sexta-feira, setembro 12, 2003

Assobios


Lido em Dicionário do Diabo:

--- quote ---

Decidi, há dois dias, encerrar o Dicionário do Diabo. (...)
Depois das últimas trocas de mimos, e sobretudo da última, achei melhor fechar a loja.
Mas pensei que A Coluna Infame tinha acabado, para a maioria dos que seguiram o facto, por razões supostamente «políticas» (na verdade, acabou apenas por razões pessoais). (...)
Porquê perder horas e paciência com os conflitos alheios, quando os conflitos próprios já me dão bastante trabalho?
Por essas razões, e mais outras, o Dicionário do Diabo vai continuar. (...)
Como também anunciei, terei uma crónica semanal de tema mais político em breve (julgo que a partir de Novembro), e guardo para aí esses temas, (...)

--- end quote ---


É pena.
Afinal, acabo por verificar que Pedro Mexia decidiu mesmo "assobiar para o ar". O Dicionário passa de ter sido de um "Diabo" a ser de um "Diabito", em alternativa a "fechar a loja".

Tudo o que tinha a fazer seria reflectir um pouco mais antes de escrever certas coisas, como a generalidade básica que motivou as "últimas trocas de mimos" que o amuaram. Não resiste a apontar o dedo aos bloggers "de esquerda" que de "fascistas" apelidam "todas as pessoas de direita – sobretudo as que vivem em Lisboa ou a sul" (esta fez-me lembrar o outro, ó Pedro, que é do Norte e não é elitista), quando os outros quatro (dedos) apontam uma entrada sua, mais abaixo desta, em que apelida de "fascista" Ana Sá Lopes ("As suas ideias podem ser de esquerda, mas os seus métodos seriam bem-vindos num blog fascista." - sic).

Às vezes pergunto-me se não será melhor clarificar o epíteto que Mexia me mereceu, sob o nome do seu blog, nos Blog Links d'A Sombra. Mas é ele próprio quem o esclarece, periodicamente.
E ainda dizem que as primeiras impressões não são nada de especial...

Obrigado


O Público entendeu publicar a minha entrada sobre Leni Riefenstahl.
Na íntegra.
(Cartas ao Director, 12Set2003, p.4)

Aqui fica o meu obrigado, não pela edição da carta, embora me sinta sempre honrado quando vejo um escrito meu nas suas páginas, mas pela forma como tal serve de reparação ao erro gráfico que cometeu e a que me refiro inequívoca e amargamente no meu texto.

Formidável


A Ana, do Crónicas Matinais, acredita em "D-us".
Formidável.

Formidável, adj. 2 gén. Muito grande; terrível; espantoso; temeroso; que infunde respeito. (Lat. formidabile) (*)

(*) Também:
A classificação da Ana para isto.

PC, my main man!


Estou pasmo! :)
O Pedro Couto (PC) publicou uma entrada!

Do Fabien (FJ) e do Granjo (FG) é que nada...
(Sortudos! Férias grandes, hein?)

nota:
A "ocupação" da embaixada portuguesa no Chile, mencionada pelo Pedro, terminou por ser noticiada no Público de ontem (11Set2003), no artigo principal sobre o 11 de Setembro de 1973. Mais vale tarde...

Os Príncipes Rectos


Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cómico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um acto ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e erróneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.



(Poema em linha recta - Álvaro de Campos)

A palavra 22

ou 1026 palavras... para justificar 21.

Foi o que Pedro Mexia fez, demonstrando estar em grande forma; isto é, continua a não pensar duas vezes antes de publicar as suas entradas.

E tudo isto por uma palavra? A palavra 22, a saber "alguma" antes de "esquerda", teria alterado a indignação que a sua "precipitação" suscitou da parte de alguns bloggers?
Só me apercebi do caso agora, via Cruzes Canhoto, mas caso fosse um dos que imediatamente reagiram, a palavra 22, a existir, não faria diferença.

A intenção seria a mesma e o tom igual. Há coisas que mesmo escritas num blog não se conseguem disfarçar. A perfídia é uma delas.

Caro Pedro,

Nem me venha com a história de não se ter justificado coisa nenhuma, que não vale o esforço. Acaba de me impedir de comentar o seu artigo na GR 150 antes de falar do Dicionário do Demo, mas não pense que me surpreendeu ou que tal coisa me levará a assobiar para o ar e não lhe dedicar umas palavrinhas (ainda não sei quantas) sobre o seu ensaio impresso na última Grande Reportagem mensal.
Se não o faço já é porque vou comentar os três ensaios pela sua ordem de edição, JPP, GRT e o Pedro, por fim.
Mas nada perde pela espera.
Entretanto... Olhe! Vá assobiando para o ar.


As 21 palavras de Pedro Mexia:

"COMPREENDI-TE:
Aqui fica a previsão: na quinta-feira, 11 de Setembro, a esquerda vai assobiar para o ar e evocar o Chile."


entrada de 09-09-03, 11:23:57 pm (aqui)

As 1026 (incluindo a 22ª supostamente em falta, acima) estão aqui.


nota:
Obliquamente, talvez se encontrasse uma justificação válida entre as apontadas por Pedro Mexia, mas, segundo o próprio, essa aproximação já não a usa há muito tempo, pelo que não se aplica.

nota2:
Os blogs que comentaram as 21 palavras e a que o Pedro respondeu:

A Praia
Barnabé
Cruzes Canhoto
Glória Fácil

observação:
Por ordem alfabética, incluindo artigos definidos, e não por "seriedade".

quinta-feira, setembro 11, 2003

Hoje, nada mais.







