segunda-feira, janeiro 16, 2006

Simple minds...

Basta um olhar em volta, desde que não se esteja num resort ou num condomínio fechado, para percebermos que este é um país pobre, material e espiritualmente, sobretudo espiritualmente.
A atitude que caracteriza o "português típico" é o desleixo, mais que o oportunismo ou a preguiça. Aliás, a preguiça está sobrevalorizada nesta questão. Todos os que tiveram a sorte de sair do nosso pequeno rectângulo para o resto da Europa já experimentaram aquela sensação de "lá-fora-é-que-é" ou "somos-mesmo-atrasadinhos". Os que, mais afortunados, lá permaneceram algum tempo, conhecem bem a sensação de desconforto que se tem ao regressar, logo transmitida pelas suspensões do automóvel quando se deixa Espanha ou pelo "há-qualquer-coisa-que-não-está-bem-Ah!-é-o-lixo" ao sair da Portela ou do Sá Carneiro (às vezes até antes de sair...).

O que diferencia os portugueses da maior parte dos europeus começa logo nas suas atitudes individuais: no passear do cãozinho sem ligar aos distribuidores de sacos de plástico para recolher os seus dejectos e, sobretudo, no sair de casa com o cãozinho sem levar consigo o saco de plástico.
Agora que os tais distribuidores estão um pouco por todo o lado, já têm desculpa para não apanhar o que os seus cãozinhos fazem no chão; ou não há sacos nos distribuidores ou não há distribuidores por perto; isto é: a culpa passa para os responsáveis pela colocação e carregamento dos distribuidores. Sair de casa com um saco plástico no bolso é que nem lhes passa pela cabeça.

Daqui se passa para tudo o resto.
O que deveriam fazer de sua iniciativa e com meios próprios passa a ser feito por imposição e com meios comunitários, o que lhes fornece as desculpas necessárias para continuar na mesma, isto é, sem o fazer, seja lá o que for.
Voltando ao exemplo da caca do cãozinho, não é menos verdade que os distribuidores deviam estar sempre carregados, não sendo isso desculpa para que não se leve no bolso o saquinho. Quando se coloca um meio qualquer à disposição dos cidadãos, espera-se que funcione, que não seja só um devaneio, uma acção inconsequente que se esgota depois da inauguração com fotografia no jornal local (ou nacional). Isto também está mal e demonstra o desleixo como factor generalizado no modo de ser nacional, mas não pode ser desculpa para não se ter o saquinho de plástico no próprio bolso.

Ou seja, o Estado não existe por si, antes sendo o que os cidadãos dele fazem, trabalhando para ele ou, simplesmente, vivendo na sociedade que ele regula e pagando aos que trabalham para ele. É da forma de ser destes cidadãos, todos ligados intimamente ao Estado, que se define a forma de ser do próprio Estado e da sua sociedade, isto é, do país. Uma sociedade é, e não só por definição, um projecto comum. Todas as iniciativas são tomadas nesta esfera e afectam toda a esfera; sejam lúdicas ou profissionais, humildes ou megalómanas, simples ou complexas, individuais ou corporativas.
Por isso, à excepção das ilhas privadas e afins, cada país não é mais que o somatório das acções dos seus cidadãos, do mais anónimo ao mais mediático, do mais influente ao mais indiferente. A tão apregoada via neo-liberal, por oposição ao Estado Social, resultará na medida em que resultarem as acções dos que a farão acontecer; isto é, não os teóricos iluminados que profetizam o paraíso no dia em que acabar o Estado Social, mas os que continuarão a sair de casa com o cãozinho sem o saco de plástico no bolso e os que, entretanto colocados numa empresa privada qualquer que dispensa os sacos a troco de uma moeda, ainda assim não recarregarão os distribuidores quando necessário, por razões que vão da falta de organização ao excesso da mesma, mas que passam todas pelo bom e velho desleixo.

E não esqueçamos que, neo-liberalizada ou socializada, a caca será a mesma.

RS

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