quarta-feira, fevereiro 11, 2004

I love you just the way you are...


É inacreditável, mas esperado.
Agora que ficou demonstrado que não havia qualquer perigo eminente que justificasse a invasão do Iraque e que a memória ainda fresca dos piores anos de Saddam Hussein impedem que a desculpa dos direitos humanos seja invocada em sua substituição de forma credível (nessa altura, Washington e Londres suportavam o esforço de guerra iraquiano), devemos ser condescendentes com os governantes que nos atiraram para um conflito a que a ONU não deu o aval. Devemos condescender porque não nos mentiram ao afirmar que o Iraque possuía armas de destruição em massa prontas a usar, pouco importa se em 45 minutos ou em 45 dias. Não nos mentiram porque foram enganados.

Os culpados, dizem-nos, são as fontes que lhes forneceram informações falsas por verdadeiras e essas fontes são os serviços secretos norte-americanos e britânicos, pois têm obrigação de verificar as informações que obtêm e não podem, portanto, atirar a culpa para as fontes originais (sejam lá quais forem...).
A isto se chama atirar areia para os nossos olhos.
É que, se bem se lembram - e os próprios responsáveis dos serviços de informações dos EUA e do Reino Unido já o reafirmaram -, os serviços secretos norte-americanos e ingleses sempre afirmaram que não possuíam dados relevantes sobre a presença de ADM's no Iraque. Sempre que lhes perguntaram, claro. Os relatórios que Colin Powell e Tony Blair apresentaram eram baseados nessas informações, sempre consideradas exageradas por Hans Blix, que pretendia tempo para as confirmar.

Agora sabemos porque não lhe deram tempo.

Mas condescendamos; condescendamos...
Admitamos que os serviços secretos dos Estados Unidos e do Reino Unido nunca aconselharam prudência e contenção aos seus governantes e que nunca foram pressionados para "espevitar" os meros indícios ou pistas, transformando-os em provas (as tais que Durão Barroso afirmou ter visto com aqueles olhinhos que a terra há-de comer...); que fabricaram do nada a tese dos 45 minutos (RU) e a dos camiões-fábrica de armas químicas e biológicas (EUA), por exemplo. Admitamos que foi assim.
O facto de nos terem dito uma mentira convencidos de que esta era verdade diz-nos o quê sobre estes homens, cada um dos quais com poder para desencadear um ataque nuclear, com base nas informações de que dispõem?

Pobres W. Bush e T. Blair... Afinal, como diria José Manuel Fernandes, não são mentirosos, são apenas estúpidos. Já podemos estar mais descansados. É que começar uma guerra com uma mentira é criminoso, mas fazê-lo por estupidez é perfeitamente aceitável.

Que os países como Portugal, sem meios suficientes para verificar as informações desta natureza que lhes são apresentadas, tenham confiado em dois aliados tradicionais e amigos de longa data, ainda se compreende - embora hoje fosse de esperar alguma indignação, mas não; nadinha -, mas já não se compreende que os responsáveis pelas informações tenham sido enganados a tal ponto pelas suas fontes que transmitiram uma ideia totalmente errada aos seus Governos. Isso é o equivalente a passar um atestado de estupidez à CIA e ao MI5, mas afirmar que essa é a desculpa para justificar a guerra mais injustificável desde a invasão da Polónia, em 1939, é um atentado à inteligência de qualquer um.

Mas se pensarmos, concretamente, na reacção da sociedade portuguesa - e dos seus políticos - a este escândalo, talvez não seja um atentado significativo. Se calhar, para a maioria dos portugueses, a idiotice "Enganos não são mentiras" até é capaz de colar. A mim, desde o princípio, nunca me enrolaram, mas, também, quando fiz o 9º ano tive de passar nos exames para aceder ao 10º. Sou uma espécie em vias de extinção. Acho que não conto para a estatística.
Talvez para a National Geographic, quem sabe...


Rui Semblano
Porto, 1 de Fevereiro de 2004

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