Leni Riefenstahl (1902-2003)


Perdi a Leni.
Soube-o apenas hoje. Não penso em mais ninguém. O mundo perdeu uma artista genial; eu perdi o meu anjo azul.
Digam o que disserem sobre Leni Riefenstahl, nada manchará o seu génio ou a sua arte, e nada fará esquecer o crime que foi terem proibido esta mulher de filmar.

Ao falar da realizadora de "Olympia", falamos de arte - aquela mesma que em si se esconde e que é A arte. Neste campo, mas não só, sou demasiado exigente; comigo e com os outros. Neste campo não existe lugar para "jeitosos" - apenas para artistas. Não há montanhas de tratados teóricos para tentar explicar a posteriori o que nunca existiu anteriormente à obra. Neste campo apenas existem imagens - e não se fazem prisioneiros.
A arte de Leni Riefenstahl é o paradigma da pureza do olhar cinematográfico, da depuração estética levada a um limite nunca alcançado antes ou após este registo. E que não me falem em Resnais e Pontecorvo, nem encham a boca com "belezas" ao falar das realizações da brilhante cineasta alemã. "Nacht und Nebel" e "Kapo" são documentários frios sobre trágicas realidades; nunca foi intenção dos seus realizadores transformar o "horror" em "beleza". E "beleza" não é definição adequada ao trabalho de Leni Riefenstahl, bem como não é compreensível que ainda hoje se confunda a inversão, pela sociedade nazi, dos valores atrás citados como caracterização da obra artística da cineasta.
Antes o é o "belo", enquanto fim estético inatingível.

"Triumph des Willens" é belo sem que chegue a roçar esta "beleza" torpe, afilhada do "bonito" e da "bizarria". Não existe "beleza" em nenhuma das obras-primas de Leni. Apenas o belo existe. O impossível.
Da sua obra apenas pode dizer-se o mesmo que dela própria, de quem nunca se diria ser "uma beleza". Era bela. E basta. O génio desta mulher incrível é a manifestação de um fenómeno raro na Sétima Arte: o registo do impossível em filme. Tornar real o que não pode ser.
Em "Triumph des Willens" transforma o ordinário em fenomenal - a tal ponto o consegue que é considerado "o melhor filme de propaganda" de todos os tempos. Em "Olympia", faz correr sangue nas veias de mármore de David. É impossível, mas existe - sem truques ou efeitos. Está ali. Foi realizado por Leni Riefenstahl.

"Não tenho medo de nada e sobretudo não tenho medo da morte.
Para mim, a morte é o que há de mais belo."


A morte encontrou-a dormindo, em sua casa, em Munique. Eram 22:50 de segunda-feira, 8 de Setembro de 2003. Tinha 101 anos.
É o triunfo da vontade sobre os medíocres.
Começou a sexta vida de Leni Riefenstahl. Imortal, por fim.

Rui Semblano
Porto, 10 de Setembro de 2003


nota amarga:
No Público de hoje (10Set2003), em primeira página como no artigo que lhe é dedicado, o nome de Leni Riefenstahl aparece sempre errado nos títulos...
Que lástima.
Que tristes somos...

nota2:
Entrada editada a 10 de Setembro de 2003.

(carta enviada ao jornal Público a 11-09-2003)

Bella Domini

(*)

Lido em "El Mundo Medieval" (Julho, 2003, n.14)

--- quote ---

Ricardo I
um rei para uma cruzada

Há ocasiões em que se tem a sensação de que a história não serve para nada, que os seres-humanos fazem tábua rasa dos seus ensinamentos. Assim parecem demonstrar os últimos acontecimentos da política internacional relativos ao Iraque, à guerra preventiva e ao que certos ignorantes do outro lado do oceano, levados pelo seu fanatismo religioso (igual ou pior ao que tanto criticam) e pelo seu poder militar, qualificam como "cruzada".

Cruzada foi, também, a grande empresa em que embarcou o principal protagonista do presente número da nossa revista, Ricardo Coração de Leão, e acabou num fracasso completo, ao qual não faltaram, aliás, algumas acções de inusitada crueldade, inerente a qualquer guerra, por muito que se tentem disfarçar as mortes civis com o que é, hipocritamente, denominado pela expressão "danos colaterais".

Não tratamos de estabelecer paralelismos simplistas (Saddam Hussein não se considerava o novo Saladino, o grande rival do monarca inglês?), mas sim de salientar a deliberada ignorância por tudo aquilo que a história nos ensina. De resto, que mais se pode esperar de indivíduos que permitem, impunemente, a perda dos tesouros do Museu Arqueológico e da Biblioteca Nacional de Bagdad?
Lamentavelmente, nada de bom. (...)

Juan Carlos Moreno
(Editor)

--- end quote ---


juancarlos-moreno@rba.es
mundo-medieval@rba.es

(*) Bella Domini: Guerra Santa

nota:
Entrada editada a 10 de Setembro de 2003.

quarta-feira, setembro 10, 2003

Embaixada ocupada

Como é que "...tres grupos de personas pertenecientes a organizaciones de defensa de los Derechos Humanos ocuparon ayer las embajadas de Suecia, México y Portugal en Santiago de Chile..." (visto aqui) e por cá não houve notícias de tal? Já terão cortado o telefone à embaixada por falta de pagamento?

O Mestre parte sem remorsos...

... mas voltará.

Francisco José Viegas faz uma pausa por quinze dias.
Antes de partir, teceu alguns comentários ao dilema abordado pelo NunoP. (Janela para o rio).
Ao comparar as suas reflexões sobre este assunto com as minhas, não posso deixar de me sentir feliz pela existência da blogosfera, assim, tal como é.

