sábado, outubro 18, 2003

O Futuro Tenso - parte 3



Pedro Mexia assina um ensaio intitulado "A cultura no futuro: algumas notas" na Grande Reportagem n. 150, de Setembro de 2003 (GR 150). Esta entrada é relativa a esse texto. No final, ligações às restantes entradas em Futuro Tenso.


Manifesto antipunk

“There will be a future”.
É o manifesto antipunk de Pedro Mexia.
A escolha da cultura como efeito da existência de um futuro, e de “uma certa cultura” como delimitação das suas reflexões - a das “classes médias, urbanas e ocidentais” (plural - sic). Um reflexo dos "sentimentos de um ocidental" sobre a cultura que o espera, portanto.
A partir daqui, o vazio.
Chama-lhe "algumas notas", mas poderiam ser imensas notas, não importaria - o nada é o que temos a esperar do futuro de Pedro Mexia, que apenas por coerência editorial desta série de entradas apelido de "tenso", pois melhor epíteto encontraria em "frouxo".

Porquê?
"Em termos civilizacionais, o Oriente, malgrado alguma ocidentalização, será sempre «outro mundo», com outras regras e lógicas, sobretudo na esfera islâmica. Em termos sociais (no Ocidente), a questão é menos clara, até por uma extensão um pouco mais imprecisa do conceito de «classe média», mas a categoria dos «excluídos», e dos excluídos da cultura, será ainda uma realidade no futuro, provavelmente em qualquer futuro." - escreve Pedro Mexia.

Não resisto a referir a foto do autor do ensaio, sob o título do mesmo, retratando um Pedro Mexia solidamente escorado numa estante metálica repleta de livros. Nela, como no axioma com que se inicia o corpo do seu ensaio - "a literatura não morrerá" - está a essência do cultural para Pedro Mexia.

Não tenho apreço algum pelos "guardiões da cultura ocidental" que se tomam por faróis da humanidade e lamentam que o resto do mundo (particularmente o islâmico) não tenha sido "ocidentalizado" (seja lá o que isso for...).
A cultura que Pedro Mexia guarda não é a minha. Chamar-lhe-ia mesmo anticultura. Aposto como não gostava nada de história comparada ou, pelo menos, da comparação de certa história, e que aprecia a metade de Landes que lhe diz respeito, escolhendo ignorar a outra por se tratar de "uma realidade que não conhece directamente".

E, depois disto, compreende-se perfeitamente que o tempo que gastou com Dostoievski não lhe tenha permitido um conhecimento profundo da percussão do Mali. Como ele afirma, não é humanamente possível conhecer tudo - há demasiada "oferta".
Talvez a diferença fundamental entre a cultura de Pedro Mexia e a minha seja a forma como encaramos as nossas respectivas estantes recheadas de livros - ele pensa acumular a cultura nas dele, eu sei que não é isso que acumulo nas minhas. Se um dia assinar um ensaio sobre o futuro da cultura e tiver de escolher um fundo para uma fotografia minha que ilustre o mesmo, escolherei um fundo de pessoas, não importa onde. À minha volta se encontrarão, assim, os veículos da cultura de que falarei. O resto é literatura.

Rui Semblano
Porto, 17 de Outubro de 2003


nota:
Pedro Mexia será dos que entendem que o Renascimento é um fenómeno "ocidental". Será um dos que, fechado no escuro da sua biblioteca, acende velas a Gutemberg, incapaz de ver a esplendorosa luz que um dia brilhou no al-Andalus... E, no seu íntimo, será um dos que deseja que tivesse chegado o tempo da "ocidentalização" do mundo; um mundo em que as luzes de Córdoba e de Granada nunca teriam brilhado e o "Oriente" não fosse mais que um obscuro e atalante mito.



Em Futuro Tenso:
parte 1 - A Murphy's sort of Law - José Pacheco Pereira
parte 2 - Os "rurbanos" - Gonçalo Ribeiro Telles
parte 3 - Manifesto antipunk - Pedro Mexia

Análise dos ensaios destes autores na
Grande Reportagem n. 150 - a última mensal

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