terça-feira, agosto 19, 2003

O Povo dos Dejectos...

Lido em Local e Blogal:

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Interrogações que compartilho
(...) Esta semana, nos blogs, por duas vezes, encontrei interrogações que me coloco, que também partilho em conversas e que me apetece propor em resposta a desabafos e contrariedades que por aí vou ouvindo.
Possivelmente os seus autores não as terão escrito como eu as entendi, nem eu partilho por inteiro todas as suas afirmações, mas que correspondem a interrogações das que mais me preocupam, é verdade. (...)

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Um desses textos, mencionado por António Baeta, é a terceira parte da trilogia "Da Liberalização, da Democracia e dos seus Espelhos", publicada n'A Sombra a partir de 15Ago2003, "A expansão da loucura".

Sempre correcto, o amigo Baeta, em privado, manifestou algum cuidado pelo uso de uma transcrição deste texto na sua entrada referida acima, mas não penso que ele me tenha compreendido de modo diferente, pois já me leu o suficiente para perceber que quando escrevo "Quantos de nós abdicariam desses benefícios?" (dos países desenvolvidos em favor do desenvolvimento do Terceiro Mundo) não faço mais que chamar a atenção para esse facto.
É um texto em que amargura e ironia se misturam com a dura realidade; uma realidade que me afecta a mim, por não ser imune; por não poder dizer, em consciência, "não vou por aí", apenas que "tento não ir"... O que faço não basta e revolta-me contra mim mesmo. E cada simples gesto que faço, na rotina do quotidiano, é um insulto a milhões de pessoas. Eu sei.

Estamos acomodados aos nossos modos e estilos de vida. Com mais ou menos luxo, qualquer um de nós, ditos "ocidentais civilizados", vive a anos-luz dos desgraçados que se arrastam no meio dos dejectos que abafam o Terceiro Mundo. Tão acomodados que muitos não se abstêm de escolher destinos turísticos onde fotografarão essa miséria como se fosse "típica" e muito "folclórica"... E colocamos homens em armas nas nossas muralhas e nos nossos céus e mares (que são já todos), para que o Povo dos Dejectos não tenha ilusões. O Primeiro Mundo é nosso e nunca será o deles.

Odeio os que, deliberadamente, contribuem para esta manutenção do Mundo, mas sei que eu próprio contribuo para ela, ao comprar coisas de que não preciso, comer e beber coisas de que não preciso e gastar mais recursos do que preciso, por poucos que sejam.
Sei, muito bem, que dizer não a determinadas marcas ou afirmar-se a favor do boicote de produtos de certos países ou fabricantes é daquelas formas rasteirinhas de se ser um "grande" revolucionário. Sei que não é por aí, já o sabia antes de os "grandes revolucionários" deste mundo terem ficado escandalizados pelo amor dos zapatistas à... Coca-cola.
Mas por mais que tente, por mais que recicle, por mais que ajude do pouco que posso, parece-me que há sempre algo "sujo" que não fica no tapete, ao entrar em casa, e que me acompanha para onde vá.

É a perda de um orgulho em ser europeu e português que se justificaria por outros motivos, talvez... É a vergonha de me sentir inferior aos que são subjugados por "ocidentais" como eu. E a raiva de, por sua via, não poder estar de bem comigo próprio e sentir-me quase obrigado a pedir desculpa por actos que não cometi - mas que, a meu modo, permiti, permito e não vejo como posso deixar de permitir... Resta esperar? Talvez...

Um abraço ao António Baeta.

nota:
Aguarda-se para breve a continuação no Local e Blogal dos pensamentos do meu Arabista predilecto na Blogosfera.

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