Espero que o Nuno faça um roteiro blogosférico dos que aceitaram participar na abordagem do tema por ele proposto. O mosaico das diversas formas de explorar o tema será interessante de examinar, permitindo uma vista mais bem definida que a proporcionada por um mero debate entre dois ou três blogs/bloggers, e escapando aos acréscimos próprios dos "diálogos" que, tantas vezes, mais prejudicam a transmissão de ideias que a auxiliam.
Um bom exemplo disso foi o meu episódio com o João, do Jaquinzinhos, a propósito da Palestina. Acontece.
A ideia do Nuno mostra não uma nova face da blogosfera, mas a sua face original e, quem sabe, fundamental.

Boas férias ao Mestre de Aviz e um abraço ao NunoP.

nota:
A propósito de FJV, acabo de comprar a Grande Reportagem 150, um número histórico por se tratar do último de periodicidade mensal - a GR regressa ao semanal - e, em breve, tecerei alguns comentários às participações nesta edição da GR de José Pacheco Pereira, Gonçalo Ribeiro Telles e Pedro Mexia (de quem já não comento nada há bastante tempo!).

nota2:
Como em tempos já me aconteceu com JPP, ao abrir o Dicionário do Diabo encontro Pedro Mexia em pleno exercício onanista - neste caso oblíquo e entalado entre o vertical de Eduardo Prado Coelho (que, por sinal, ainda não reclamou o seu blog) e o horizontal de Bénard da Costa - não menciona as avózinhas de nenhum dos dois, nem a sua.
Quer isto dizer que aquela história da Carla Bruni deu em nada? Isto é...
Nada que se veja?

terça-feira, setembro 09, 2003

The Lone Ranger


No cartoon desta semana da revista
"The Economist" (Setembro 6, n. 36, p.9):

França, Alemanha e Rússia avisam os EUA
prestes a entrar no pântano do Iraque:
"Vais ficar atolado!"
Ao que os EUA respondem:
"O quê? Não se ouve nada!! Isso é connosco?"
Uma vez atolado até ao nariz, os EUA gritam:
"Estou atolado!!"
Ao que França, Alemanha e Rússia respondem:
"O quê? Não se ouve nada!! Isso é connosco?"


nota:
Apesar de inúmeros exemplos de como a política norte-americana "deu para o torto" (doméstica como internacionalmente), a "The Economist" ainda se agarra à ideia de "guerra justa" nos casos do Afeganistão e, sobretudo, do Iraque.
Como se escreve no artigo "de capa" desta semana ("The hard road ahead", p.11): "Esta revista foi uma apoiante incondicional da guerra no Iraque". Pois. Uma vez penhorada a credibilidade torna-se complicado voltar atrás sem perder nada.
Ao ler a "The Economist" e as suas críticas à Administração norte-americana, porém, torna-se claro que este "voltar atrás" existe, só que é um "sapo" demasiado grande para ser engolido de uma só vez. Possivelmente, só após as eleições de 2004 nos EUA ele será engolido na totalidade.
Resta saber quanto tempo durará a "digestão".

Reflexo


Em resposta a um convite do Nuno P., do Janela para o rio, aqui fica a série de considerações suscitadas pelos "motivos de reflexão" por ele propostos num simpático e-mail enviado à Sombra - e aproveito para, publicamente, agradecer ao Nuno o ter-nos envolvido neste debate.

Então vejamos,

Janela para o rio:

Porque não pode um comunista ser católico praticante? A igualdade entre todos é incompatível com a fé em Deus?

A Sombra:

Não posso evitar o velho chavão de ter sido Jesus Cristo o "comunista original"; um cliché que nunca foi bem visto "à direita" como "à esquerda". E é neste "como à esquerda" que se situa a questão colocada pelo Nuno.
De facto, em termos estritos, nada impede um comunista de ser católico praticante, mas se considerarmos as raízes humanistas e materiais dos grandes movimentos "de esquerda", como o comunismo e o socialismo (de Sartre a Marx a Breton - sim, ele também), verificamos que o "factor Deus" não é equacionável em ambos os esquemas - muito menos no anarco-surrealismo de Breton, tão do agrado de muitos "teóricos de esquerda avançados", mesmo "reformados", como José Pacheco Pereira, por exemplo.

Apenas por uma questão de princípio, e de coerência com a filosofia existencialista e materialista de base, um comunista (como um socialista) "não poderá" - notem-se as aspas - acreditar em Deus, por definição. A não ser que seja um porco. Deus, não o comunista. (1)
Esta é uma ideia que incluo no rol dos dogmas que acorrentam os que adoptam rótulos. Ser comunista ou socialista convicto e, ao mesmo tempo, acreditar em Deus (já nem falo, para já, de ser católico praticante) é tão absurdo como ser vegetariano e comer omeletas. O preço a pagar pela aposição da "etiqueta" é sempre alto - e quase ninguém o paga, apesar de muitos a ostentarem.
Por isto prefiro os termos "liberal" e "conservador" a "de esquerda" e "de direita" (ver entrada "O liberal conservador", n'A Sombra). Apesar de permanecerem rótulos, a sua amplitude é bem mais vasta e chega para descartar certos falsos axiomas que a "esquerda" e a "direita" não conseguem iludir - sendo o papel da religião (o "factor Deus", se quisermos) um deles.

Aliás, como muito bem sugere o Nuno, retoricamente, na segunda parte da sua questão, a igualdade entre todos é condição indispensável do comunismo como da fé em Deus, seja ele qual for, mas, neste caso, o da religião católica e apostólica (acrescentar o "romana", como tantas vezes se faz, seria redundante - Papa há só um).

