A chegada do
Barnabé à Blogosfera tem merecido a atenção de variados blogs e, agora, merece a nossa, já iniciada com
a entrada de Fabien, mais abaixo. Avessos que somos a contagens de espingardas ("canhotas" ou "direitas"), aqui deixamos um abraço de boas vindas (embora tardio) aos "Barnabés". Em boa hora - e não por serem assumidamente "de esquerda", mas pela mais valia que, do pouco que conhecemos, trarão a este universo; pelo que trarão de enriquecedor, no sentido lato de liberal.
E agora, a minha primeira "turra" (em "linguagem felina"):
Não direi os "Barnabés", embora seja natural, do que conheço deles, assumir que partilham a mesma opinião, mas pelo menos o Daniel Oliveira advoga o equilíbrio da política internacional apoiado em outros meios que os militares (ver "
Europa, uma potência?", no
Barnabé).
Estou plenamente de acordo que assim deveria ser.
A diplomacia deverá encarregar-se de repor o equilíbrio e a ordem no sistema político mundial. Além de refrear os ímpetos pseudo-imperialistas de algumas nações (os EUA são o caso mais flagrante e preocupante, mas existem candidatos a "mini-imperadores" em quase todos os cantos da Terra), a diplomacia deve impor o respeito pelo Direito internacional e arbitrar e julgar as inevitáveis tendências desviantes da globalização, eliminando o "Neo" e retomando o "liberalismo" no verdadeiro sentido, retirando o excessivo interesse de alguns em favorecer os países ricos, que sempre irão lucrar mais do que os pobres - numa fase inicial - com qualquer modelo de globalização. Entre muitas outras coisas, a diplomacia deverá solucionar estes conflitos de interesses, interferindo nos respectivos processos, seja qual for o campo em que se desenrolem.
Os problemas encontrados pela diplomacia nestas áreas, e ao falar em diplomacia a este nível é da ONU que falamos, estão nas acções que dela são exigidas e que atrás menciono, com destaque para as de "repor", "refrear" e "impor".
Isto porque o ser-humano é muito mais que imperfeito; é torpe, mesquinho, egoísta e, sobretudo, essencialmente malévolo. É esta a nossa natureza - e, desde logo, a minha e a dos "Barnabés", por mais que a reneguem com o máximo de sinceridade, afirmando a sua civilidade e bom senso. Tretas.
Nas condições certas, qualquer ser-humano é tentado a ser Deus.
O que nos impede de sermos assim, todos terríveis, uns para os outros?
A educação, em primeiro lugar, quando é bem dada, pois aqui ou nos confins da Galáxia, religiões à parte, deve ser baseada no respeito pelo outro como condição de se ser respeitado. Mas as educações variam (e "avariam") e, ainda que todos fossemos bem formados, os "feitios" também. Não existem duas personalidades iguais, mas existe um mínimo denominador comum a todos os seres-humanos: o egoísmo. No outro extremo, já não comum a todos, encontrar-se-á o amor, talvez.
Em condições normais, do quotidiano, o que impede o meu vizinho de colocar o seu lixo à minha porta? Duas coisas: a sua boa educação e, no caso desta não existir, a minha "cara de poucos amigos" (as pessoas acham que tenho "cara de poucos amigos"... é a minha sina).
Um vizinho meu poderá ser muito mal educado, mas quando olha para a minha porta, com o saco do lixo na mão, e se recorda da minha cara e do que ela pode significar, pensará que o melhor será dar mais uns passos e colocar o lixo no seu devido lugar.
O mundo é feito de vizinhos; uns bem educados, outros nem por isso. Aos bem educados serve a diplomacia, aos que não o são, não.
Nada nos garante, aliás, que um vizinho outrora civilizado mude de atitude, transformando-se num meliante - e pouco importa se foi por causa da esposa, do patrão ou de outro vizinho - se o deixarem, ele vai infernizar a vida dos que nele depositaram a sua confiança, anteriormente. Se sentir que o pode fazer, passará por cima de tudo e todos para conseguir o que quer (seja lá o que isso for) e melhor o conseguirá se puder abusar dessa confiança dos tempos de "bom vizinho".
