A maioria esmagadora dos portugueses acredita que os protestos dos estudantes universitários se resumem ao pagamento das propinas. A partir daqui, qualquer semelhança da luta dos estudantes por uma Universidade melhor com a reivindicação do Ensino Superior público gratuito deixa de ser coincidência.
O erro da contestação, traduzido no grito antipropina, existe, mas não é um engano; trata-se de uma acção premeditada, apesar de mal pensada e executada. Os resultados serão os mesmos de anteriores lutas em que se usaram os mesmos expedientes e pretextos.
Por mais que alguns procurem defender o ponto de vista do estudante universitário carenciado como aquele que representa o estudante tipo do Ensino Superior público, alguns factos indesmentíveis tornam essa tese insustentável; a saber:
- A enorme quantidade de bolsas atribuídas a estudantes que não as chegam a levantar (o que testemunhei durante anos a fio...);
- A incrível percentagem de alunos que paga propinas e não põe os pés nas aulas durante o ano inteiro;
- O extraordinário número de automóveis que se acumulam nos parques das Faculdades e em seu torno, prova de que são o meio de transporte comum do universitário, não a excepção;
- O dinheiro gasto pelos universitários em actividades extracurriculares, mas ditas académicas, de índole recreativa ou "institucional", desde a aquisição do traje académico à frequência da Semana da Queima (para não falar nas actividades paralelas, relacionadas com o "mundo académico"...).
Não vou sequer adicionar a isto os "sinais exteriores de riqueza" ostentados por muitos deles (que, apesar de bem colocados entre aspas, são mais que suficientes para cobrir grande parte das despesas dos estudantes com os seus cursos - propinas incluídas).
A maioria esmagadora dos estudantes universitários (isto é, as suas famílias) pode pagar propinas. É evidente que, para a maioria das famílias, o pagamento destas propinas é um problema, mas precisamos ter em conta que muitas delas, apesar de ter um ou dois filhos na Universidade, está a comprar um sistema de "cinema em casa" em 96 suaves prestações mensais ou outra coisa do género... As famílias que, realmente, enfrentam graves dificuldades para sustentar os filhos que estudam no Ensino Superior público são mais do que seria desejável, mas continuam a ser a excepção, não a regra. A generalidade dos alunos do Superior não demonstra ter grandes necessidades de ajuda ou sofrer de sérias dificuldades económicas. Bem pelo contrário.
A não ser assim, o grito que surgiria na boca de cada estudante seria "não posso pagar!", expontâneo, genuíno. O "não pago!" é, portanto, um grito ideológico; isto é, podem pagar, mas não querem. Até aqui, tudo bem. É lógico que seja assim. Existem motivos de sobra para não pagar propinas, mas... nenhum deles tem a ver com a incapacidade de pagar propinas da maior parte das famílias dos estudantes.
E aqui reside o drama da "luta" estudantil. No fundamento ilegítimo e imoral que dão a uma reivindicação justa.
O real problema do Ensino Superior público não tem a ver com propinas, mas com a qualidade do mesmo. Quanto às propinas, uma mera alínea entre tantas que ilustram o problema, a questão não é pagar ou não, mas quem as pode pagar e quem não as pode pagar. É que os que, realmente, não as podem pagar, também não podem suportar os custos com material necessário ao estudo, com alimentação, com alojamento; e recordo que a maior parte dos estudantes economicamente desfavorecidos são os deslocados; os que estudam longe de casa.
Na realidade, o Estado deveria suportar na íntegra as despesas desses estudantes - enquanto estes o merecessem, naturalmente, através do aproveitamento e do enquadramento num sistema justo de prescrições. Que dinheiro gastaria o Estado para conseguir tal proeza? Muito menos que aquilo que parece. Bastaria acabar com a contabilidade criativa da Acção Social.
Comecemos pela própria propina, que deveria deixar de existir para estes casos. Um bolseiro deveria pagar propina zero. A sua Faculdade não deveria receber nada pela sua frequência, pois o Estado gastaria zero com as propinas deste aluno. É que, para os mais esquecidos, as propinas foram criadas, na actual perspectiva, para melhorar as condições das Universidades, não para fazer face a despesas correntes.
Se estamos a falar de um estabelecimento de ensino público, que sentido faz pagar-lhe com dinheiro público? Claro que os economistas têm dois mil cento e treze bons argumentos para justificar esta circulação de capital, entre as quais se conta o de muito dele se movimentar através de canais privados, mas, no fim de contas, o que se passa é idêntico a atribuirmos um subsídio de alimentação a um filho nosso para que este nos devolva o dinheiro para lhe comprarmos comida. É um dado estatístico que não existiria, caso o subsídio fosse aplicado directamente (não se materializando), mas nem estatisticamente isso parece sensato...
Alimentação? Para quê dinheiro? Criem-se melhores condições nas cantinas universitárias existentes e façam-se mais e melhores. Os bolseiros nunca deveriam pagar para comer nas cantinas da Universidade.
Alojamento? O mesmo, aplicado a uma rede de residências universitárias exclusiva de estudantes bolseiros. Ao que hoje existe, neste campo, chamar "rede" só pode ser uma piada de mau gosto...
O que resta? Pois resta a bolsa de estudo. Com o dinheiro que o Estado não gasta em propinas, alimentação e alojamento, os bolseiros poderiam dispor de uma verdadeira bolsa para cobrir os gastos com os seus cursos. A base da propina não paga serviria como ponto de partida, uma bolsa mínima, que poderia aumentar de acordo com os custos dos materiais e literatura de cada curso.
E os outros estudantes? Pois pagam.
Podem e devem pagar. Aos bolseiros, além de proporcionar condições idênticas de estudo aos que não têm essa necessidade, o Estado proporciona a possibilidade de melhorar o seu nível de vida. Aos não bolseiros, normalmente já detentores de um nível de vida médio, deverá o Estado proporcionar o quê, exactamente? A possibilidade de viver com um nível de vida alto?
Querem instituir bolsas de mérito? Que o façam apenas para alunos excepcionais, pois os outros mais não fazem que a sua obrigação e a recompensa da licenciatura é mais que suficiente.
O esforço do Estado deveria ir para o estabelecimento de uma verdadeira relação entre Universidade e empresas (incluindo as públicas), pela criação de um programa de emprego sólido em que os licenciados terão a opção de um emprego imediato, à saída da Universidade, com incentivos aos que optam por ele, trabalhando em Portugal, mas mais ainda para os que optam em servir o Estado, onde ganharão menos, mas poderão ter outras condições, nomeadamente no que toca à investigação.
Determinar tudo isto implica o controlo efectivo do sistema fiscal, imprescindível na identificação dos carenciados e na detecção de burlas; exige uma real Acção Social Escolar, que hoje é apenas uma plataforma de movimentação de capital com fins obscuros; ordena que se repense a Universidade, optimizando infra-estruturas e recursos humanos - a todos os níveis.
Antes disto feito, ninguém deveria pagar propinas.
Em suma, não devem os estudantes gritar "não pago!" e não podem gritar "não posso pagar!" O que devem fazer é uma pergunta apenas:
"Mas o que é que estou a pagar?!"
Qualquer outra atitude está condenada ao fracasso.