Janela para o rio:

Como é que as estatísticas demonstram que mais de 75% da população é católica, mas pelo menos metade da população vota à esquerda? Quer isto dizer que a abstenção é quase toda crente?

A Sombra:

Aqui está um bom exemplo de como a religião católica tem poucos adeptos reais em Portugal. Por definição, tanto o comunismo como o socialismo são a antítese do Vaticano. Pactuar com Roma e ser comunista ou socialista é daquelas coisas que não se compreendem - mas existem!

Na realidade, o "católico português" não é nada católico - mas pensa que é. Assim, como se ser católico em Portugal fosse patológico, de origem congénita.
Veja-se o que sucede com os baptismos.
Para mim, como diria um amigo meu, faz tanto sentido baptizar uma criança como filiá-la num clube de futebol ou num partido político. Cada um, atingida a maturidade, deve decidir por si esse tipo de coisas - como fez Cristo, aliás. Em Portugal, porém, tal não é decidido por cada um, mas antes pelo binómio aditivo família-sociedade, sendo que a maior parte se acomoda ao resultado, paradoxalmente subtraindo-se da equação, enquanto indivíduo.
Mas, atenção, que isto não é só em Portugal, embora excelemos neste tipo de relação entre a sociedade e a religião.

(Ainda a propósito de "votos" e de "abstenções", veja-se a entrada
"A Democracia, esse mito", n'A Sombra.)

Janela para o rio:

E as outras religiões, alguém que é budista, judeu, muçulmano, protestante ou outra religião qualquer, também é tendencialmente de direita?

A Sombra:

Penso que já ilustrei a resposta a esta questão ao responder às anteriores, mas cabe aqui uma chamada de atenção para o papel fundamental (literalmente) da religião nos Estados islâmicos.
Quanto ao factor "direita", direi que as ideias de "esquerda" e de "direita", como definidas inicialmente pela Revolução Francesa, são europeias (e, por arrasto, americanas - não "norte-americanas", apenas, mas americanas, mesmo), tendo sido exportadas virtualmente para outros continentes e "coladas" a outras culturas.

Na prática, isto não funciona, mas para o chamado "ocidental médio" ajuda imenso a "compreender" o pouco que lê nos jornais.

Janela para o rio:

Sendo assim, como enquadramos os terroristas de inspiração fundamentalista islâmica? Serão eles todos de direita?

A Sombra:

Cá vamos nós...
Ao "colar" as nossas referências a culturas que pouco ou nada têm a ver com as nossas (pelo contrário, as referências deles foram as nossas durante séculos - uma espécie de vingança nossa? - talvez...) corremos o risco de exorbitar.
Do ponto de vista dito "ocidental" pode fazer sentido considerar, por exemplo, o Hamas como de "extrema-direita", mas tal coisa não sucede. No que respeita ao Médio Oriente, a especificidade cultural árabe tem sido preservada, neste aspecto, fruto do seu confronto com um opositor "pró-ocidental" que assimilou por inteiro os nossos valores seculares de "esquerda" e de "direita".
Será a excepção que confirma a regra? Pode ser...

Janela para o rio:

E os grupos terroristas com base no separatismo (como a ETA ou o IRA)? Se querem a independência, são partidos nacionalistas, valores que são da direita, certo?

A Sombra:

Certíssimo!
Parece uma incongruência, não parece?
Tendo em conta o que antes escrevi, deveria existir um raciocínio idêntico para os movimentos e organizações extremistas de raiz europeia, mas não é assim. E tal não acontece porque esta lógica não é linear.
No caso da ETA-milis e do real-IRA, por exemplo, apesar da sua ideologia e do que, supostamente, pretendem atingir (tantas vezes conotado com o socialismo), as suas acções tendem a demonstrar um comportamento que podemos "classificar" como "reaccionário", "segregacionista" e, logo, "extremista", podendo ser identificado com a "direita", neste caso, como com a "esquerda", em outros, mas analiso, apenas, a componente de "direita", dada a presença do "factor Deus", em especial no Ulster.

No caso do IRA, e do real-IRA em particular, existe uma componente religiosa tão ou mais fanatizante e fanática como a das células mais encardidas da Fatah. Esta componente é impossível de conotar com a "esquerda" - conforme a minha resposta à primeira questão do Nuno demonstra.
Já no caso do País Basco, embora a religião seja um factor de menos peso, comparado com a Irlanda do Norte, são mais os objectivos que aproximam a ETA-milis da "direita", em termos formais, mas pode sempre argumentar-se que, assim, também os métodos do Che se aproximam da "direita".

Mais que "direita" ou "esquerda", convém referir a classificação "extremista" como padrão, independentemente da fé. Como nenhum outro, foi esse factor que permitiu que organizações terroristas de ideologias opostas partilhassem os mesmos campos de treino, no auge da "internacional terrorista" dos anos 70 do século passado.


Conclusão:

Numa sociedade em que ser católico é uma consequência natal não se pode relacionar religião e política.

Quanto a ser uma imposição familiar ou/e social o ser-se católico em Portugal, como em outros países de tradição apostólica, trata-se de uma falsa questão.
Os meus pais optaram por me baptizar em criança, o mais cedo possível após o nascimento, "como manda a regra"; tenho todos os sacramentos católicos até ao Crisma (inclusive). Na altura de atingir o patamar seguinte, porém, tornei-me apóstata.
Demorei "algum tempo", mas "desertei" com profundo conhecimento de causa e muito consciente - o meu trajecto excedeu o comum, tendo chegado a ser responsável por grupos de jovens católicos. A "imposição" é, portanto, uma questão pessoal, não familiar nem, tão pouco, social. Cada um é livre de optar em consciência. Como alguém disse, um dia, "os filósofos limitaram-se a interpretar o mundo, trata-se, agora, de o transformar" (2). A cada um decidir como o fazer. Pelo menos até ao regresso das fogueiras.

