sábado, outubro 18, 2003

Merda da boa!


A propósito de:
"O verbo de Ângelo de Sousa em retrospectiva"
in Público, 17Out2003, p.46/47

A exposição de Ângelo de Sousa que recordo com prazer teve lugar na rua Miguel Bombarda, no Porto, já não me recordo em qual das suas galerias. Foi por volta de 2000. Estava com um grupo de amigos, todos ligados a Belas Artes menos um. Entrámos.
Numa pequena sala, na penumbra, era projectado um vídeo que todos nós, excepto um, sabíamos tratar-se de "A minha mão esquerda" (ou era a direita? - não me lembro). Nas poucas filas de cadeiras alinhadas na sala, apenas um espectador, além de nós. Sorrindo todos, à excepção do tal amigo, escolhemos os nossos lugares e esperámos, em silêncio. O amigo externo ao círculo das artes fixou, então, o olhar na projecção da fita.
A obra consiste de planos aproximados da mão direita (ou é a esquerda?) do "professor pintor" (a câmara empunhada pela... outra). E assim, por longos e longos minutos, são mostrados todos os poros da extremidade do membro superior esquerdo do "artista" (ou será do direito?).
Há trinta segundos estávamos sentados quando o elemento excepcional do grupo gritou:
"Mas que merda é esta!?" (sic)

Hoje.
Ângelo de Sousa chega à Fundação Calouste Gulbenkian, com uma "retrospectiva" de... "rabiscos". O senhor Carlos Câmara Leme, autor do artigo mencionado em epígrafe, chama-lhes "desenhos".
Consta que o "professor pintor" tem 18.000 desenhos! Não imaginamos como foi encontrado este número mágico, mas é o total apontado no Público. De entre esses 18.000 desenhos, Jorge Molder, um dos comissários da "retrospectiva", seleccionou 700, com a "cumplicidade do autor" (sic). Desses 700 desenhos, foram seleccionados quatro, não sabemos exactamente por quem, para ilustrar o artigo do Público.

O primeiro data de 1971 e representa um traço corrido descrevendo curvas, definindo ovais e arcos, os espaços fechados preenchidos a cores (em 1971 tinha eu oito anos e, dessa altura, guardava no sótão de casa de meus pais cerca de 27.538 desenhos de igual conceito e técnica, que um dia foram parar ao caixote do lixo - que desperdício).
O segundo data de 1965 (tinha eu um ano e pico e ainda não desenhava) e representa um equídeo bem ao jeito de Gustavo Bastos.
O terceiro data de 1983 (ano em que cumpri as 20 Primaveras e escrevi mais que desenhei) e consta de três segmentos de recta entrecruzados, em estrela regular, encontrando-se preenchidos a cor os triângulos definidos pelo ponto de intersecção dos segmentos e as suas hastes, com excepção dos dois inferiores, de Sudeste e Sudoeste. Está marcado a carimbo com o número "260". Enigmático.
E, finalmente...

... O quarto.
É a piéce de resistance e data de 1971, sendo apenas a palavra "Angelo", sem acento propositadamente, escrita com grafismo próprio do primeiro ciclo. A propósito desta obra, o autor explica que:
"Aquele «A» de caralho da minha primeira classe era fálico, mas nessa altura eu não o sabia." (sic)
Partimos do princípio que Ângelo de Sousa frequentou a "sua" primeira classe em 1945, desenhando "aquele «A» do caralho" (sic) em 1971, donde se depreende que demorou perto de 27 anos a amadurecer a ideia (já eu fiz a primeira classe em 1971, precisamente o ano do «A» "do caralho" do "artista", e em 1975, pelo Verão "quente", já desenhava orquídeas a que chamava "A minha professora", quatro anos depois - devem ter ido para o lixo, junto com os conceptuais de 1971...).

O percurso artístico do "professor pintor" é ele quem melhor o define:
"Às vezes as coisas saem bem, outras é uma porcaria. Não sai nada, mas quando digo nada é nada. É uma merda!" (sic)

Citando o autor do artigo do Público:
"É o sistema Ângelo." (sic)

Recuperando uma frase batida, dos corredores das Belas Artes do Porto do final do século passado, a propósito deste "artista":
"Uns morrem. Outros ficam assim." (sic)

Pois é. "É uma merda!" (sic)

Em exibição no Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, até 18 de Janeiro de 2004.

Rui Semblano
Porto, 17 de Outubro de 2003


nota:
Esta entrada esteve para ser intitulada:
a) "É uma merda!"
b) «A» de caralho
c) "O sistema Ângelo"
d) nenhuma das acima mencionadas

nota2:
Esta entrada é dedicada a Mephisto, não ao energúmeno...

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