Gitmo.
O real espelho de uma "América"
que Alexis soube prever em 1835.
Falamos de Guantanamo, Cuba, USA.
Entrada actualizada abaixo. Já no regresso d'
A Sombra se falou do
Patriot Act (na entrada "
Acto Patriótico", que, a propósito, não é uma tradução do nome do decreto, mas português cristalino, que significa "acção patriótica", sendo uma ironia, e a semelhança com a sigla inglesa um mero trocadilho).
Desde o 11 de Setembro de 2001 (e não desde que G. W. Bush foi eleito para o primeiro mandato, como muitos pensam) que os EUA estão cheios de patriotas (sem aspas). Uns, acenando a Carta dos Direitos e a Constituição, afirmam que o governo está a cometer um atentado contra a liberdade dos cidadãos e os seus direitos; outros, em peregrinação ao
Ground Zero antes de partir para as "Neocruzadas", acusam os seus detractores de cegueira e irresponsabilidade perante tão grave ameaça à segurança da Nação, portanto de todos eles, uns e outros. Na entrada do local de trabalho de G. W. Bush como na entrada do seu local de recreio, os familiares dos mortos em combate "contra o Mal" acampam, dividindo-se nos mesmos dois grupos e, claro, acusando-se mutuamente de falta de patriotismo. A verdade talvez esteja entre os dois campos, como normalmente está, em tudo na vida.
O certo é que, no que diz respeito ao país a que, na Europa Ocidental, devemos a liberdade, pois à antiga URSS apenas a Europa Oriental deve alguma coisa (e não é a liberdade), muito mudou desde aquele dia de Junho, em 1944, mas não tanto como se julga. O sacrifício dos jovens norte-americanos na Normandia é conhecido de todos, mas quantos conhecem o sacrifício dos franceses que morreram sob as bombas dos Aliados na preparação dos desembarques? Entre ingleses, canadianos e norte-americanos, 10.300 baixas mortais; entre os civis franceses, 15.000 a 20.000 mortos, quase exclusivamente vítimas de "fogo amigo" vindo do céu.
Carta de Franklin D. Roosevelt a Winston Churchill, sobre os bombardeamentos de preparação para o Dia D, 11 de Maio de 1944:
Partilho consigo inteiramente a preocupação face às vítimas mortais entre a população francesa. Por mais lamentável que seja a estimativa de perdas civis, não estou preparado para impor, a esta distância, qualquer tipo de restrição ao curso de acção militar decidido pelos comandantes responsáveis no terreno que, em sua opinião, possa contribuir para o insucesso da operação Overlord ou causar baixas adicionais às forças aliadas envolvidas na invasão.4 de Janeiro de 2006. Ontem. Jornal
Público, sobre o Iraque:
Catorze membros de uma família morreram num bombardeamento norte-americano numa casa em Baiji, 200 quilómetros a norte de Bagdad, disse ontem um iraquiano, responsável de um grupo de ligação entre forças dos EUA e do Iraque. Segundo testemunhas citadas pelas agências e pela BBC, oito corpos já tinham sido retirados dos destroços: os de um rapaz de 9 anos, uma rapariga de 11, três mulheres e três homens. O Exército dos EUA alegou ter atacado depois de três suspeitos de colocarem bombas de estrada terem sido vistos a entrar na casa.
Passando sobre aquilo que os espíritos mais simples considerarão ser um disparate proporcional entre os dois casos, o cerne da questão é que, já em 1944, em especial para os EUA (mas não só), o papel dos militares não era o de proteger os civis, mas antes era aos civis que cabia a defesa dos militares (para que estes os defendessem, naturalmente). Como hoje.
Esta perversão do que deve ser um militar está na génese de
Gitmo.
Guantanamo é apenas um de muitos locais onde estão aprisionados suspeitos de actividades não só terroristas como subversivas (o que, dependendo da latitude que se der a "subversivas", pode ser dar um copo de água a um vizinho de Bin Laden ou atirar um seixo contra um Bradley...). Um destes suspeitos, que não foi enviado para Cuba, mas para um outro
Gitmo qualquer, é um indivíduo "perigoso" de nome Khaled al-Masri. Só o nome já assusta. Este suspeito pretendia entrar na Macedónia quando foi apanhado pelas "autoridades" e enviado para o Afeganistão, num daqueles voos que não existem ou que, a existirem, pelo menos nunca passaram pela Europa Ocidental. Já devem ter ouvido falar deste suspeito. Não é iraquiano, mas alemão. Esteve retido sem direito a ajuda jurídica ou qualquer outra durante cinco meses, em 2004, sendo depois libertado com uma palmadinha nas costas. Hoje, tem a correr um processo contra a CIA por rapto e tortura contra a sua pessoa. Afinal, apesar do nome, não era um terrorista. Era só um tipo qualquer, que pareceu a alguém ser um terrorista e que, por esse simples facto, perdeu cinco meses de vida (para não falar dos abusos físicos que estão por provar).
Mas isto só é válido para os EUA. Pobre do estrangeiro que suspeitar que um cidadão norte-americano é parecido com um criminoso e mais pobre ainda se decidir prendê-lo e julgá-lo! Um batalhão de comandos de negro vai saltar do nada e seja na Holanda ou onde for, abrir-lhe-á a porta da cela, com um familiar: "US Rangers, Sir. We're here to take you home."
Gitmo é o expoente máximo do desrespeito que os EUA têm pelo resto do mundo, da ONU a Kyoto, passando pelo TPI. De facto, o que Tocqueville previu como real perigo está a acontecer. A "democracia na América" é hoje não apenas uma fantochada, mas sobretudo um monstro.
E insaciável.
Rui Semblano
Outros factos de 2005, n'A Sombra:Factos de 2005 - VI - Nuclear? Depende, obrigado.Factos de 2005 - V - Paris já está a arder?Factos de 2005 - IV - Have a smoke...Factos de 2005 - III - Gitmo Factos de 2005 - II - Superpotência e PrepotênciaFactos de 2005 - I - Dresden 13.02.1945
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