E esta sim, é uma questão que nada tem de falsa e que não pode ser iludida, sob pena de as vermos chegar de novo mais depressa do que algum dia julgámos ser possível.
E essas chamas, caríssimos, serão "de direita" ou "de esquerda"?


Pel'A Sombra,
Rui Semblano

Porto, 8 de Setembro de 2003



(1)
"Deus é um porco!" - André Breton, in Le Surréalisme et la peinture, Paris, Gallimard, 1965

(2)
Karl Marx in Theses on Feuerbach (Última tese)


nota:
Ambos os excertos acima foram extraídos não dos respectivos originais (I wish...) mas de "Textos de Afirmação e Combate do Movimento Surrealista Mundial", tradução de Mário Cesariny de Vasconcelos (Perspectivas e Realidades, Lisboa, Novembro de 1977). (*)

(*) Uma obra que JPP conhece bem, assim como a Livraria Utopia, na Rua da Regeneração, no Porto, já lá vão uns anitos...
(yes, it's a very, very small world...)

O liberal conservador


É interessante ver como se dá a volta a certos conceitos.
Tomemos "liberal", como exemplo.

Liberal, para mim, sempre significou "abertura de espírito", "procura de novos caminhos", assim como Conservador sempre foi o "apego à tradição", o "manter do estabelecido".
É por isso que acho graça aos que se intitulam de "liberais" ao mesmo tempo que demonstram um conservadorismo feroz e demolidor. Ainda dizem que a propaganda morreu...

Love is Hate!
Peace is War!

Branco é Preto!
Liberal é Conservador!

Pois é, George... Pois é.


Liberal, adj. 2 gén. Que gosta de dar; generoso; franco; livre; independente; que é partidário da liberdade política, económica, religiosa, etc.; diz-se da profissão de carácter intelectual e independente; s. m. aquele que professa opiniões liberais. (Lat. liberale)

Conservador, adj. e s. m. Que ou aquele que conserva; funcionário público encarregado do registo predial ou do registo civil; o que se opõe a reformas políticas; empregado superior de museus ou bibliotecas. (Lat. conservatore)

nota:
Destaques nos significados da responsabilidade d'A Sombra.

segunda-feira, setembro 08, 2003

Trash

Lido em Abrupto:

--- quote ---

(...) Qd¾ïžÊŒ$j¼ôlLq©RoêWge¬Y]ŘV–§˜£Ê<Ò„C§Þ¬`ëÐò§Éùñ$KÅÍâ5c±…hú‹‚õ³Kl=9Ž)L,j]5”`œgœÑ…ðte3I 3VÇ(šIìÇÌď*#Ž î`–ÉÓŸúºLsÑ‚ÒWEwúʉ=õ6p÷üÂË8r;—´í*ÕÑ~ªG|R`:!II%- 'ò ¶ç²K—ä´©1"šQË^úrH‘‰U(•Zb‘aœR'Š"ÎߟÃ-Y{šô(‹Jì\ß¿.ÿöUás*àV÷“ïCßœ‰×5vw–\VÌ4«xXK=Q½b¢æ²Üªñå]ôÞwÅ‚M½º“D&E,™E,XWgÓÅz$²îïk™ï)-‘°@/äÇ{23rÇ”×=/’Jþ¶_~€/«GdÀè¯ý s¸€Í‘ÂóÁôȆò£2Q§âþC6\9¦K_ÑsÈ“–S,£¾œÂ±†«4ÑÇÒ*üɉ8¡}’ήÄØÁMr‹I`”{åàr²µ(ˆDÈGòÒ²QÄäã|%Ì}éãÞ§g0#‡þ-¼ ù`ÇLœ­¼/¼Ì½8Õûr&(UnœÁŸÑ |Y1øú›ZføóO/D Þk}ð%ò‘°ÞÖ ‡õv¶wWW6ÖVv7w¶¶vnGãÌ?sÆY[¹¿ºz£çäàéþáéþ¿RÅÈÞN_#\»¶ÝÖ3[++·`ìlml­Êœ­íìloÝ’u0ÿÌE¶íÖýÕ•]«‡GÏÜß¿Øæï=Ý{vt"ÿØ;|tÿ)}°x%Ý¡Wo§ª¬;rÍfÇ2sWúR¶YVÌ’¬Ü?iŒ£YZdº \4.Gãó ې”ëßÃvº‹P Í?Ÿ_fiE¤3aazöbòA%H,qµŽ|0‹½/Äaþ!Ü—Qú«A-ÓøÛßjXÖµ\$#_2@¥OLL¸ØLT&I4jÍ€Šã„‘Óïž ñÛ¹GûnÿDÄõñ£½î×&2,Ï3¿üŒ §µR8=Ä âŒíévçÁþ]Ol\Ù'bÿy5Å‹ ‘ᑨ-,œÏãÞQ".7br,¦+ŒGŸ!1¢{i¨±jmö¾ÂäièÞn&cÊV;iŠp¶Xž›åE“Ex'®Ú^|€¸„¶ßì3üìèOá33*—¾Áa.rÇ0ÍyQ(bߎ¯i)5&ü𤫘ÚñãI—UK™\«°üLèØ7!–Wu²ÏÔ”õÀ %¾lÉIáìGÌ·…ékú³lårì­ „tŽ2ÄKŸ©¥ô€ù§?ÉÛÎôma)„dܦ>pZ3©’œ‹*ç.íEÿ²9<8zDÐ="byline" href="2003_09_01_abrupto_archive.html#106294180272263650">

Posted 13:36 by Jos?

