A greve geral de 22 de Março foi marcada por vários incidentes envolvendo jornalistas que cobriam o evento. O mais divulgado foi o da agressão a Patrícia Melo, fotojornalista da AFP que fotografava a manifestação que decorria no Largo do Chiado. Os polícias da PSP não gostaram de ser apanhados em filme e, possivelmente após tirar a foto que reproduzo abaixo, Patrícia Melo foi violentamente agredida à bastonada, visível na sequência que se exibe no início desta entrada, captada por um colega da agência Reuters.
Momentos antes, uma foto de Patrícia Melo, AFP
Mas não foi só Patrícia Melo a ser agredida pelo simples facto de ser uma profissional da comunicação social com uma câmara em punho. No mesmo local, José Sena Goulão da Lusa foi também agredido à bastonada pela polícia, terminando por necessitar tratamento hospitalar, e a cena repetiu-se um pouco por todo o lado, em mais um exemplo clássico de como os governos lidam com a liberdade de informação, reforçado aliás por instrucções precisas a gestores de empresas públicas para não responder a qualquer pedido de informação sobre a greve da parte da comunicação social.
Estas tentativas de supressão, restrição e controlo da informação por parte de quem detém o poder são práticas generalizadas há muito e se hoje são mais visíveis pelo simples facto de que cada cidadão com um telemóvel é um potencial fotojornalista com capacidade de publicar o que capta em redes sociais de impacto mundial, devemos recordar que sempre existiram em formas mais ou menos violentas e com resultados mais ou menos graves, dependendo da localização dos mesmos no tempo e no espaço. No Chile dos anos 70, por exemplo, Patrícia Melo poderia "desaparecer" convenientemente, depois de receber tratamento. No Irão de hoje, talvez desaparecer mesmo antes de receber qualquer tratamento. O poder lida sempre muito mal com manifestações públicas de descontentamento e protesto, e uma vez após outra reage com o mesmo desgosto e desapontamento de quem tenta fazer o melhor pelos que, ignorantes, reagem contra as suas acções políticas. Afinal, ou se respeita a democracia ou se é antidemocrata.
Chamem-lhe greve geral ou manifestação expontânea ou qualquer outra actividade pública que resulte na demonstração de descontentamento mais ou menos organizada de cidadãos pela forma como são governados, a cartilha democrata de resolução de conflitos com a base popular diz sempre o mesmo: é preciso salientar o direito à indignação e à liberdade de expressão - pedras basilares da democracia - e logo a seguir reduzir esse direito à condição de catarse, de toda a maneira impossível de sobreposição ou, Deus nos livre, alteração do direito supremo de governar conferido aos detentores do poder pela mesma base popular que tem todo o direito de protestar contra os seus eleitos.
A democracia, tal como a conhecemos, dá absoluto poder e exige submissão absoluta - com a ressalva da ocasional manifestação pública de descontentamento, na condição de que se extinga minutos após, resignada ao poder do voto popular. E sempre com o mesmo olhar paternalista de quem não percebe muito bem como quem escolheu lebre não se contenta com gato, o poder explica que quando prometeu lebre ignorava o real número de lebres existentes e, sobretudo, a imperativa necessidade de escolher gato! Tudo a bem da Nação.
Patrícia Melo de câmara apontada, claramente ameaçando as forças da ordem.
A bastonada ilustrada nesta entrada é a expressão desse desgosto paternal de quem pretende dar ao mundo a imagem de responsabilidade e autoridade que convém passar e acha que a maneira de o fazer é transmitir a noção de respeito às massas, nem que seja à força de censurar qualquer outra imagem que o desminta ou desautorize. É uma prática desajustada à realidade actual, mas que ainda retém o poder de conferir um certo descanso e reconforto a quem, do alto mais alto, observa atentamente. Nada de novo ou particularmente eficaz, portanto, mas todavia significativo.
O segundo seguinte.
As agressões generalizadas de 22 de Março, sobretudo contra os cidadãos que se manifestavam nesse dia por todo o país, demonstram o desconforto sentido pelo poder quando confrontado com a manifestação pública de descontentamento popular e também o tal desgosto paternal que menciono acima, qual pai tirano que é forçado a dar uns tabefes no filho rebelde que não sabe nem tem capacidade para entender a lógica que lhe é imposta para seu próprio bem, atitude reforçada pelo facto de que nesta história o "filho" foi quem escolheu o "pai".
Este desgosto desconforável tem vindo a crescer em todas as democracias ocidentais, que cada vez mais olham a China como o tão desejado e infelizmente impossível (para já) exemplo a seguir. Ah, como tudo seria mais simples se a cidadania se confinasse em fábricas de iPads e iPhones paga ao cêntimo/hora e sem outro direito que o de trabalhar até cair. Lá chegaremos. Ou não.
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