... e todos podemos ser Martins da Cruz.
Quantos de nós não estiveram já no papel de um "Lynce"? E quantos mais de nós não foram já um "Martins da Cruz"?
Quando pedimos ao nosso amigo "Lynce", que trabalha no nosso banco, para receber um depósito sem ter de esperar uma hora na fila, somos um "Martins da Cruz" ou não?
Quando pedimos ao nosso amigo "Lynce", que tem um lugar no Governo Civil, para eliminar o registo daquela multa de estacionamento, somos um "Martins da Cruz" ou não?
Quando pedimos ao nosso amigo "Lynce", que trabalha no hospital onde um familiar ou amigo está internado, para nos dar entrada fora das horas normais de visita, somos um "Martins da Cruz" ou não?
E quando, estando nós em posição que o permita, o nosso amigo "Martins da Cruz" nos pede um qualquer favorecimento, somos um "Lynce" ou não?
Poderemos ser. Um ou outro.
Só não o seremos nunca se não tivermos um amigo "Lynce" ou nunca estivermos na sua posição. A diferença está em que nem nós nem os nossos amigos (pelo menos para a maioria dos casos) somos ministros.
Ser um responsável dos mais altos que o Estado tem exige um nível de comportamento muito acima daquele que será esperado de qualquer cidadão comum; e mesmo que não se esteja tão alto, basta um mero lugar de funcionário público para que quem o ocupa redobre as cautelas e controle as suas acções. Tudo para evitar, tão só, que caia sobre quem ocupa tais lugares a sombra da suspeita.
É difícil avaliar do que motivou esta situação, sobretudo ao vermos tanta gente com telhados de vidro a atirar pedras na mesma direcção, mas é na diferença de nível e de exigência que está a questão.
Ao demitir-se, Pedro Lynce cumpriu a sua obrigação. E penso que Martins da Cruz tenta tapar o sol com uma peneira. Não creio que fale verdade ao dizer que fez o pedido ao ministério sem consciência de incorrer em ilegalidade. Se fosse um vizinho meu a fazê-lo, talvez, mas nunca Martins da Cruz. E se até um vizinho meu tem obrigação de saber as leis que lhe dizem respeito, quanto mais um ministro.
Um cargo público obriga a que se abandonem as facilidades a que o cidadão comum tantas vezes recorre e enquanto os "Lynces" e os "Martins da Cruz" ministros não se abstiverem deste tipo de comportamentos continuará a parecer justo aos "Lynces" e aos "Martins da Cruz" comuns fazerem igual. Mais uma vez, o exemplo veio de cima.
Martins da Cruz não assumiu a sua responsabilidade, pelo que os "Martins da Cruz" comuns não terão de se interrogar sobre se atitudes semelhantes estão certas ou erradas, na hora de as assumir.
Da próxima vez, não se inibirão de pedir um favor ao seu amigo "Lynce", mas, dado o sucedido, talvez esse pense duas vezes antes de os favorecer. Oxalá seja assim. Já não se perdia tudo.
March 22. Portugal.
Há 12 anos
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