--- end quote ---


Põem-se a dizer que o Big "Breda" é "muito bem feito", , que têm "imensa pena de não ter oportunidade de ver tudo", , e depois dá nisto.
O Trash pode ser contagioso, mas nunca tinha visto uma estirpe tão rápida a actuar.

I am impressed!

Eco há só um?


O Posto de Escuta já fazia parte da lista de links d'A Sombra quando surgiu o Ecos. Ambos eram excelentes indicadores, dando-se ao trabalho de recolher alguns excertos de entradas de variados blogs e publicá-los. Dessa forma, prestavam um verdadeiro "serviço público" na blogosfera lusa.

Os bloggers que faziam o Posto de Escuta, porém, ficaram aborrecidos com a forma como o Ecos surgiu, parecendo ter aproveitado as suas ideias, desde o tipo de blog (mas isso nem foi o pior, segundo eles) até ao globo terrestre. Mas o pior foi o Ecos soar aos "Ecos da blogosfera", subtítulo do Posto de Escuta.

Vai daí, "por tudo, por nada", segundo os seus autores, o Posto de Escuta fechou as portas a 27 de Agosto de 2003. Quanto ao Ecos, está intermitente, tendo perdido os arquivos, ao que parece. Esperemos que não desapareçam ambos...

nota:
Este tipo de blog, que publica material de outros blogs sem o comentar, é muito positivo - contrariamente aos que vivem exclusivamente de comentar os outros - e há lugar para muitos ecos destes na blogosfera.
Foi pena terem desistido os amigos do Posto de Escuta... A blogosfera fica mais pobre sem eles.

nota2:
Esperei até colocar esta entrada, a ver se o Posto de Escuta retomava o serviço... Mas nada. Como ainda não perdi a esperança, mantenho o link activo.
Quem sabe?...

domingo, setembro 07, 2003

Aqui não se aprende nada

Lido em Abrupto:

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5.9.03
Posted 22:53 by Jos?
PROPAGANDA

A RTP 2 passa nesta altura um típico filme de propaganda política sobre os zapatistas, um movimento militar e para-militar mexicano, chefiado por um intelectual que se apresenta tradicionalmente com a cara coberta com um passa-montanha, com um cachimbo, armado e que se intitula “subcomandante Marcos”. O filme é completamente acrítico, pura propaganda, mas, como se trata dos “últimos guevaristas”, está tudo bem.
Uma das últimas cenas vê-se uma montagem em que Marcos começa a tirar o passa-montanha e depois aparece uma cara de um menino e a seguir um velho e depois uma rapariga indía, ou seja, todo o povo é … o subcomandante. Ás vezes fica-se com a impressão de que ninguém aprendeu nada nos últimos quarenta anos.

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"Às vezes fica-se com a impressão de que ninguém aprendeu nada nos últimos quarenta anos."
E eu à procura de uma frase simples que definisse José Pacheco Pereira...

nota:
Gostei do "militar e para-militar".
O Nuno Rogeiro que se cuide!

nota2:
Que saudades de Marte e daqueles Haiku tenebrosos...
Só em 2287 é que há mais? Não pode ser mais cedo? Please?

Carmen! Vira-te ao contrário!


No momento em que Carlos Fino regressou a Bagdad, o que mais se leu pela blogosfera foi a condenação do seu trabalho anterior, quando esteve no Iraque durante os primeiros tempos do conflito. Disse-se, a esse propósito, que foi "subjectivo", querendo dizer "tendencioso". Daquilo que vi e li, na altura, não me pareceu nada tendencioso, quando comparado com as pérolas da Fox ou da CNN, por exemplo, ou da Al-Jazeera, para completar o quadro. Subjectivo? Com toda a certeza.

Ajudou-me a perceber o que, realmente se estava a passar, quando visto em conjunto com as outras fontes. Era um dos que estava "do lado de lá".
Como todos os jornalistas, principalmente os que estão sujeitos a condições extremas, as suas transmissões eram um reflexo de si próprio. Tendo isto em mente, pode afirmar-se que o seu trabalho foi exemplar.

O mesmo já não se pode dizer de outros profissionais portugueses que, na altura, estiveram em Bagdad. Um exemplo, tirado do meu diário de guerra pessoal, a que chamei "Diário de uma guerra ilegal":

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09 de Abril - dia 22

(...)
A repórter da TVI em Bagdad, uma Carmen "qualquer-coisa", afirmava que os "colegas" da RTP (Carlos Fino e Nuno Patrício) haviam sido atacados por homens do partido Baath (!!!) enquanto que o jornalista da SIC, Pedro Sousa Pereira, que conseguiu escapar (do mesmo incidente) nada sabia e tudo se "deitava a adivinhar", como diz o povo...

Estávamos nisto quando o primeiro tanque norte-americano chegou ao hotel Palestina.

Carmen! Vira-te ao contrário!

nota:
No meio da confusão que descrevo no fim do volume I deste diário, relativa à chegada de uma coluna blindada norte-americana à zona dos hotéis Palestina e Sheraton, a tal Carmen "qualquer-coisa" falava ao telemóvel para a TVI enquanto eram postas no ar as imagens do local recolhidas em directo pela Al-Jazeera, a Al-Arabyia, a CNN, etc.
O que ela relatava já não era nada de especial, para dizer o menos, como o exemplar:
"Está um soldado americano a passar junto a mim!! Deve ser um reconhecimento!",
mas o pior foi o papel da pivot de serviço que, nos estúdios da TVI em Lisboa, guiava a emissão. Cada vez que a tal Carmen aparecia na imagem, ela interrompia-a aos gritos, como por exemplo:
"Carmen! Carmen! Estou a ver-te! Estás de costas! Vira-te ao contrário!!",
ao que a própria Carmen se mostrava incapaz de reagir antes que o
cameraman da Al-Jazeera (que se estava a borrifar para a Carmen!) mudasse de plano.
Então, inconsolável, a apresentadora da TVI em Lisboa dizia:
"Deixa lá... Já não estás na imagem. Podes continuar." (!!!!)
(...)

