Se existe uma "democracia" que melhor ilustra o que escrevi no início da trilogia "Da Liberalização, da Democracia e dos seus Espelhos" é a israelita.
(ver "
A Democracia, esse mito")
Como exemplo recorrente de como temos de "estar com os bons contra os maus" há muito que leio em vários suportes, da imprensa à literatura aos blogs, que Israel é "a única democracia do Médio Oriente" - significando isto, sibilinamente, que "a comunidade das nações livres" (como diria George, perdão, José Manuel) não pode "tomar partido" (idem) pelos palestinianos (leia-se "árabes").
Quem assim fala não é gago, mas isto é tudo o que se pode dizer sobre quem fala assim - e nada mais. Estes "connaisseurs" do Oriente Médio, porém, escolhem ignorar factos que demonstram que se a nossa "democracia" já é uma caricatura a israelita é um
cartoon completo. (
nota1)
Dois exemplos específicos: (
nota2)
I. Ortodoxia
A política sionista israelita (não é um pleonasmo) é um reflexo do pensamento ortodoxo judaico, que acalenta mais que qualquer outro o ideal do "Grande Israel" e faz a apologia da segregação entre judeus e não judeus.
Esta
élite judaica condiciona, em grande medida, o modo de fazer política em Israel, de uma forma semelhante ao verificado nos países árabes com as classes islâmicas ortodoxas - não esquecer que "ortodoxo" é um eufemismo para "fundamentalista".
Esta classe ortodoxa judaica encontra-se no topo da "cadeia alimentar" israelita, detendo privilégios medievais, negados ao comum cidadão judeu não ortodoxo, como a isenção completa de serviço militar.
Não deixa de ser ridículo que os israelitas que mais odeiam os árabes e fomentam o racismo se arroguem o direito, consagrado em lei, de ficarem isentos de os combater, nem que seja em legítima defesa.
Um privilégio de casta que pode estar na origem de tantas recusas no cumprimento do "dever militar" por parte dos que fazem parte de castas inferiores. Nada mais pungente para rebater o mito do "povo em armas", tantas vezes atribuído aos israelitas, quando são um povo apenas parcialmente em armas.
Estes privilegiados não têm o menor pejo em permitir o alistamento de mulheres nas Forças de Defesa Israelitas, mas quanto a ombrear com elas na "defesa" (preventiva q.b.) de Israel... Népias.
II. Racismo
Num elucidativo artigo de opinião publicado hoje no jornal Público,
António Vilarigues (
nota3) chama a nossa atenção para um facto que a comunicação social preferiu ignorar (com algumas excepções, incluindo o
Haaretz), bem demonstrativo da "democracia" existente em Israel e de quem a controla (não tanto a extrema-direita laica, como dá a entender o artigo, mas mais a religiosa ortodoxa e xenófoba).
Um excerto:
"
Israel: a extrema-direita de freio nos dentes
(...) A história é curta e brutal: o parlamento israelita, o Knesset, aprovou a 2 de Agosto uma lei que nega a cidadania israelita a palestinianos que se tenham casado com israelitas. Racismo é racismo, mesmo quando defendido por judeus. (...)"
(
texto integral aqui)
De facto, o sistema político israelita é semelhante, por exemplo, ao português, e nada impede o nosso parlamento de fazer aprovar uma lei que, por hipótese, negue a cidadania portuguesa a brasileiros casados com portugueses.
Basta que tal lei seja "democraticamente" proposta e "democraticamente" votada pela maioria dos deputados. Fica à consideração de cada um se tal coisa é democrática (não "democrática", note-se). Quanto à sua legitimidade, não a deixaria ao cuidado de cada um, já que só quem não tem escrúpulos poderá ter dúvidas.
(a propósito de israelitas e palestinianos em Israel, ver "
Camelot 2003 . 1")
nota1:
Digo "escolhem ignorar" pois se, de facto, são conhecedores do Oriente Médio não os desconhecem. Se não são tal coisa, não deveriam escrever como se o fossem.
nota2:
Apenas dois casos, correndo o risco de desapontar os "
jaquins", que acham que A Sombra "toca sempre três vezes" como o outro - o das cartas.
nota3:
in
Público, 21Ago2003, p. 6 (
link no texto acima)
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