sábado, novembro 04, 2006

Walk the walk.




Depois de ler o que se tem dito a favor e contra a
despenalização da interrupção voluntária da gravidez,
decidi não adiar a minha intervenção por mais tempo.

A Sombra assume o seu SIM. Absolutamente.

666 Entrada completa, abaixo.





A pergunta:
Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?

A resposta:
Sim.

A razão:
Continuarão a existir mulheres que vão optar pelo aborto e o vão fazer, com ou sem despenalização até às dez semanas, sendo que a maior parte destas, caso a actual lei não seja alterada, não poderão fazê-lo em condições de segurança, que é como quem diz que não o poderão fazer fora de Portugal, em clínicas onde a prática do aborto por opção simples da mulher é possível e segura. Os argumentos que questionam prazos e falam das "dez semanas e um dia" não são para se levar a sério.
Na prática, o que esta lei vem alterar, é a conduta do Estado no tratamento que hoje dá a estas mulheres, assumindo que, durante as primeiras dez semanas da gravidez, a opção da mulher em abortar por motivos pessoais é legítima, tal como é legítimo o uso de contraceptivos.
Nesta afirmação, os defensores do "não" encontram motivo para argumentar que o aborto não é um método de contracepção. Pois não. Mas no caso em que a contracepção falha, a mulher deve ter a possibilidade de escolher pela interrupção de uma gravidez que não deseja sem que o Estado a penalize e com toda a dignidade e segurança. As mesmas de que dispõe quando usa um método contraceptivo.

Apenas entendo o "não" se este abranger inequivocamente todas as formas de contracepção, isto é, se assumir que a mulher não pode usufruir da sua sexualidade sem evitar uma gravidez dela resultante. Entendo que existam pessoas que pensem assim, como entendo que existam mulheres dispostas a terem filhos em série como fruto da sua actividade sexual. O que não entendo, nem aceito, é que tal coisa seja imposta a todas as mulheres.

Infeliz e hipocritamente (quando não estupidamente), os defensores do "não" limitam a sua argumentação, omitindo o que realmente pensam sobre a libido da mulher. É algo deliberado, pensado para não hostilizar em demasia o "eleitorado" feminino, mas o certo é ser impossível defender o "não" ao mesmo tempo que se defende o direito da mulher à contracepção, ou seja, ao controlo íntimo da maternidade, que é apenas sua.

Se o "não" ganhar o referendo, como penso que ganhará, será por vivermos num falso Estado laico, onde a religião ainda tem muito a dizer nestas questões. A campanha levada a cabo pela Igreja católica é uma nódoa na face de um Estado que se pretende laico, e devia merecer o mesmo tratamento que hoje se dá aos que tentam impor aos Estados laicos as regras próprias da religião muçulmana.
Que os católicos decidam não usar o direito à interrupção voluntária da gravidez por opção da mulher até às dez semanas é um direito que lhes assiste. Mas que condicionem à sua crença religiosa as mulheres que o pretendam, sendo católicas ou não, é algo que não admito e que tem um nome: Fundamentalismo. Por isto, e apenas por isto, teria sido preferível ter votado a lei na Assembleia da República, eliminando o factor religioso da equação. Convém não esquecer o que aconteceu da última vez, quando as mesas de voto enchiam a cada fim de missa, enquanto os que não vão em missas aproveitavam o tempo para tudo menos para ir votar.

Em todo o caso, na improvável hipótese de o "sim" ganhar o referendo, não será de estranhar que a inauguração das clínicas onde este direito será assegurado às mulheres seja feita como é costume neste país: com a presença do sr. padre e da sua água benta. Vai uma aposta?

Rui Semblano
04 de Novembro de 2006

12 comentários:

  1. Rui, subscrevo completamente. A minha opinião relativamente a este assunto está espelhada no teu texto. Parabéns. Irrita-me a hipocrisia reinante neste país.
    Um Abraço,
    Nuno

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  2. Sou também a favor do direito de escolha, esse deve sempre prevalecer, apesar de detestar a ideia do aborto.

    Acredito que cada um deve ser responsável pelo que faz na "sua cama", e assumir as consequências daí resultantes, ergo, porventura uma criança.

    No entanto, haverá sempre quem tenha dinheiro e poder suficiente para abortar sem grandes riscos para a saúde. O problema reside nas mulheres que não têm outra hipótese senão correr graves riscos para abortarem o feto. Pelo equilíbrio, para que não seja apenas uma opção ao dispor dos mais ricos e poderosos, sou a favor do direito de escolha.

    Um abraço!