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Prefiro o Carlos Fino, mesmo com o Rodrigues dos Santos a ouvir sirenes por todo o lado!

nota:
Claro que sei o apelido da Carmen, mas desde aquele dia não consigo chamar-lhe outra coisa que... "qualquer-coisa".

Há cruzes e cruzes


Pergunta Manuel Alegre no Expresso (06-09-03):
"Se [Ferro Rodrigues] é assim tão mau para o PS, para a oposição e para a esquerda, por que carga de água é que a direita está tão interessada em crucificá-lo e substituí-lo?"

Resposta:
A ideia é crucificá-lo, mesmo. Mas apenas.
Para o Governo actual, melhor que uma oposição mal liderada, só uma oposição sem liderança. Sim porque "substituí-lo", Manuel Alegre? Por quem? Por si?

Ana, darling...


Num artigo de opinião de página inteira ("GNR no Iraque ao serviço de quê?", Público, 07Set2003, p. 8), Ana Gomes faz uma ronda por muitos dos factos que fazem com que milhões em todo o mundo e em Portugal considerem a invasão do Iraque um atentado à ordem mundial e à ONU.

Na sua ânsia de não parecer "antiamericana", porém, termina por não questionar o envio da Guarda na sua essência, mas apenas na forma.

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"(...) A presença no Iraque de GNR, polícia, Forças Armadas ou técnicos portugueses deve ser considerada e apoiada no quadro de uma missão com um mandato claro das Nações Unidas. Se o Governo prosseguir o envio da GNR nas presentes condições estará mais uma vez a colocar Portugal no estatuto de valete menor ao serviço de interesses questionáveis, cuja natureza e dimensão ainda estão por averiguar.

Não está em causa a preparação e a motivação dos soldados da GNR que se voluntariam para o Iraque e que escolheram uma profissão que supõe arriscar as vidas. Está em causa, sim, a legitimidade do Governo para pôr em risco as vidas desses cidadãos, comprometendo forças nacionais numa ocupação ilegal. (...)"

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Ou seja, para Ana Gomes, o envio da GNR para uma zona de guerra aberta não constitui um problema se for realizado sob a bandeira das Nações Unidas em lugar da norte-americana.
Estou esclarecido.


nota:
Ainda vamos ouvir Ana Gomes a propor a extinção do Exército português.
E, realmente, com uma GNR assim...

Wishful thinking

(*)

A propósito da notícia:
"Rumsfeld fala de um "início maravilhoso" da reconstrução do Iraque"
in Público, 07Set2003, p. 16


"Início maravilhoso" e "está muito melhor do que estava há quatro ou cinco meses atrás" - assim vê (ou nos quer fazer ver) Donald Rumsfeld o Iraque de hoje.

A formulação destas ideias, acompanhadas de sorrisos e de uma postura arrogante e despótica, no mesmo local onde a memória de um Sérgio Vieira de Mello ainda está ao rubro é um insulto a todos nós.
Assim são os que pensam "governar o mundo".
Assim são os que, segundo José Pacheco Pereira e outros como ele, sabem o que é melhor para todos nós.
Assim são os "maravilhosos inícios" que nos aguardam.
Deus nos proteja.


(*) Wishful thinking: Tomar o desejo pela realidade.

Peace? What peace?

Editorial de Nuno Pacheco e o artigo a que ele faz referência, publicados a 06Set2003, no Público.

Sem comentários.

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Sepultar a Paz
Por NUNO PACHECO
Sábado, 06 de Setembro de 2003

Imagine-se o seguinte episódio, meramente hipotético: um dia, o governo de Aznar dá luz verde para perseguir e isolar um dirigente da ETA num prédio urbano numa qualquer cidade espanhola. Ao cercar o edifício, a polícia é atacada a tiro pelo líder etarra e perde um dos seus homens; não conseguindo fazê-lo sair, os guardas mandam retirar do prédio todos os inquilinos. Depois, accionam um mecanismo de implosão. O prédio desfaz-se e o etarra, procurado por vários crimes, morre com ele. Os inquilinos olham, incrédulos, para as cinzas de onde já não poderão salvar os seus haveres. Os polícias, perante as acusações dos populares, respondem: "esta guerra foi-nos imposta." Imaginam possível este cenário na Europa sem desencadear um monumental escândalo internacional? Isto apesar da ameaça que o terrorismo ainda constitui para um país como a Espanha?

Não, ninguém imagina. No entanto, foi isto mesmo que aconteceu ontem em Nablus, na Cisjordânia, sem escândalo nenhum. Protagonistas: um líder do Hamas, em fuga; o exército israelita, em acção; e o governo de Telavive, no lugar das decisões. A fotografia (ver página 16) mostra um edifício a implodir, acontecimento banal em processos de reorganização urbana. Mas trata-se de um edifício a implodir com um homem lá dentro, propositadamente lá dentro, para que morra e com ele desapareça (crêem os seus executores) a ameaça que representa. Sim, é verdade que ele disparou contra os guardas. Mas não foi abatido em nenhum tiroteio "legítimo", foi sepultado sem misericórdia pelos perseguidores. Tamanha sede de sangue tem o seu contraponto nas bárbaras incursões terroristas do Hamas em Israel, quando suicidas fanáticos fazem explodir autocarros com civis inocentes e os matam sem qualquer piedade. Mas quando um Estado recorre, e com orgulho, aos mesmos métodos que os seus opositores, algo vai mal nesse Estado. Foi Dore Gold, conselheiro do primeiro-ministro israelita Ariel Sharon, quem afirmou que "a guerra que [Israel] enfrenta foi-nos imposta", para justificar a insólita operação. Mas, como ele bem sabe, por cada líder do Hamas abatido em "missões" como esta, novos fanáticos caminharão silenciosos para Israel para cumprir a sua parte na vingança.

