Já esperava que, um dia, me chamassem de "direita", mas não estava à espera que lhe adicionassem "extrema", nem tão pouco que o fizessem nas páginas de um jornal, no caso o
Público.
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Seria ingénuo inferir da longevidade de Leni Riefenstahl, que 58 anos sobreviveu ao seu amado Hitler, que as questões extremas que a sua vida e obra suscitaram estivessem apaziguadas. São questões cinematográficas, imagéticas, políticas e talvez sobretudo éticas cruciais - não se lhes pode ser indiferente. E por mim não consigo também ficar indiferente quando verifico que a circunstância da morte é razão de um elogio tão apaixonado e "branqueador" das conexões nazis como a carta de um leitor no PÚBLICO de sexta-feira. E por isso também não posso ficar indiferente a dois textos: o de José Manuel Fernandes no PÚBLICO de quarta-feira e o de João Lopes, no "Diário de Notícias" de ontem. (...)
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(
Augusto M. Seabra in Refutação de Riefenstahl, Público, 14Set2003, p.8)
Caro Augusto M. Seabra,
(Posso tratá-lo assim, não posso? É que não me soa bem chamar-lhe "um colunista do Público" como equivalente ao seu gentil "um leitor (do) Público" com que me identificou no seu artigo)
Antes de mais, costumo estar no seu comprimento de onda, pelo que fiquei desapontado pela forma como escreveu e, sobretudo, intitulou o seu artigo.
Refutar Riefenstahl?
Esperava outra coisa de si, que o refutar de algo que (quase) todos refutam vai para mais de 58 anos. Sim, mais. O Augusto M. Seabra sabe tudo sobre Leni Riefenstahl e como amava o seu Fuehrer, mas escolheu ignorar que o mítico "Triumph des Willens" ganhou uma medalha de ouro na Feira Mundial de Paris de 1937. Claro que os franceses acordaram em 1939 e mais ainda em 1940. Como vê, Leni é refutada vai, pelo menos, para 63 anitos. Mas faltava a sua refutação. Claro.
Recusa-se a comparar televisão a arte cinematográfica?
Faz muito bem. Mas olhe que comparar "Triumph des Willens" ou "Olympia" ao "Big Brother" ou à "Volta a Portugal em bicicleta" não abona muito em favor da sua afirmação.
A sua afirmação de outro génio, Serguei Eisenstein, e a invocação da sua obra máxima (para mim) "Aleksandr Nevski" - feito uns três anos depois de "Triumph des Willens" - como exemplo de... de quê?, só revela que é incapaz de dissociar Arte de política.
A "senhora intentou o
embelezamento do mal"? "Do
Mal absoluto"? Não devemos estar a falar da mesma Leni Riefenstahl. Aquela de quem eu falo não intentou embelezar o mal. Conseguiu-o. E conseguiu-o de forma superior e absolutamente inatingível.
Um artista, Augusto M. Seabra, não é um político. Em boa verdade, um artista está-se a marimbar para tudo o que não seja a sua arte, mesmo que isso signifique um pacto com o Diabo. Ou entende a Arte como um serviço público? Se assim é, desengane-se. Um artista trabalha para si mesmo. O que busca não é a satisfação dos que observam o seu trabalho, mas a apaziguação - ou a exaltação - dos seus demónios interiores. Veja a Maria Callas, por exemplo, que nunca teria lido uma linha escrita por si sobre ela nos jornais, caso tivesse sido seu contemporâneo e colunista da altura.
A verdadeira arte não tem compaixão por terceiros. Vive. Augusto M. Seabra não gosta de Leni Riefenstahl; é legítimo. Mas que exalte esse desgosto em página inteira no Público é mais complicado. Deveria escolher alvos mortais para as suas crónicas, normalmente bem apanhadas.
É que, francamente, no Olimpo ninguém lê jornais.
Sabia, Augusto?
Rui Semblano
Porto, 14 de Setembro de 2003
nota:
Diz do
meu texto que é "apaixonado" e "branqueador". Não está mau. Percebeu metade do que leu. A mim saber qual delas corresponde ao espírito com que o escrevi. A si, se quiser, descobrir a metade que percebeu mal.
(carta enviada ao jornal Público em 15-09-2003)
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