quinta-feira, setembro 04, 2003

À baioneta


José Pacheco Pereira (JPP) "volta ao Iraque" (Público, 04Set2003, p. 5, "Voltando ao Iraque") para assinar - outra vez - a certidão de óbito da ONU. Não posso deixar de a subscrever - outra vez. Como aqui escrevi, a ONU morreu - outra vez - com Sérgio Vieira de Mello.
Já se tornou evidente que as Nações Unidas serão irrelevantes enquanto os EUA persistirem na sua actual estratégia de Segurança Nacional, como definida publicamente por G. W. Bush em Setembro de 2002 (há um ano atrás):

"Hoje, a humanidade tem nas suas mãos a oportunidade de ampliar o triunfo da liberdade sobre os seus inimigos. Os Estados Unidos aceitam de bom grado a sua responsabilidade na liderança desta grandiosa missão."

(The National Security Strategy of the United States of America (versão integral), in New York Times, 20Set2002)

Pouco importa se tal responsabilidade é assumida unilateralmente, em total desrespeito pelo Direito internacional e desprezo pela ONU. JPP e muitos mais entendem que os EUA sabem o que é melhor para todos nós. E se cometem erros - e a ocupação do Iraque é um deles - temos de viver com isso, pois, como explica JPP, não existe alternativa. Entre os EUA "irresponsavelmente interventivos" e a ONU "responsavelmente ponderada", que venham os primeiros!

A vertigem da História, para JPP, não se compadece com pausas para reflexão ou atrasos para reunir consensos - é preciso avançar "e em força!"; avançar sempre, contra tudo e todos, nem que seja irreflectida e irresponsavelmente. Qualquer coisa é preferível a ficar parado - incluindo o uso de armas nucleares tácticas de baixa potência, como pretende o Governo norte-americano.

JPP coloca a lápide no túmulo da ONU com a afirmação:
"As Nações Unidas já não têm a capacidade política, nem a vontade, de defrontar os muito complexos problemas iraquianos (...)".
Mas os EUA têm ambas. Aliás, foi precisamente por os EUA terem relegado a ONU para plano "terciário" que a ONU as perdeu - é o que se subentende desta espantosa afirmação de JPP.
Pode ele dormir descansado. Algures no mundo, um marine norte-americano monta guarda à sua liberdade.

A manifesta relutância da Europa, ou de alguma Europa, em seguir de olhos fechados a "cavalgada heróica" dos EUA na sua "cruzada pela democratização do mundo" terá como resultado, segundo JPP, a explosão de autocarros "no meio de Paris ou Berlim". (Vá-se lá saber como estas cidades lhe ocorreram como exemplo!...)
E termina o insigne eurodeputado:
"Os americanos já não têm essas ilusões, porque os aviões do 11 de Setembro as resolveram de forma trágica."
Antes do 11 de Setembro de 2001, os EUA também, como a Europa de hoje, se mostravam "relutantes" em interferir nos assuntos internos de países terceiros, do modo que o fez, desde então, no Afeganistão e no Iraque. Por essa "inactividade e relutância" pagaram com o 11 de Setembro de 2001.
Se a Europa não começar já a agir "à americana", levando a "democracia" na ponta das baionetas aos "ignorantes do mundo árabe", o "nosso 11 de Setembro" há-de chegar!

Realmente, José Pacheco Pereira, só à baioneta...

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