Com o chamado "road map" para a paz no Médio Oriente já na gaveta das recordações inglórias, assiste-se agora ao enterrar progressivo das suas esperanças. Como o prédio ontem feito cinzas, também elas se desmoronam a cada passo acéfalo dos que (Hamas ou Sharon) não enxergam mais do que um método assente na força e na vingança. Enquanto não houver coragem para não ceder à chantagem do sangue, mantendo na mesa a paz a todo o custo, o futuro da Palestina estará sempre do lado dos sanguinários. O primeiro-ministro palestiniano Abu Mazen pode vir a ser, na sua credulidade genuína, mais uma das vítimas políticas deste eterno morticínio. O bom senso, ninguém duvida, já implodiu.




Israel Mata Dirigente do Hamas e Destroi Prédio em Nablus
Sábado, 06 de Setembro de 2003

(...) O Exército israelita matou ontem o líder da ala militar do Hamas em Nablus, a principal cidade da Cisjordânia, prendeu outros três membros do grupo, e destruiu o prédio de apartamentos, de sete andares, onde estes estavam escondidos. A operação visava Mohammed Hanbali, de 26 anos, que, segundo Israel, planeou vários atentados suicidas que mataram dezenas de israelitas, e recrutou novos membros para o movimento islamista, ensinando-os a fazer explosivos. Hanbali, que se encontrava no cimo do elevador, tentou resistir disparando contra as tropas israelitas e provocando um morto.

"A minha família está na rua", dizia Baker Sobeh, um menino palestiniano de oito anos, que procurava os livros da escola no meio dos escombros do prédio, que os soldados fizeram explodir ao fim de várias horas de confrontos. Os habitantes tinham recebido ordens para saírem das suas casas, mas, pensando que iriam voltar, não levaram consigo os seus haveres. No fim da batalha olhavam estupefactos para as ruínas do edifício. Dore Gold, conselheiro do primeiro-ministro israelita Ariel Sharon, reconheceu mais tarde que a operação tinha prejudicado as famílias que moravam no prédio, mas afirmou que "a guerra que [Israel] enfrenta foi-nos imposta".

A acção de ontem é o mais recente episódio na campanha militar israelita para travar os grupos militantes palestinianos, que desde meados de Agosto romperam a trégua acordada com Abu Mazen, o primeiro-ministro palestiniano. Abu Mazen, que na quinta-feira perante o Parlamento afirmou que vai continuar a política de diálogo com estes grupos radicais, voltará a ser ouvido hoje pelos deputados, numa sessão à porta fechada, onde irá apresentar a sua versão do conflito que o opõe ao presidente Yasser Arafat. Possivelmente ainda no mesmo dia, os deputados irão ouvir Arafat, e tentar estabelecer um acordo entre os dois homens, que disputam o controlo dos serviços de segurança palestinianos. (...)


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in Público, 06Set2003, ps. 4 e 16

Aquele outro 11 de Setembro


No dia 5 de Setembro escrevia que, para mim, usar a expressão "11 de Setembro" como equivalente de "nine-eleven" não fazia sentido (ver "Nine-Eleven"). A ilustrar a minha ideia, apontei um ano: 1973.
Nesse ano, a 11 de Setembro, "choveu em Santiago".
A revista "The Economist", no seu número 36 deste ano, veio "defender" o meu ponto de vista. Fá-lo, nada menos, através de dois artigos: "Memories of a coup" e "That other September 11th" (6 Setembro 2003, ps. 14 e 48).

Pode argumentar-se que o Chile de Allende não era um paraíso; pode mesmo afirmar-se (correndo o risco de fazer concorrência à "astróloga" Maya) que Allende teria transformado o Chile num caos, tivesse permanecido no poder e que, dando-lhe tempo, teria sido pior que dez Augustos Pinochets.
Pode dizer-se não importa o quê sobre o Chile de Salvador Allende, mas nada disso apagará o 11 de Setembro de 1973.

Com o apoio efectivo de Washington, foi violentamente deposto um assumido marxista eleito democraticamente e, no seu lugar, colocado um déspota que se manteria no poder por 17 anos.
Citando a "The Economist", a manutenção de Pinochet no poder exigiu a morte de cerca de 3.000 chilenos (um número que ilude os incontáveis e inexplicados "desaparecimentos" ocorridos nesse período) e a prisão e tortura de, possivelmente, "centenas de milhar" de outros, segundo o historiador Alfredo Jocelyn-Holt.

A "The Economist" aponta duas conclusões paradoxais sobre o Chile de 1970 a 1973; a primeira diz que "apesar de [Salvador Allende] aparentar ser um salvador para muitos [dos seus compatriotas], os Estados Unidos não podiam tolerar um marxista no poder, no seu hemisfério"; a segunda afirma que "o principal erro de Allende foi forçar a mudança a um ritmo mais alto que o suportável por muitos chilenos".

A cada um determinar qual dos dois argumentos melhor ilustra a "chuva" de 11 de Setembro de 1973, em Santiago do Chile.