quinta-feira, agosto 21, 2003

Sérgio Vieira de Mello (1948-2003)


A Sociedade das Nações não produziu tantas vítimas como a sua actual congénere. É um facto. Nunca haveria um quartel-general da Sociedade das Nações em Vichy, nem em 1941, nem em qualquer outro ano. Mas e se tivesse existido? E se um alucinado qualquer, ligado à resistência francesa, ou se um B-17 norte-americano que se enganasse no caminho para Dresden tivesse mandado pelos ares esse quartel-general? Quem teria sido a personalidade ligada à Sociedade das Nações de que hoje conheceríamos a data de nascimento e a da morte, por via desse acto violento?

A ONU devia ter terminado, como resultado da invasão do Iraque.
Os seus serviços deveriam ser transferidos para outra organização, ou outras organizações, mantendo o seu carácter e vocação, como a UNESCO ou a UNICEF, por exemplo. Essas organizações têm um papel importante no mundo de hoje. A ONU propriamente dita, em especial o seu Conselho de Segurança, já não.
Como aconteceu à NATO, que agora tem por papel a defesa do espaço europeu no Afeganistão (qualquer dia estamos a defender a Europa na Mongólia), o prazo de validade e a justificação de existência da ONU expiraram.

Sérgio Vieira de Mello morreu em vão. Outros irão seguir-se. Kofi Annan mostra-se indignado e triste, mas a culpa é tanto dele como do animal que se fez explodir para destruir o Hotel Canal, em Bagdad, a 19 de Agosto de 2003.

Não se enviam civis para trabalhar numa zona de guerra, especialmente quando essa zona de guerra é controlada por fanáticos que consideram todos os caucasianos como norte-americanos demoníacos, mesmo que sejam nórdicos ou transalpinos ou... brasileiros.
A guerra nunca acabou no Iraque. Sempre o disse e, desde que A Sombra existe, o afirmei, também, aqui. Os generais norte-americanos no terreno concordavam comigo uns dias antes deste atentado, contrariando os optimistas que, em Washington e não só, desde que G. W. Bush declarou o "fim das operações de grande envergadura" e o "início da reconstrução", transcreviam isso como "o fim da guerra".
No Público, por exemplo, o "Diário de Guerra" deu lugar ao "Pós-Guerra"... E os soldados norte-americanos, os soldados britânicos, os iraquianos, em armas ou civis, até um soldado dinamarquês, foram morrendo, cada vez mais. Até que morreu um brasileiro. Repito, a guerra no Iraque nunca terminou.

Não é possível reconstruir um país em guerra.
E esta será, até hoje, a maior bofetada já dada por alguém ao orgulho e à soberba imperial norte-americana.
A ONU nada tem a fazer no Iraque, nem em Nova Iorque.
E a Europa que abra os olhos ou que prepare os caixões e os corações para o que vai seguir-se; sem dúvida, como nos asseguravam José Manuel Fernandes ou Pacheco Pereira, "quando a guerra tinha acabado", nada de especial...

nota:
A luta armada como resposta a um invasor não é desculpa para a atrocidade cometida no Hotel Canal, mas condenar este acto como terrorista e ignóbil ao mesmo tempo que se ignora o facto de, nos países árabes, ainda se recordar as Cruzadas como se estas tivessem terminado o ano passado é, também, um crime.

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