terça-feira, agosto 26, 2003

Camelot 2003 . 2 . Anexo b

(continuação da publicação deste ensaio)
Ver entrada inicial "Camelot 2003", nos Arquivos d'A Sombra, de 16Jul2003)

2. O eixo Atlântico (cont.)
Os efeitos de um Governo totalitário nos EUA

Não me surpreenderia que a esmagadora maioria dos norte-americanos pensasse que Hitler subiu ao poder através de um golpe militar, caso fosse feito um inquérito nesse sentido.
A ignorância do norte-americano médio, para não falar na generalidade, em questões internacionais é imensa e no que toca à História das Relações Internacionais ainda maior. É extremamente difícil para quem vive em democracia desde a fundação do seu país, mesmo não sendo esta exemplar, como nenhuma o é, imaginar os efeitos de um Governo totalitário e saber reconhecer-lhe os sinais.

Imediatamente após o 11 de Setembro de 2001, doze horas após, para ser preciso, já os media dos EUA perguntavam até onde os norte-americanos estariam dispostos a ir na troca da sua liberdade e dos seus direitos individuais por mais segurança. A resposta foi dada por um Congresso aterrorizado, impedido de trabalhar nas suas instalações em plena histeria do Antrax, aprovando sem reservas o "USA PATRIOT Act" * - estavam dispostos a ir até ao fim.

Aparentemente, desde que a contrapartida fosse total segurança contra o terrorismo, os norte-americanos permitiriam que o seu Governo instalasse microchips posicionadores nos seus organismos e sistemas de vigilância audiovisuais nas suas casas. Não faltariam formas de tirar proveito dessas circunstâncias, com os canais televisivos a passarem directos da casa dos Smiths ou da dos Patricks - até poderiam votar o cidadão modelo do mês, como faz a MacDonald's com os seus funcionários. Seria, de facto, um admirável mundo novo.

Parece um cenário irreal, absurdo para qualquer cidadão da Europa Ocidental, mas não o é para um norte-americano. Imagine-se uma norma europeia, emanada de Bruxelas, decretando que, rotineira e aleatoriamente, todos os cidadãos da UE fizessem análises à urina, sendo os resultados das mesmas armazenados em bases de dados a que os Governos dos países membros teriam acesso. Estúpido? Absurdo? Paranóico? Para um europeu, certamente, mas não para um norte-americano, que já muito antes do 11 de Setembro de 2001 interiorizava essa prática como mais um dos seus deveres patrióticos.

Como referiu, bem a propósito, o professor Diogo Freitas do Amaral, os norte-americanos não reconhecem os sinais da perversão democrática como os reconhecem os europeus. Confiam, cegamente, no seu Governo eleito e entendem as medidas mais duras a que são sujeitos como o preço a pagar pela sua segurança, como se todos os males viessem por bem. Felizmente para o resto do mundo, mas principalmente para os norte-americanos, as medidas que a actual Administração dos EUA tem vindo a tomar já assumem contornos delirantes e o antagonismo da sua opinião pública cresce a olhos vistos - mesmo em imprensa normalmente subserviente e alinhada, sobretudo no que respeita a patriotismo.

A democracia, como demonstrou Hitler, pode ser o caminho perfeito para o despotismo mais feroz e ainda está por demonstrar cabalmente que o 11 de Setembro de 2001 não está para os EUA como esteve o 27 de Fevereiro de 1933 para a Alemanha. A única prova de que a Al-Qaeda foi responsável pelos atentados que se conhece, abertamente, é a sua reivindicação vídeo por parte de Osama Ben Laden, mas poderá ela ser credível? É o que existe. Mas que, até hoje, se desconheça o paradeiro de Ben Laden é preocupante. Tudo o que os norte-americanos conseguiram, no Afeganistão, foi prender alguns suspeitos, muitos deles vendidos por dólares aos militares dos EUA por senhores da guerra locais, sedentos de dinheiro e de reconhecimento.

O pós 11 de Setembro de 2001 aconteceu muito depressa, no sentido do apuramento de responsabilidades e da aplicação prática de medidas preventivas e proactivas. O sentido de Segurança Nacional (a segurança, de novo) prevaleceu sobre tudo e todos e conduziu, ninguém duvide da aplicação do tempo verbal, ao assassinato do Direito internacional pelo Direito norte-americano. Talvez agora, sim, seja tempo de equacionar a transferência da sede da ONU para Lisboa...

* U.S.A. P.A.T.R.I.O.T. - Uniting and Strengthening America by Providing Appropriate Tools Required to Intercept and Obstruct Terrorism Act of 2001 - Unindo e Fortalecendo a América Disponibilizando Instrumentos Apropriados à Intercepção e Obstrucção do Terrorismo

(in Camelot 2003 © Rui Semblano - Porto - Janeiro e Fevereiro de 2003)

Para a frente: ver entrada Camelot 2003 . 2 . anexo c
(A humilhação de uma ocupação dos EUA por uma potência estrangeira)
Para trás: ver entrada Camelot 2003 . 2 . anexo a
(Os efeitos de uma guerra em território dos EUA) de 26Ago2003

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