terça-feira, janeiro 24, 2006

Filosofando



"Quem nesta sala tem cartão de crédito?" (1)


Para concretizar a questão (tentando não a eternizar), tomemos o caso da Filosofia.
Se a razão de ser do ensino superior da filosofia é a manutenção do quadro docente das respectivas faculdades do Ensino Superior Público (ESP), está muito mal. Acredito que assim seja, infelizmente. Venho de uma faculdade onde se passa o mesmo em relação a algumas das suas cadeiras, mas adiante.

Que assim seja não significa que não devia existir o curso em causa, nem nada nos garante que o sector privado esteja mais apto a desenvolver o ensino do mesmo. Tendo em conta a saída profissional da Filosofia, o mais certo era que o sector privado nem lhe tocasse - por muito que outras áreas de ensino pudessem cobrir as despesas com este tipo de filantropia, ela nunca será objecto de outro interesse privado que a fuga aos impostos.

Que existam Universidades privadas que são consideradas o padrão máximo do ensino nas suas áreas é óptimo. O que é mau é que o Estado não tenha por princípio basilar a excelência em qualquer dos níveis de ensino que ministra.
Usar a constatação do facto mencionado acima para argumentar a favor do fim do ESP é que não colhe, pelo simples facto de ser o Ensino uma pedra de toque do Estado, na medida em que possibilita aos seus cidadãos o acesso a todas as áreas do conhecimento; todas, e não apenas as mais rentáveis, as de maior saída profissional ou as da moda.

Como todos os serviços prestados pelo Estado, na perspectiva do Estado Social, da Saúde à Defesa, da Energia à conservação do património e ambiente, o Ensino não depende de interesses individuais e destina-se ao benefício de todos. A forma como este serviço é prestado não é indiferente porque nenhum empresário no seu perfeito juízo permitirá ao Estado ou a quem quer que seja determinar a sua área de intervenção, o que, no entanto, é diferente da imposição das regras do jogo, mais conhecidas por "leis".

Como quase todos os sectores essenciais que referi, o Ensino, por si mesmo, não gera outra riqueza que a potencial, a ser concretizada individualmente pelos seus beneficiários em qualquer área que escolham, privada ou pública, no que se conhece por nível de vida (em todas as vertentes: cultural, económica, profissional, etc.). É um investimento verdadeiramente desinteressado do ponto de vista do lucro imediato.

Se estabelecermos um paralelo com o ambiente, é fácil perceber como é estúpida a assimilação dos valores empresariais privados pelo Estado; basta ver quanto tempo demoram a crescer um eucalipto, um pinheiro e uma oliveira ou um sobreiro.
Nas áreas de interesse público, apenas o Estado pode garantir a continuidade de um padrão elevado de serviço, pois a maioria delas não deve, nem pode, ter por objectivo a rentabilidade directa e, muito menos, imediata ou a curto prazo.

Por esta razão, a combinação dos sectores públicos e privados é essencial, mantendo em cada um dos campos o que lhe é devido. Como em tudo o mais, a promiscuidade entre sectores é nociva, a complementaridade é benéfica.
Resulta daqui, portanto, que não é uma questão de atribuição de tarefas, mas antes de execução das mesmas. E voltamos às pessoas, aos seus interesses e aos seus anseios. Por mim, nem gostaria de ter um Ferrari no meio do lixo, nem de possuir uma ilha paradisíaca à custa do entulho que deixei para trás. Mas ainda há muita gente que não se importa de viver à grande e à francesa no meio da miséria ou que, para iludir a sua consciência, consegue viver luxuosamente longe da pobreza que criou.

Chacun à son goût... comme à son mettier.

No seguimento das entradas:
Acquisto, ma non troppo!... e Universalidades

(1) Pergunta de um insigne docente da FBAUP aos alunos, numa aula de apresentação.

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