segunda-feira, dezembro 29, 2003

Professorices...


A propósito de um blog que descobri recentemente, feito por um docente a pensar nos problemas da docência, o Professorices, de João Vasconcelos Costa - a quem aproveito para agradecer a gentileza da colocação d'A Sombra entre as suas ligações -, aproveito para dedicar aos professores algumas palavras, em jeito de "fim de ano".

Dos professores que tive, muito poucos me merecem o tratamento de Mestres, aqueles cuja vocação para o ensino e o gosto de ensinar e, especialmente, de formar eram visíveis para além de qualquer dúvida. Era como se o respirassem numa manhã fria...
Desses, felizmente para mim, o mais excelente foi o meu professor da escola primária, então assim designada, que me acompanhou da primeira à quarta classe, na hoje ainda existente escola da Serra do Pilar, a dois passos da casa de meus pais. Chamava-se Valentim Ferreira Almeida, para mim (e para tantos outros) o professor Valentim.

O seu exemplo como mestre ficou marcado para sempre na minha memória e as suas lições de disciplina e método, o respeito que nos incutia pelo próximo, fosse ele o próprio professor ou o colega da carteira ao lado, e o rigor, o gosto e clareza com que nos passava os conhecimentos não seriam nunca esquecidos - nem ultrapassados.

Ao longo do tempo, verifiquei, consternado, como o nível de qualidade pedagógica dos docentes por quem fui passando diminuía à medida que aumentava o grau de ensino. Fiz todo o secundário num Colégio privado, o que me deu em academismo o que perdi em experiência de vida durante esses anos, ou melhor, o que me proporcionou uma experiência de vida muito diferente do comum estudante liceal. Pagaria mais tarde com uma inusitada rebeldia a "libertação" do rigoroso ambiente em que passei os que, ainda assim, vejo hoje como os melhores anos da minha vida. Dessa rebeldia resultaria um intervalo razoável entre o Secundário e a Universidade, mas isso são outras histórias.

Certo é que esse tempo "de espera" fez com que entrasse na Faculdade com uma maturidade diferente dos que transitam para a Universidade directamente; o que somado à educação clássica que tinha me deu uma capacidade de avaliação pedagógica que eles simplesmente não possuíam. Demais, o Secundário começava a estar saturado de professores "de ocasião" ou, pior, "de necessidade", pelo que os termos de comparação dos meus jovens colegas não eram nada de especial... Para mais, entrando a destempo, fi-lo percorrendo o longo caminho dos exames Ad-Hoc, que incluíam uma prova de Português mais os exames específicos ao curso que pretendia, estes orientados e avaliados por um júri de docentes que, em alguns casos, encontraria depois nas salas de aula. Foram dias de provas, da História da Arte ao Desenho Gráfico, da Geometria à Figura Humana. Algo que os meus colegas não precisariam de fazer para entrar e que, caso o necessitassem, impediria a maior parte de ter entrado, como depois constatei. Os bons resultados das minhas provas de acesso, assim obtidos, mais autoridade me davam para exigir o melhor dos que me ensinariam. Eu não precisava do curso, verdadeiramente, mas estava ali para aprender e, supostamente, com os "mestres". A desilusão foi imediata e demolidora.

Salvo raras e honrosas excepções, os docentes universitários que conheci deviam ser tudo menos professores, do ponto de vista estritamente pedagógico e não pondo nunca em causa a sua competência científica. O que me impressionou mais, foi o número de recém-licenciados que começava imediatamente a dar aulas, por vezes aos 4º e 5º anos! Num ano eram finalistas, no outro estavam a ensinar finalistas. Reconheço que pode acontecer semelhante coisa, em circunstâncias verdadeiramente excepcionais, mas não era o caso. Para mim, aliás, ser docente numa Faculdade implica um trajecto de ensino e uma experiência pedagógica prévios, por mínimos que sejam. Mas nada disso acontecia e, ao que vejo, nada disso acontece. A mediocridade derrotou a excelência em toda a linha, seguindo o trajecto inverso ao que experimentei; isto é, degradando o Ensino Superior, depois o Secundário e, finalmente, o Básico... É o pandemónio instituído, para mais com a benção do Estado, incapaz de pôr fim a esta situação.

Não é raro encontrar textos escritos por professores cheios de palavras como "próssimo" ou "assima". Os livros editados com anedotas sobre a sapiência dos nossos estudantes deviam dar mais vontade de chorar que de rir, pois muitos deles serão os professores dos nossos filhos. Até no recente "Ao correr da memória", de Diogo Freitas do Amaral, existe um episódio deste tipo, datado de 1984, em que um estudante universitário respondia por escrito à pergunta "Qual foi a Revolução que derrubou o Estado Novo?" da seguinte forma: "Foi a Revolução do 25 da Bril."
Onde estará a dar aulas este cromo?
Um parêntesis é aqui necessário para evidenciar a fraca qualidade da pergunta, pois o que aconteceu a 25 de Abril de 1974 foi um golpe de Estado e não uma revolução, mas dá-se o desconto dos meros dez anos volvidos sobre a ocorrência para justificar a forma como foi feita a questão - embora acredite que ainda hoje se ensine isto nas escolas...

A avaliação docente é extremamente necessária e poder-se-ia iniciar por aí mesmo, pela avaliação dos conhecimentos de Português falado e escrito. Tenho a sensação que metade dos docentes em actividade dariam a vaga. Depois viria a avaliação pedagógica - e esta é a mais complicada, pois exige uma fiscalização independente da própria escola e fiscais idóneos... A depender das próprias escolas, com o recente e escandaloso exemplo das colocações de última hora "a dedo", como podem os docentes confiar no processo? E como será o perfil do inspector? E como excluir ou diminuir o papel do número de alunos com sucesso na forma de avaliação? Uma equipa de inspectores é necessária, actuando em conjunto. Um grupo de pessoas é mais difícil de corromper que uma só, além de que ajuíza melhor.
De qualquer forma, é como as inspecções automóveis. Todos sabemos que existem casos de corrupção e que passam na inspecção alguns veículos que deveriam ir direitinho para a sucata, mas alegar que seria melhor não existir inspecção de todo é fraco argumento.

Olha; ponham a Maria José Morgado a controlar o processo de inspecção dos docentes e das escolas - pode ser que funcione!

Caros professores,

Se não têm vocação para dar aulas, ponham a mão na consciência e tentem arranjar a breve trecho uma ocupação menos prejudicial para o país. Eu sei que todos temos de comer, mas a continuar assim, estarão a impedir os meus filhos de comer um dia...
Quanto aos inconscientes, que são a maioria dos que nunca deveriam ser professores e ainda gozam com isso, façam de conta que não leram nada. Mesmo que tudo corra pelo pior, as hipóteses de irem parar a uma "sucata" não são tão poucas como isso. O que é uma boa notícia, apesar de tudo.

To be continued...
(ou como diria uma candidata a docente: "continuédê"...)

nota:
O Professorices passa a estar referenciado nos Links Completos d'A Sombra, sendo outro dos fortes candidatos a ligação permanente nesta página. Mérito já o tem, espaço é que não há muito. Fica a promessa de rever os blogs que actualmente fazem parte dos nossos Blog Links permanentes, à direita. Talvez haja surpresas em Janeiro!
Ao João Vasconcelos Costa, que não me parece um dos que anda a exercer uma profissão que não condiz consigo, um grande abraço!

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