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  3. Amigo Rui,

    Espero sinceramente que o tempo não te venha a dar razão, espero que desta vez as pessoas se consciencializem que com lei ou sem ela o aborto continuará e não diminuirá, e esperemos que compreendam, que a grande mudança que o SIM trará, é o da saúde da mulher, que assim e sem barreiras sociais poderá ter acesso a uma prestação de cuidados de saúde que de contrário dificilmente teria, porque, como sabemos, quem tem dinheiro recorre à nossa vizinha Espanha e quem o não tem, fica-se pelos vão de escada e pela aguinha quente e, é por isso, pela tentativa de minorar as condições de risco de quem recorre à interrupção da gravidez que devemos votar SIM .

    Não tenho qualquer resíduo de dúvida, em escolher entre um embrião de 10 semanas e um ser humano de pleno direito e, para aqueles que de boa fé, acreditam nas mentiras que o NÃO panfletáriamente esgrime, e nas suas manipulações linguisticas, direi a titulo de esclarecimento:

    A actividade cerebral, só se manifesta a partir dos 120 dias, aquilo que o cortex emite às 10 semanas é a actividade eléctrica que qualquer planta emite e nunca ondas cerebrais que representem de alguma forma consciência.

    Leiam os livros de referência da especialidade, como o Electroencephalography: Basic Principles, Clinical Applications, and Related Fields, segundo o qual, e passo a citar:

    «An EEG involves measuring varying electrical potential across a dipole, or separated charges. To get scalp or surface potentials from the cortex requires three things: neurons, dendrites, and axons, with synapses between them. Since these requirements are not present in the human cortex before 19-24 weeks of gestation, it is not possible to record "brain waves" prior to 19-24 weeks.»


    Amigo Rui,

    congratulo-me por mais uma vez estarmos do mesmo lado, e, em especial, neste tão importante debate, o que, já começa a ser um hábito. Espero ter de alguma forma contribuído para algum esclarecimento daqueles que ainda procuram respostas.

    Grande abraço.

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  4. Outsider:
    Obrigado, Nuno.
    Esperemos que, desta vez, o voto seja expressivo e que as pessoas percebam que não podem demitir-se destes problemas, esperando que outros os resolvam por elas. É que, normalmente, os "outros" nada resolvem - e ainda pioram.

    Abraço,
    RS

    Monarca:
    O aborto só é uma opção fácil para quem é completamente inconsciente, mas nos momentos iniciais de uma gravidez (10 semanas são tempo mais que suficiente para tomar uma decisão consciente), a opção pela interrupção da gravidez é comparável ao uso de contraceptivos, no sentido que descrevi nesta entrada, claro. Usar o argumento de que esta lei vai permitir o aborto como método contraceptivo, porém, é uma desonestidade intelectual. Ninguém está a ver as mulheres a deixarem de usar contraceptivos para, alegremente, fazerem filas intermináveis à porta das clínicas e hospitais.

    Um resto de fim-de-semana majestoso, caro amigo!
    RS

    PiresF:
    Amigo Pires,
    O meu muito obrigado pela tua intervenção, que muito enriquece esta entrada.
    Foi o Espreitador que me decidiu a assumir agora a minha posição - estava a guardar-me para mais tarde. Foi lá que arranjei o "botão" pelo SIM que adorna esta entrada e que passa a figurar entre os "botões" d'A Sombra, na coluna da direita.

    Grande abraço,
    RS

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  5. Acho que se está a sobrestimar o bom senso das pessoas.

    Não digo que fosse usado como contraceptivo pela maioria das mulheres, mas existiria sempre quem o fizesse. Acho que é o preço a pagar por um pouco mais de decência.

    Afinal de contas, com cada solução, novos problemas.

    Abraço e bom fim de semana!

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  6. O Monarca
    Exactamente.
    Como agora existem mulheres que encaram o aborto de forma inconsciente, também no caso da despenalização existiriam situações problemáticas, a roçar o foro psiquiátrico, mas estou absolutamente convencido que para 99,9% das mulheres um aborto é uma opção limite e não é encarado como uma ida ao dentista.
    Além do mais, uma lei deste tipo exige um acompanhamento sério das mulheres que dela vão beneficiar, inclusivamente no aconselhamento de métodos contraceptivos e de planeamento familiar. Este é outro ângulo do problema sobre o qual não vejo o Estado a pronunciar-se. Mas sobre isto falarei mais adiante, n'A Sombra.

