quarta-feira, janeiro 11, 2006

Até à morte.

Estava eu, com o inevitável café de depois de almoço, a ler o meu jornal descansado (acho que ia na página onde Francisco José Viegas explicava por que terá melhor sorte que Clara Ferreira Alves), quando alguém entra e, dirigindo-se a um dos presentes, exclama: "Dia 22 lá estamos!"
Fiquei atento. Afinal, isto é a democracia em acção; a luta contra a abstenção; a participação na construção do futuro e essas coisas que gosto de pensar ainda existem, algures.
Mas eis que o interpelado responde, e foi aí que voltei à realidade.
"Para votar Cavaco!" exclama, por seu turno, todo inchado, e remata "PSD até à morte!"
Pronto. Estragaram-me a tarde.

Foi quanto bastou para me recordar a quantidade de gente que, durante esta campanha, afirmou ser de um partido político qualquer "até à morte". E é ver os sorrisos dos candidatos, quando algum adepto lhes atira à cara um "Vou votar em si, sou XPTO até à morte!"; nessas alturas devem dizer para os seus botões: "Mais um otário com quem posso contar." E pensam muito bem.

Que exista gente que "é" de um clube desportivo até à morte (e eu sou um deles), ou que "é" de alguém até à morte, ou que se sente português até à morte (para além do óbvio), ainda vá lá; são sentimentos irracionais, que têm mais a ver com amor do que com escolha. Agora... PSD? PS? BE? Qualquer um deles?... Ser "disso" até à morte? Mas é assim o povinho - mesmo o supostamente mais culto (embora mitologicamente falando, claro), que se acorrenta a insondáveis e místicas disciplinas partidárias, voluntária e conscientemente. "Até à morte"...

A morte, de facto, deveria fascinar ainda mais certas franjas da nossa sociedade. Pena é que o tal dito seja uma frase desprovida de qualquer conteúdo, mas basta a sua forma para nos preocupar.
A minha única esperança é que chegue rápido o dia em que o cheque da Segurança Social vai deixar de estar no correio. Nesse dia, a bem ou a mal e para o bem ou para o mal, mudaremos. Há quem tenha pesadelos com esse dia. Eu sonho com ele.
Sonharei com ele até à morte.

Entretanto, o café arrefeceu.
Não o tomei, não pedi outra coisa, paguei a conta,
E vim passear para toda a rua. *

RS

* Com a satisfação d'A Sombra pelo fado de FJV. Bom vento, meu caro.

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