domingo, janeiro 29, 2006

Chew it.








Opening: The End









Algures a Noroeste de Bagdade.
Já deixei de tentar memorizar os nomes destas aldeias... São todas iguais. Recordo-me de algo assim, contado pelo meu tio que serviu mais a oriente... Também ele perdeu a conta às aldeias e esqueceu os seus nomes. Hoje sei que alguns deles se tornariam difíceis, impossíveis de esquecer, se os soubesse. Por isso prefiro esquecê-los antes mesmo de os saber... São todos iguais.

Do alto, a deslocação do ar levanta a areia à nossa volta. É o pássaro que esperávamos. De repente, vindo da minha direita, um rocket. Isto é um pesadelo. O helicóptero é atingido em pleno rotor central. Corremos para as respectivas máscaras, longe da LZ, dando-lhe espaço e rezando para que não nos caia em cima. O piloto é bom. Consegue pousar. Um dos atiradores laterais está caído lá dentro. Espero que esteja vivo. Ou talvez não. Não penso mais nisso. O sargento envia-me com o Terrence e o Hawkins para a zona do disparo. Corremos envoltos numa cortina de fogo de cobertura.

Sou o mais novo dos três, aqui, mas o mais velho em idade. Sou negro. Estou na 101ª desde o tempo em que estava a estudar, em Atlanta. Safei-me da primeira vez, mas não agora. Agora ninguém se safa. Nem na Guarda. Terrence é um mulato de Los Angeles. Nunca percebi como veio aqui parar e acho que, para ele, o mistério é ainda maior; mas anda na boa. Parece que em South Central as coisas não são muito diferentes e, ao menos aqui, é pago para usar uma arma, em lugar de ser preso. Hawkins é um WASP puro, se é que existe tal coisa. Vive em Boston. Nunca imaginei que houvessem tantos republicanos em Boston. Que raios quer ele? Está na ponta e acena para Terrence. Dois... 30 jardas... Em movimento... Norte... Aponta para mim. No fim... Terrence pela direita... Ele segue. Ok.

Já não os vejo, mas acredito que estejam lá. São doidos o suficiente para isso. Também sei que o tenente já deve ter enviado um grupo de apoio. Nós somos os cães. Não podemos largar as presas até que eles cheguem. Continuo para norte. A vegetação é escassa nos espaços entre as casas de lama seca. Lá estão! Dois. Serão eles? Hawkins... Não o vejo. Entraram numa casa. Paro. À minha esquerda, Hawkins. Terrence, ali está. Indico a casa e faço sinal para virem a mim. Segundos depois estamos juntos.

- Terrence, vai buscar o tenente. - sussurra Hawkins.
De binóculos, inspeccionamos a casa e os arredores. Nem vivalma...
- Hawkins...
Ele não tira os olhos dos binóculos
- Hawkins.
- Que foi?
- Não tenho a certeza se eram eles.
- Têm de ser eles. Não vimos mais ninguém.
- Eram dois miúdos.
- E então?
- Não estavam armados.
- Devem ter largado o lança-rockets... Mas qual é a tua?
Deixo-o em paz. Já sei o que vai acontecer a seguir. Lentamente, começo a programar-me para esquecer mais um lugar deste fim do mundo...
Antes que se torne impossível.

Rui Semblano - 29 de Janeiro de 2006

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