segunda-feira, janeiro 09, 2006

Factos de 2005 - V - Paris já está a arder?


Nos subúrbios de Paris e outras cidades francesas, grupos de jovens
transformam a noite num inferno durante vários dias.
A 8 de Novembro de 2005, é imposto um regime
de excepção esquecido há 50 anos... C'est le bordel, quoi.

Entrada actualizada abaixo. Posted by Picasa

Tudo começou com a morte de dois miúdos de ascendência árabe, mas poderia ter começado de qualquer outro modo, apesar de, vezes sem conta, este catalisador (ou acelerador?) ter sido mencionado por toda a gente como a causa primeira dos distúrbios.
O que realmente interessa, é como foi possível chegar até aqui e como é fácil que tal suceda; não só em França, mas em todos os países da Europa Ocidental que têm grande percentagem de imigrantes.

O ênfase dado aos imigrantes de ascendência árabe é, em si mesmo, fonte de contradição. Ou são imigrantes árabes ou são nacionais de ascendência árabe. Esta é uma das razões de ser do problema; a incapacidade de integração dos descendentes dos imigrantes, erradamente chamados de imigrantes de "segunda geração" ou "terceira geração". Não existe tal coisa.

Eu sou casado com uma francesa - não consigo ver de outra forma alguém que nasceu, foi criada e educada em França e só veio para Portugal com vinte e um anos, tendo de aprender a falar e escrever português para frequentar a Universidade neste país, apesar de ter naturalidade portuguesa e ser filha de portugueses que emigraram para os Vosges.

No que toca à comunidade portuguesa, em França, a sua integração conseguiu-se de forma pacífica, mas árdua e com muitas tristezas. A forma de ser dos portugueses desperta ainda o ciúme dos franceses pela sua capacidade de trabalho e entrega, motivos bem diversos dos que desde sempre os antagoniza aos imigrantes árabes. No fundo, os mesmos que por cá antagonizam os portugueses aos imigrantes indianos e africanos, vindos do antigo império.

Cá, como lá, que sentido faz falar ainda desses imigrantes quando, na realidade, se fala dos seus filhos e dos seus netos? Ainda chamamos "cabo-verdianos" aos bisnetos dos que para cá imigraram nos anos setenta e oitenta. Os franceses ainda chamam "árabes" aos bisnetos dos que deixaram a Argélia nos anos sessenta e setenta para viver em França. Contra isto, não há políticas de integração que resultem, e estão criadas as condições para encher de pólvora o barril que, um dia, explodirá sem se saber ao certo porquê. Mas não bastam estas razões, enraizadas nas sociedades que supostamente deviam acolher os imigrantes e integrar plenamente os seus filhos.

Ao emigrar para França, os portugueses não criaram raízes nos bairros onde se acumulavam durante os primeiros anos. A procura de um melhor nível de vida, o desejo de um futuro melhor para os seus filhos e, não menos importante, uma cultura europeia inerente (por pouca que fosse), fez com que os seus filhos, na maior parte, crescessem já em outros ambientes, se integrassem plenamente, depressa falando melhor francês que os pais e, muito importante, adoptando de forma natural a cultura francesa como sua.
É por tudo isto que ainda hoje vejo a minha esposa como francesa. Apesar de já cá estar há doze anos, continua a falar melhor francês que português - e a pensar em francês.

Já o mesmo não se pode dizer das comunidades árabes em França; algumas, verdadeiros bastiões de cultura islâmica, para o bem e para o mal, onde miúdos falam melhor francês que árabe (alguns nem falam árabe, excepto os versos decorados do Corão, se os souberem), mas onde o orgulho árabe é exacerbado pelos mais velhos, marinado por anos de discriminações e insultos, que começam pela aversão que lhes é demonstrada sem pudor ao anunciarem o nome que os pais lhes deram.

Talvez estas comunidades islâmicas, tendencialmente fechadas a mudanças, sejam em grande parte culpadas pela exclusão que hoje sofrem, mas de nada ajuda à abertura das mesmas a careta que faz a senhora de tez clara e sardenta que está ao balcão quando é, nitidamente, forçada a atender alguém cuja tez é escura e cujo nome é Mohammed ou Ali, e menos ainda as portas de possíveis empregos que se fecham à mera pronúncia desses mesmos nomes...

Agora, quem apela ao fim das quotas de imigração e das fronteiras, com base em princípios de igualdade e fraternidade e nobres sentimentos contra a xenofobia, está consciente ou estupidamente a contribuir para o encher do barril de pólvora; quem sabe, alguns deles, na esperança que expluda um dia.

Ninguém é obrigado a nada.
A igualdade total é um mito perigoso.
A tolerância cega é o cancro da evolução.
Sejam exigentes. Sejam diferentes. Não tolerem os medíocres.
E tirem as palas dos olhos.
As utopias existem para o serem.

RS

Outros factos de 2005, n'A Sombra:
Factos de 2005 - VI - Nuclear? Depende, obrigado.
Factos de 2005 - V - Paris já está a arder?
Factos de 2005 - IV - Have a smoke...
Factos de 2005 - III - Gitmo
Factos de 2005 - II - Superpotência e Prepotência
Factos de 2005 - I - Dresden 13.02.1945

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