quinta-feira, outubro 09, 2003

Apaches e Falcões


Sobre a recusa de alguns pilotos da Heyl Ha'Avir (Força Aérea Israelita) de participar em missões de retaliação sobre os territórios ocupados da Cisjordânia e de Gaza, sabe-se hoje a identidade de um dos principais signatários dessa acção:
Yiftah Spector, hoje General na reserva, instrutor da Heyl Ha'Avir. Spector é um dos meus heróis; como amante da aviação, não podia deixar de o ser (ver entrada "Um Kuffiyeh longe de mais... ", n'A Sombra, a propósito da minha relação com as FDI). Foi um dos pilotos do famoso ataque ao reactor nuclear de Osirak, no Iraque, a 7 de Junho de 1981, uma das manobras mais espectaculares da aviação de combate de todos os tempos [1].

Os homens e mulheres que servem na Heyl Ha'Avir são dos profissionais mais competentes do género e têm, mais do que quaisquer outros nas forças armadas de Israel, a responsabilidade de assegurar a sobrevivência do seu país. Mesmo em 1948, a arma aérea israelita foi importante e, desde então, não fosse a Heyl Ha'Avir e Israel já teria desaparecido há muito.
O que nunca pensei, foi que, um dia, considerasse as suas acções ao nível das de alguns desvairados extremistas do Tsahal. Mas esse dia chegou e já há muito...

No passado, a Heyl Ha'Avir participou em algumas missões duvidosas, do ponto de vista da ética militar (veja-se o Líbano, por exemplo), mas as suas "águias" sempre cumpriram as suas ordens sem colocar problemas de maior - e nunca com a dimensão que hoje assumem. Ser militar é isso; cumprir ordens. Mas não é só. Se fosse apenas isso, ainda hoje teríamos capitães em Abril, Maio ou Novembro, a combater no Ultramar.
Israel atingiu o ponto de ruptura e esse facto é sublinhado pela revolta dos melhores e mais competentes oficiais das suas forças armadas: a élite da Heyl Ha'Avir.

Não sou pacifista. Um dia, como sabem os que lêem A Sombra, quis ser piloto-aviador. Se o fosse hoje e o meu Governo me ordenasse disparar um míssil contra um prédio cheio de civis, só porque lá dentro estaria um terrorista que daria muito trabalho a capturar por métodos convencionais (mesmo que ele fosse o pior canalha à face da Terra), esse seria o dia mais triste da minha vida. Sê-lo-ia porque seria aquele em que me veria obrigado a entregar as minhas asas, abandonando o serviço.

Um militar não é um político, mas não pode cumprir ordens destas com a consciência tranquila. Mesmo missões leais, por vezes, custam a digerir, pois a guerra não é uma empresa limpa, mas isto é demasiado ignóbil.
Há limites que não devem ser ultrapassados.
Israel, como os palestinianos, há muito os ultrapassou.

Rui Semblano
Porto, 9 de Outubro de 2003


[1]
O ataque da Heyl Ha'Avir ao reactor de Osirak, em 1981, foi realizado por uma esquadrilha de F-15's e F-16's (ainda frescos), que Yiftah Spector integrava, voando de Israel para o Iraque em formação tão cerrada que os radares os confundiam com um voo comercial, para o que contribuiu uma planificação excepcional, pois usaram tempos e rotas de um desses voos, evitando detecção em altura e à vista. O resultado foi a destruição do reactor. Não se perdeu um único caça-bombardeiro nessa missão, apesar de já não existir surpresa no trajecto de volta a casa.
Outro piloto que integrou essa missão foi Ilan Ramon, o astronauta israelita que morreu na explosão do Columbia, a 1 de Fevereiro deste ano.

nota:
Em Haifa, a 04Out2003, uma jovem advogada palestiniana fez-se explodir, matando cerca de vinte pessoas. Os palestinianos há muito que se tornaram bestas, como resposta à bestialidade sionista.
É esta reacção à bestialidade que define o ser-humano. Ou se escolhe sofrer e conquistar, duramente, a paz ou se escolhe o caminho da besta e se perde tudo, a começar pela humanidade. Não existem opções para o Oriente Médio. As bestas imperam em ambos os campos.
Deus tenha piedade de todos os inocentes.

nota2:
Este tema é retomado da entrada "Isenção e recusa", em que abordei a aproximação d'A Aba de Heisenberg ao mesmo. Um abraço ao João Carvalho e ao Paulo César.

Sem comentários:

Enviar um comentário