Claro que o Estado Social tem defeitos mas, como os próprios neoliberais se fartam de dizer acerca da democracia, permanece o menos mau dos sistemas. É na sociedade tal como a concebemos, e não como é concebida pelos teóricos, que reside a razão de ser do Estado Social; isto é, a sociedade de que somos parte só funciona com um forte Estado Social.
Se existe algo que é indiscutível nesta sociedade, é o conjunto de valores liberais que se construiu ao longo do último século, quase todos de carácter individual, mas com reflexo imediato e incisivo nos valores do colectivo. E se lhes chamo liberais é porque o são e sempre foram. O neoliberalismo é tão parecido com o liberalismo como o nazismo era parecido com o socialismo. Por isso nunca o trato de outro modo e acho piada à quantidade de pessoas (e blogs, já agora) que se intitulam "liberais" quando, de facto, são retratos acabados do que o demi-monde tem de mais conservador.
Esses valores, ao contrário do que alguns nos querem fazer crer, não colidem com o Estado; aliás, enquanto caracterizadores da natureza do indivíduo, são mesmo os pilares em que o Estado assenta. Falo, entre muitos outros, de propriedade, de comunidade, de partilha, de necessidade, de poder, de equilíbrio. A este propósito (e nem de propósito!), Ralf Dahrendorf opinava sobre "desigualdade e descontentamento", no Público de ontem, 21 de Janeiro.
"(...) A exclusão social e o poder individualizado através da riqueza são sempre inaceitáveis. Mas, se queremos a liberdade, então as desigualdades sociais e económicas são um preço legítimo e necessário que temos de pagar por ela. (...)" - escreve Dahrendorf.
O que me parece aborrecer seriamente os neoliberais, como aliás me aborrece a mim profundamente, é a "igualdade" tão querida ao sector mais teimoso da "Esquerda". É certo que, como afirmam tão claramente os franceses como os norte-americanos, a igualdade de direitos e oportunidades é fundamental, mas partir daqui para a "tendência para a igualdade", em que "igualdade" é entendida no seu sentido lato, aplicada a tudo e todos, nem é inteligente nem faz sentido nenhum.
A diferença entre um ultraliberal, um liberal e um neoliberal é que o ultraliberal considera que todos temos direito ao Ensino Superior Público, o liberal pensa que todos temos direito à oportunidade de ingressar no Ensino Superior Público e o neoliberal pensa que o Ensino Superior Público não devia existir.
Ralf Dahrendorf, apesar de tudo, ainda considera que "(...) as desigualdades existem porque isso é um factor de esperança para muitos sobre aquilo que eles próprios podem conseguir com habilidade e com sorte - ou, talvez, apenas com sorte (...)", mas, quer para os ultra como para os neoliberais, a habilidade não é um factor (para nem falar da sorte, aliás uma ironia - espero eu - de Dahrendorf).
Enquanto que, para os ultraliberais, a inscrição na Universidade devia ser feita junto com o registo de nascimento, para os neoliberais a capacidade económica dos indivíduos é o factor determinante no acesso à mesma, enquanto demonstrativo da capacidade de integração e sucesso no seu esquema social (embora "social" seja aqui algo eufemisticamente hiperbólico...).
À conjugação dos interesses da parte com os do todo, e vice-versa, chama-se sociedade. Por este motivo, o Estado Social é feito de vícios e virtudes de privados. Nem Camões ousou projectar numa figura só todo um povo. Lenine tentou. Hitler e Stalin tentaram outra coisa.
Ainda hoje, há quem tenha novos e radicais sonhos de uma sociedade mais "evoluída", mas tudo o que desequilibre os pratos da balança, para qualquer dos lados, nada mais é que sociopatia. Quase nunca assumida, diga-se; de onde o tal esquecimento sistemático dos prefixos...
A ver se passa.
RS
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