategy for a New Century" [Dez1999] - descubra as diferenças), nomeadamente, através do recurso a artigos de imprensa de referência internacional, entre a qual a revista "The Economist" (que, não por acaso, se encontra direccionada em permanência n'A Sombra, em Links Media).
Pois no último número desta publicação (p.9, n. 28, 12 a 18 Julho 2003), a mensagem não podia ser mais elucidativa: "Injusto, imprudente, não-Americano - Porque são prejudiciais os tribunais para terroristas." (ver texto integral mais abaixo).

Às vezes, quando me veêm a ler a "The Economist", que me acompanha semanalmente, perguntam-me, com um sorriso irónico, se estou a inteirar-me do que pensa "o outro lado". Quem tal me pergunta não me conhece bem e, de facto, tanto na forma como no conteúdo, será igualmente fácil conotar a "The Economist" com a "direita" como o "Le Monde Diplomatique" com a "esquerda", mas as facilidades têm destes inconvinientes: sâo demasiado simples e imediatas. E se, no caso do "Le Monde Diplomatique", a versão portuguesa corresponde em pleno (dados os "filtros"), a francesa tem o mesmo dom da "The Economist", isto é, de vez em quando, aquilo que é suposto ler-se nas suas páginas sai ao contrário, para desespero dos que não se importam de viver com uma etiqueta na testa.

Já aqui foi referido que A Sombra não se situa nem na "canhotosfera", nem na "direitosfera", mas, como diria Fabien, na "ambidestrosfera", ou seja, não se lhe aplicam os rótulos, nem as obrigações dogmáticas deles decorrentes. Por esse motivo, pessoalmente, não tenho problema algum em admitir que uma qualquer ideia é boa ou má, independentemente do sector político de onde (parece) ser lançada.

Serve esta introdução para relembrar dois factos, portanto.
Que os EUA se estão a transformar num pesadelo, dia a dia, e que não é apenas a "esquerda" (seja lá o que isso for) que se insurge contra essa situação. De facto, não é este artigo um caso isolado, antes reflectindo um certo "mal-estar" que se vem instalando na "direita" (seja lá o que isso for) a propósito das mudanças que estão a ocorrer na que ficou conhecida como a "maior democracia do mundo".

--- início de transcrição ---

Unjust, unwise, unAmerican
Jul 10th 2003
From The Economist print edition

America's plan to set up military commissions for the trials of terrorist suspects is a big mistake

YOU are taken prisoner in Afghanistan, bound and gagged, flown to the other side of the world and then imprisoned for months in solitary confinement punctuated by interrogations during which you have no legal advice. Finally, you are told what is to be your fate: a trial before a panel of military officers. Your defence lawyer will also be a military officer, and anything you say to him can be recorded. Your trial might be held in secret. You might not be told all the evidence against you. You might be sentenced to death. If you are convicted, you can appeal, but only to yet another panel of military officers. Your ultimate right of appeal is not to a judge but to politicians who have already called everyone in the prison where you are held “killers” and the “worst of the worst”. Even if you are acquitted, or if your appeal against conviction succeeds, you might not go free. Instead you could be returned to your cell and held indefinitely as an “enemy combatant”.

Sad to say, that is America's latest innovation in its war against terrorism: justice by “military commission”. Over-reaction to the scourge of terrorism is nothing new, even in established democracies. The British “interned” Catholics in Northern Ireland without trial; Israel still bulldozes the homes of families of suicide bombers. Given the barbarism of September 11th, it is not surprising that America should demand retribution—particularly against people caught fighting for al-Qaeda in Afghanistan.

This newspaper firmly supported George Bush's battles against the Taliban and Saddam Hussein. We also believe that in some areas, such as domestic intelligence gathering (see article*), his government should nudge the line between liberty and security towards the latter. But the military commissions the Bush administration has set up to try al-Qaeda suspects are still wrong—illiberal, unjust and likely to be counter-productive for the war against terrorism.

http://www.economist.com/printedition/displaystory.cfm?Story_ID=1908281

*(America needs more spies)


--- fim de transcrição ---

Resta saber se José Manuel Fernandes irá juntar a "The Economist" ao "New York Times" e à "BBC", na sua listagem de Media "irresponsáveis"... Aguardemos.

segunda-feira, julho 14, 2003

100


Assinala-se assim a passagem do centésimo visitante pel'A Sombra.
Ao sol tem passado mais gente...

nota:
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