    Até breve e uma boa noite.
    RS

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  7. Caro Rui Semblano

    Não deixa de ser interessante ver esta temática a ser discutida pelos homens. Ainda não vi por aqui nenhuma mulher, nos comentários, digo.
    Como já deve saber eu sou contra e voto não e nenhuma das vossas argumentações, meus senhores, me convenceu. E nem é por ser fundamentalista...até porque conheço (verifico no dia a dia)poucas pessoas que sejam menos fundamentalistas do que eu.

    Uma boa tarde para si

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  8. Maite:
    E a primeira mulher que aqui comenta é contra a despenalização agora proposta em referendo, e não penso que seja por fundamentalismo, mas por firme convicção de que a vida não pode ser relativizada desta maneira.

    Cara Maite,
    A interrupção da gravidez não é nunca uma saída fácil, mas é mais fácil do que assumir consequências para as quais não se tem meios, não se tem apoios ou não se tem vontade.
    Se os meios existirem e os apoios existirem, a vontade poderá parecer irrelevante, comparada ao sacrifício de um ser em formação, que poderia assim viver.
    Mas não é.
    A vontade de ser mãe é o que transcende a mulher. Sem essa vontade, uma mulher grávida não é mãe. Mas não deixa de ser mulher. A sobreposição do direito de um feto (mesmo com dez semanas) ao da mulher que o tem dentro de si é um erro. E é também um erro pensar que essa relação não é alterada com o crescimento do feto. Claro que é. Mas, ainda assim, em pleno parto pode sacrificar-se a criança, caso a mãe esteja em perigo. Até ao nascimento, é a mulher que tem a primazia, embora, a partir das dez semanas, como agora é proposto, apenas em condições muito especiais.

    Existem inúmeros motivos para que uma mulher não deseje a gravidez, que vão de dificuldades económicas ao puro egoísmo, passando pela manutenção de carreiras profissionais que não se compadecem com a maternidade. Para isso existe o planeamento familiar e a contracepção. Esses motivos não têm nobreza ou maldade; são apenas motivos, íntimos, próprios de cada mulher. Nenhuma mulher deve ser obrigada a ter uma gravidez (e repare que não falo em filhos, mas em gravidez). Se as suas protecções falharem, o que lhe resta? Uma viagem a Espanha? Um vão de escada, como diz o Pires? A cadeia?

    Não estamos a falar de crianças por nascer. Estamos a falar de gravidez indesejada pela mulher. E se as duas coisas são iguais, então a mera toma da pílula contraceptiva deve ser um crime punido por lei. Ao menos assim não haveria hipocrisia. Mas será isso desejável?

    As escolhas que realmente importam nesta vida nunca são fáceis. Mas que existam é fundamental.

    Um abraço,
    RS

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  9. SIM!

    Pro-choice.

    Um abraço, Rui

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  10. Davi Reis:
    É o que está em causa.
    :)

    Abraço,
    RS

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  11. Para empatar, eis a segunda mulher a comentar e desta vez uma fervorosa defensora do sim. Assino por baixo de tudo o que escreveu e gostei, em particular, do facto de ter realçado algo que anda muito arredado da discussão - por pudor? - , a tal da líbido feminina. As primeiras vezes que escrevi sobre o assunto no "antro" de que faço parte tentei ser paciente, manter a discussão num bom "patamar de serenidade", contudo começo sinceramente a cansar-me de ver tanta gente a utilizar formas muito baixas de argumentação para defenderem aquilo que é, no fundo, a sua monumental arrogância em pretenderem impôr aos outros uma moral que esses tais outros não partilham. Ora bem, essa falta de pachorra faz com que cada vez mais me escorregue o pé para o chinelo e, nessas alturas, só me dá vontade de dizer "Só quem não fode é que não tem hipótese de se ver confrontado com uma gravidez indesejada". E é aqui que entra a tal da líbido, bien sure. Ah! Poupem-me, por favor, à conversa sobre irresponsabilidade, até ver nenhum método contraceptivo é 100%, não é verdade? E, aproveitando a embalagem, com o pudor que reina na maioria das casas portuguesas e os "ai jesus, credo que estão a mostrar pilas aos nossos anjinhos" que entravam o esforço de introduzir a educação sexual a sério nas escolas portuguesas, como é possível considerar que informação séria sobre contracepção está ao serviço de toda a gente? Bem, é melhor parar por aqui ou não acabarei nunca.

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  12. Eu quero que se possa escolher. Eu não quero que me obriguem a não escolher. Este é o centro da questão. Onde começa a vida? Onde começa a concepção? Quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha? Haverá vida no sistema solar? Estas discussões, muito interessantes para escrever colunas de opinião, divertem o povo e afastam-no da sua própria realidade. Eu quero que a filosofia se foda, a menos que pague o infantário do miúdo que há-de vir.

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