Existem muitos "maus vizinhos" neste mundo. Sempre existiram. Neste momento, o pior de todos eles chama-se Estados Unidos da América. E é o pior porque tem todas as razões e os meios para ser o melhor vizinho de sempre, mas usa-as de forma menor, transformando-as em instrumentos de discórdia e deixando-se
embriagar pela soberba. A humildade nada acrescenta aos fracos, pois é sua condição. Apenas aos fortes ela assenta como o coroar da magnanimidade e da sabedoria.
O Daniel Oliveira parece-me ser um verdadeiro pacifista, no sentido que uma vez o
Adeodato se referiu a mim. Não o sou. Manifestei-me publicamente contra a invasão do Iraque (quem sabe ao lado do Daniel), mas não contra "a guerra". Compreendo e respeito a atitude, mas nela residem perigos graves e, por isso, não a defendo. Porque ser contra a guerra, em si mesma, implica ser contra os exércitos, contra o serviço militar, contra o investimento na Defesa (que, n'A Sombra, sempre será apenas e só a Defesa), contra todo o tipo de violência, seja porque motivo for. Talvez a diferença entre a postura de um verdadeiro pacifista e a minha seja que ele vê em Ghandi a libertação da Índia e eu vejo a criação do Paquistão.
O ser-humano não é um anjo azul, nem cor de rosa. O ser-humano é um demónio negro mal contido por uma ou duas (por vezes três) camadas de envernizada civilidade. Confrontados com a morte, com a oportunidade de subir na vida (seja de que modo for) ou, de um modo geral, com uma situação limite em que se tem de escolher entre "eu" ou "o outro", principalmente se este outro for anónimo, poucos seres-humanos revelam... humanidade.
O
11 de Setembro de 2001 revelou o que de melhor existe em nós, através do sacrifício dos que deram a vida tentando salvar completos desconhecidos, mas temos que ser realistas. Foi uma excepção, como o foram outras poucas, no meio do turbilhão de egoísmo e barbaridade que antecedeu e que se seguiu a esse momento.
Imaginemos isto:
Que os EUA não têm ambições imperiais; que não querem a supremacia económica e financeira; que as suas forças armadas são apenas razoáveis e aptas à sua defesa ou nem isso; que são os primeiros a apoiar a ONU e a defender o Direito internacional; que ratificaram Kyoto e o TPI e implementam ambos mais a não proliferação de armas nucleares.
Imaginemos agora:
Que o presidente "desses" Estados Unidos pede a Israel para alterar a política que vem seguindo para os territórios ocupados desde 1967 e regresse às suas fronteiras como definido pela ONU.
E, nesse caso, não precisamos de imaginar:
O Knesset em peso a rir à gargalhada durante semanas...
Dada a natureza humana, a diplomacia será sempre apoiada em relações de força - económica e militar (garante da primeira, não esqueçamos).
Pensar o contrário é compreensível, é um desejo bonito, é sinónimo de tolerância e maturidade moral, é simpático... e é irresponsavelmente perigoso.
Durante as conferências que decorreram este ano na Cooperativa Árvore, sob o título "O desconserto no Mundo", tive oportunidade de confrontar o professor Adriano Moreira (15Mai2003) com uma questão que agora escolho para fazer ao Daniel Oliveira (e a outros dos "Barnabés" que queiram responder-lhe, naturalmente):
Acha bem que sejam os EUA, ou qualquer outro terceiro, a garantir a segurança da União Europeia? Não acha que a União Europeia deveria ser capaz de se defender sem depender de terceiros? E continuando a depender de terceiros para esse fim, não acha que não faz sentido falar de soberanias dos Estados da UE, que tendem para a soberania da própria UE nas suas questões internas?
Após receber notícias do
Barnabé, revelarei as mesmas junto com a resposta que mereceram de Adriano Moreira.
Ao
Daniel e a todos no
Barnabé um abraço.
Pel'A Sombra,
Rui Semblano
nota:
A entrada de Fabien, que menciono acima, peca por excessiva paixão, um defeito que revela na análise dos textos ditos "de esquerda" e que em mim se revela mais na análise dos ditos "de direita" (que o diga o
Pedro Mexia...).
Foi, no entanto, graças a ela que descobri o Barnabé e a entrada que ele refere e que motivou esta da minha parte. (Espero não iniciar uma nova metapolémica sombria com FJ)...