quinta-feira, agosto 28, 2003

Irredutivelmente


O João Miranda respondeu à minha entrada "Q&A" (Questions & Answers) pegando em apenas dois pontos, o que pode significar que me fiz entender relativamente aos restantes - o "pode" é importante.
Cinco em sete não está mal. :)

Retoma ele estas questões:

RS:
Um conjunto de pessoas pode ser patriota, com certeza. O conceito de "povo" como "Nação" ou mesmo "Estado" é pacífico, creio eu.

JM:
Não me parece nada pacífico. Mas o que interessa aqui é se o conceito de "povo" é compatível com o conceito de "conjunto heterogéneo de pessoas que ocupam uma determinada zona geográfica". Na mesma população existem pessoas que são patriotas, outras que não são (...). E se "povo" for um conceito para o qual não existe nenhuma correspondência na realidade? E se estivermos perante categorias inúteis para entendermos a realidade?

JM:
Curiosamente, quando eu pergunto se os americanos são todos igualmente patrióticos, o Rui responde:

RS:
Patrióticos e devotos, muitos deles adquiriram mesmo uma consciência norte-americana que nunca tiveram nos países de origem. É verde e tem escrito: "nós confiamos em Deus".

JM:
Ou seja, para o Rui, os EUA são uma sociedade homogénea que pode ser reduzida a uma frase numa nota de banco. A possibilidade de os EUA serem uma sociedade complexa, competitiva, contraditória e irredutível não lhe passa pela cabeça? A parte do irredutível é importante. Pode um sistema complexo como uma sociedade ser reduzido a meia dúzia de clichés? Pode ser reduzida a estatísticas?



Vejamos,

No primeiro ponto, nada a dizer.
Já li o suficiente no Liberdade de Expressão para perceber que o João Miranda tem uma forte opinião sobre este assunto. Longe de mim iniciar aqui um jogo de ping-pong quando ambos fomos bem claros relativamente ao que pensamos.


Quanto a clichés...
A resposta às suas perguntas é:
Claro que me passa pela cabeça e a resposta é, evidentemente:
Esse é o retrato dos EUA de hoje.
Para as duas últimas:
Pode - em ambos os casos.
Os exemplos vêm de cima, os de baixo imitam à escala.
Em Portugal é o mesmo - à escala da escala deles.
O João Miranda é assim? Eu também não. Vai ver como se lembram de nós quando falarem do "povo português" ou de "Portugal". Pois sim...

Porque são os EUA o país mais concorrido pelos candidatos a imigrantes? No caso da América Latina, poder-se-á argumentar que é uma questão geográfica, mas uma vez nos EUA, porque não vão eles em massa para outro país, condicionantes dos Estrangeiros e Fronteiras e leis de imigração à parte?
(Os açoreanos, por exemplo, não têm esses problemas.)
Porque querem, quanto a mim, ganhar dinheiro.
Todos sabemos como os EUA são conhecidos como o "país mais rico", a "terra da oportunidade", etc. - mais cliché que isto é impossível - mas uma vez em contacto com a realidade dos EUA, o imigrante entra no circuito mais consumista e competitivo do mundo, com possíveis "runner-up's" na Coreia do Sul, no Japão, em alguns países árabes...

Especialmente nos países pobres, mas não só (veja-se Portugal - e desafio quem quer que seja a dizer que somos pobres que o levo logo a um tarmac cheio de F-16 suplentes em condições perfeitas de voo!), confunde-se dinheiro com felicidade. Não é uma "ajudinha"; é felicidade - mesmo.

Resultado?
Troca a pouca qualidade de vida que, porventura, tinha pela oportunidade de, também ele, ser um Bill Gates ou um Arnold Schwarzenegger ou um Michael Jackson. E só o conseguirá (ou é o que lhe dizem) matando-se a trabalhar para ganhar dinheiro.
E quando conseguir algum, precisará de mais e mais...

O João Miranda sabe muito bem como se têm privatizado os sectores essenciais nos EUA. Sabe como se preparam ainda mais privatizações em sectores chave da Segurança Social, tão "estimada" pelos Republicanos. Claro que são obcecados por dinheiro. Todos? Não. Alguns heróicos idealistas resistem ainda em várias aldeias dos EUA, mas como poderão eles vencer os que têm dinheiro feito com inteira confiança em Deus e, ainda por cima, pela indústria gráfica nacional, à medida das necessidades?
Tem de chegar para eles! E se não chegar, imprimem-se mais "verdes" e pronto. Se isto não é o verdadeiro amor ao dinheiro, não sei o que seja. Mas não chego ao ponto de generalizar, convenhamos.

Como deve ter notado, inicio a entrada apelidando a estrutura do seu questionário de "curiosa" - e o português é uma língua muito traiçoeira - de modo que se estava à espera de respostas muito fundamentadas ou metafísicas (e por favor, sorria, estou a brincar), não admira que estes pontos lhe suscitassem mais questões - estas mais concretas e menos "curiosas".

Claro que muitos norte-americanos são patriotas convictos e outros o são enquanto não ganham o suficiente para regressar aos países de origem, mas o problema é quando não podem, seriamente, colocar essa questão; seja por se tratar de ditaduras, como Cuba, ou de países miseráveis, como são quase todos os da América Latina por comparação aos EUA. Ou quando não querem.

Os que sobem na vida, não trocariam o conforto que têm nos EUA pela "parvónia" onde um maço de notas não pode comprar o que não existe, os que não sobem, precisam de tentar mais tempo - até conseguir. Estes serão os falsos patriotas, sem dúvida. Alguns regressarão a casa. Os filhos, dificilmente.
(À escala portuguesa é olhar para França...)

De resto, se fez as contas que proponho, já terá uma ideia de quantos imigrantes de primeira geração (aqueles de que falamos) existirão num universo de quase 300 milhões de pessoas. As restantes, que serão para aí uns 200 milhões, no mínimo (estou a "arredondar para baixo") nasceram nos EUA, amam os EUA e o American Way of Life (aquele do "Tu também podes...") e sim, compõem um dos povos mais patrióticos à face da Terra.

And yes, at the end of the day... it's all about money.
Irredutivelmente? Maybe... Possibly maybe.

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