quinta-feira, março 30, 2006

O CPE; conservador, liberal e social.

















La poésie est un sport de combat.

imagem: Sorbonne, Março 2006.





Sobre a actual crise francesa ("mais uma" - dirão os atlantistas mais exacerbados) já correu muita tinta e mais correrá ainda. A interpretação neoliberal da coisa tem a ver com as "resistências" ao curso da História; um rio que, de acordo com os seus pontos de vista, ora arrasta inexoravelmente tudo e todos na sua corrente, ora transborda para as margens, parado pelo mar da (falta de) memória. Para os que têm do mundo esta (estas) visão (visões), o que acontece em França é um anacronismo; um "Maio de 68" sem sentido nem porquê.

Ora estes senhores (e senhoras) são os mesmos que vivem à sombra de um liberalismo artificial, de que se apropriaram há uns anitos para esconder o que realmente são: conservadores. E é aqui que reside a curiosidade: os verdadeiros conservadores acusam hoje os verdadeiros liberais de... conservadorismo! Isto é, ser pelo Estado Social é hoje uma forma de se ser conservador, ao passo que apoiar o Estado minimal e a sociedade de mercado aberto e desregrado é sinónimo de liberalismo. E isto tudo sem que um sorriso lhes chegue aos lábios! É obra.

O CPE está a causar polémica por querer regular o mercado de trabalho de um ângulo impossível: o da reforma-ficção. Aconteceu o mesmo (e continua) entre nós com a história das propinas do ESP, por exemplo; uma boa ideia, mas aplicada antes de tempo. Este tipo de legislação, que recorre frequentemente a exemplos externos de sucesso como justificação e prova de perenidade, não pode ser implementada no vácuo, mas é precisamente no vácuo que existe. Quer-me parecer, até, que definharia, se apanhasse um pouco de ar fresco.
Os apologistas de leis do tipo CPE apontam a Dinamarca e as suas leis laborais e afirmam, de olhos arregalados: "Estão a ver? Assim é que devia ser!" E têm toda a razão. O que eles não dizem, é em que assenta essa legislação. Que eu saiba, na Dinamarca, o Estado não anda a subsidiar empresas para que estas façam rodar dez ou quinze novos empregados no mesmo posto de trabalho no espaço de cinco ou seis anos.

É contra isto que os franceses se revoltam e se batem ( e que os portugueses já se deviam ter revoltado há muito!): não haver controlo efectivo das manobras das empresas para manter um quadro esquelético apoiado num exército de trabalhadores estagiários e/ou a prazo para um mesmo lugar. As empresas deviam ter um espaço de tempo fixo para ajuizar da competência profissional de um novo colaborador, findo o qual ou o mesmo era integrado nos quadros ou despedido. E estou a falar, parafraseando Donald Rumsfeld, de "semanas, não meses"!

Acho perfeito que um desempregado seja quase "obrigado" a arranjar um emprego, no lugar de andar a viver à custa do Estado durante anos a fio, assim como acho que um emprego é um direito conquistado e não adquirido. Mas não acho bem que o mesmo Estado, que promove leis do tipo CPE, tolere e estimule que um excelente profissional seja despedido pelo simples facto de que, a partir de determinada data, a empresa onde trabalha é obrigada a pagar-lhe mais e a proporcionar-lhe segurança e estabilidade, ou porque, por exemplo, fica sem o subsídio que o Estado lhe paga sobre esse profissional, subsídio esse a recuperar assim que se contrate outro eventual para o mesmo lugar.

Resumindo:
Ou se trata de pôr ordem no mercado de trabalho (tarefa séria e de fundo, com implicações graves para o trabalhador como para o patrão), ou se trata de desregrar ainda mais esse mercado, a coberto de um pretenso liberalismo, que mais não é que um conservadorismo feroz, tipo século XIX - mais conhecido por "neoliberalismo".

E é por esta razão que os reaccionários de hoje são tão cuidadosos em manter as suas capas de "liberais" bem postas; mas, com ou sem capa, um burguês será sempre um burguês, e não há "neoburguesismo" que lhes valha. E nós? Ficamos a olhar? Depois venham falar-me na "fibra dos portugueses" e em "esperança no futuro". Meus amigos, deixem que vos diga: O futuro é hoje. Despertai!

Rui Semblano

2 comentários:

  1. Subscrevo. Conheço o fenómeno na pele...

    Um abraço fraterno

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  2. Davi Reis:
    Caro Davi Reis,
    Cada vez existe menos gente em Portugal que não conhece na pele este fenómeno, como disseste. O problema é esse. O anormal tornou-se banal e perfeitamente aceite. As reformas laborais sucedem-se há anos e nunca vi uma alminha só de todas as que já passaram por S. Bento a dizer: "OK; vamos acabar com esta brincadeira."

    Por isso me rio e abano a cabeça a cada vez que aparece um iluminado com um "CPE" nas mãos a clamar que é a salvação e que, senão, levamos com os chineses (com os imigrantes de leste não, que esses já são eventuais - perdão - legais!).

    Um bom dia para ti,
    (ou boa noite, se ainda estiveres por aí nesta altura)
    RS

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