sexta-feira, dezembro 12, 2003

Ilusões de grandeza...


Um almoço com três madeirenses pode ser muito complicado - principalmente quando grande parte do seu futuro continua ligado à sua ilha, o que significa, no caso da Madeira, um alinhamento pela cartilha de Alberto João, mais ou menos subconsciente.
Isto é um dado adquirido: ser opositor de Alberto João, para um madeirense, implica a ausência de futuro - ou a emigração.

Para dizer a verdade, já não me recordo de como a conversa foi para esse campo, mas, de repente, estávamos a falar dos miúdos que foram afastados das zonas turísticas madeirenses por andarem a pedir esmola. Bastou mencionar tal coisa para me acusarem de não saber o que estava a dizer e que até parecia que tinham enfiado os miúdos num campo de concentração! Sorrindo, admiti nunca ter estado na Madeira e, como tal, não ter testemunhado o processo de "limpeza", mas o certo é que não obtive esclarecimentos quanto ao método realmente empregue para conseguir tal façanha. Será que pediram às crianças, delicadamente, para deixarem de pedir esmola e ir para casa? Não sabiam. Ainda procurei fazer humor e afirmei estar plenamente convencido que se Alberto João fosse presidente da Câmara Municipal do Porto teríamos o problema dos "arrumadores" resolvido há anos, mas já não havia vontade de rir naquela mesa.

Como a questão dos miúdos se tornou insustentável, voltaram-se para os pais deles, "os tóxicodependentes de Câmara de Lobos". "Eles é que são os culpados!" - afirmaram - "Deviam era tirar-lhes os filhos!" - mas não explicaram o que fariam com os pais, depois disso feito, nem tão pouco o que aconteceria aos filhos. Foi então que tudo descambou! Que o Alberto João tinha transformado a Madeira num paraíso e que se fosse primeiro ministro resolvia os problemas todos em três tempos (!!!); que o dinheiro enviado pelo Estado não tinha importância quase nenhuma, porque o PIB da Madeira é tão grande que já nem podem receber subsídios da UE; que, claro, "a República" os tratou muito mal... Coitados. Perante tamanha demonstração de orgulho insular e solidariedade com o seu Governo regional, restou-me perguntar quanto haviam pago pela passagem aérea que os trouxe da Madeira para o Continente e se sabiam (ao menos) quanto eu pagaria pela mesma. Realmente, "a República" trata muito mal os madeirenses; como quando acumula as bolsas de estudo às que já recebem da Madeira, por exemplo.

"Alto lá!" - indignaram-se - "Vocês ganham mais que nós! As ajudas são justas!" Mas, afinal, em que ficamos? Precisam ou não de ajuda? Então o PIB madeirense não é superior à média nacional, com excepção de Lisboa e Vale do Tejo? Não "produzem mais que os continentais", os madeirenses?
Ah, o complexo da insularidade; o isolamento involuntário; a necessidade de "vir ao Continente"... É um facto. Já estive no meio do Atlântico e não gostaria de viver numa ilha. Estar condicionado pelo oceano; não poder sair e fazer quilómetros a sério, respirar outro ar, ouvir outra língua... Eu amo o mar e não conseguiria viver longe dele, mas não me agradaria nada ser seu refém.
Compreendo e aceito os benefícios da insularidade em termos de ajudas concedidas pelo Continente para diminuir essa realidade, mas que não me venham com histórias de PIB's e de como "a República" os maltratou (não percebi o tempo verbal - então agora são bem tratados?).

Felizmente, chegou a conta e a conversa mudou de rumo. É que estava mesmo a ponto de perguntar aos meus caros interlocutores quem eles achavam que contribuía mais para o aumento brutal do PIB da Madeira: se eles e os seus ordenados, impostos e produtividade, se um colombiano que use a ilha como plataforma para mover os seus tostõezitos livres de impostos, "AJ style".

Continuo, solenemente, "na minha".
É dar-lhes a independência. Já! (*)

nota:
No próximo almoço é melhor restringir a conversa ao estado do tempo. Em Portugal continental, claro...

(*) entrada "A bosta da III República", n'A Sombra.

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