sábado, agosto 30, 2003

sexta-feira, agosto 29, 2003

Fim-de-semana prolongado


Aos habituais amigos e leitores d'A Sombra:

Uns breves dias de repouso longe da Invicta vão afastar-me um pouco da edição e publicação diárias a que A Sombra se tem mantido fiel quase na totalidade da sua curta existência. O Fabien (FJ) ainda anda "a monte" - não sei quando regressa - mas hoje, de saída, verifiquei que o Pedro Couto (PC) e o Fernando Granjo (FG) estão de regresso das respectivas férias.

Quem sabe será desta que arrancam?
Ou estarão à espera do Outono? :)

Fica a promessa de tentar actualizar A Sombra desde a cidade dos Templários, o burgo mais próximo do local maravilhosamente isolado da civilização onde me vou encontrar. Regressarei a meio da próxima semana.
A todos um abraço e até breve.

Pel'A Sombra,
RS

quinta-feira, agosto 28, 2003

X-men vs. Dubya


Patético, o artigo de José Pedro Zúquete no Público de ontem ("América proibida...", 27Ago2003, p. 8) é o sinal evidente do desespero a que estão a chegar todos os que, de algum modo, hipotecaram credibilidades pelo alinhamento incondicional à política da chamada Administração "Bush".

George W. não sobreviverá ao próximo acto eleitoral.
Cada soldado norte-americano morto no Afeganistão ou no Iraque, cada dia que passa sem apanhar Osama Ben Laden, cada dia que passa sem que sejam encontradas as supostas ADM's iraquianas, cada liberdade e cada direito que é retirado aos norte-americanos é um prego mais no caixão político do "presidente" Dubya.

Para Zúquete, que já nos habituou a crónicas enjoativas (ainda se tornará Reitor da Universidade de Boston, se continuar a lamber com tanta força...) a oposição ao actual Governo dos EUA vem da "América X", da "extrema-direita", de "fanáticos", "radicais" e "fundamentalistas" (não menciona os "moderados" KKK, o NRA ou os evangelistas radicais - I wonder why...).

A julgar pelo crescente descontentamento da sociedade norte-americana com a política do seu Governo - que não terá onde se esconder caso algum tresloucado consiga realizar um atentado nos EUA, o que será sempre possível - estamos com sérios problemas.
É que esta "ultra-radical-AméricaX-de-extrema-direita" arrisca-se a ganhar as próximas eleições, se considerarmos correcta a análise de Zúquete, para quem a "América X" é a única componente da sociedade norte-americana que se opõe à "política Bush", conspirando (na sombra, mas não n'A Sombra, note-se) para a derrubar. Preparem-se, pois, para o pior.

nota:
Lamento não poder colocar aqui a foto que ilustra este inenarrável artigo de Zúquete. Mostra W. Bush de microfone em punho, a outra mão erguida, pose de pregador evangelista e aquela expressão conhecida de "Deus-fala-comigo-e-contigo?"; em fundo, enorme, uma cruz.
Está encontrado, para quem tinha dúvidas, o campeão da luta contra os "infiéis", o verdadeiro guardião da "Civilização Ocidental Cristã".
Glory, glory aleluia!

Marte ataca?


Acabo de verificar que todos os blogs que visitei (incluindo o meu CpI, Cinema para Indígenas) perderam todos os comentários!
Al-Qaeda, CIA ou Marcianos?

Aceitam-se apostas.

nota:
Felizmente, A Sombra nunca os teve.
Havia comentários fantásticos em outros blogs...
Espero que seja só um "reboot" ou coisa do género.

Irredutivelmente


O João Miranda respondeu à minha entrada "Q&A" (Questions & Answers) pegando em apenas dois pontos, o que pode significar que me fiz entender relativamente aos restantes - o "pode" é importante.
Cinco em sete não está mal. :)

Retoma ele estas questões:

RS:
Um conjunto de pessoas pode ser patriota, com certeza. O conceito de "povo" como "Nação" ou mesmo "Estado" é pacífico, creio eu.

JM:
Não me parece nada pacífico. Mas o que interessa aqui é se o conceito de "povo" é compatível com o conceito de "conjunto heterogéneo de pessoas que ocupam uma determinada zona geográfica". Na mesma população existem pessoas que são patriotas, outras que não são (...). E se "povo" for um conceito para o qual não existe nenhuma correspondência na realidade? E se estivermos perante categorias inúteis para entendermos a realidade?

JM:
Curiosamente, quando eu pergunto se os americanos são todos igualmente patrióticos, o Rui responde:

RS:
Patrióticos e devotos, muitos deles adquiriram mesmo uma consciência norte-americana que nunca tiveram nos países de origem. É verde e tem escrito: "nós confiamos em Deus".

JM:
Ou seja, para o Rui, os EUA são uma sociedade homogénea que pode ser reduzida a uma frase numa nota de banco. A possibilidade de os EUA serem uma sociedade complexa, competitiva, contraditória e irredutível não lhe passa pela cabeça? A parte do irredutível é importante. Pode um sistema complexo como uma sociedade ser reduzido a meia dúzia de clichés? Pode ser reduzida a estatísticas?



Vejamos,

No primeiro ponto, nada a dizer.
Já li o suficiente no Liberdade de Expressão para perceber que o João Miranda tem uma forte opinião sobre este assunto. Longe de mim iniciar aqui um jogo de ping-pong quando ambos fomos bem claros relativamente ao que pensamos.


Quanto a clichés...
A resposta às suas perguntas é:
Claro que me passa pela cabeça e a resposta é, evidentemente:
Esse é o retrato dos EUA de hoje.
Para as duas últimas:
Pode - em ambos os casos.
Os exemplos vêm de cima, os de baixo imitam à escala.
Em Portugal é o mesmo - à escala da escala deles.
O João Miranda é assim? Eu também não. Vai ver como se lembram de nós quando falarem do "povo português" ou de "Portugal". Pois sim...

Porque são os EUA o país mais concorrido pelos candidatos a imigrantes? No caso da América Latina, poder-se-á argumentar que é uma questão geográfica, mas uma vez nos EUA, porque não vão eles em massa para outro país, condicionantes dos Estrangeiros e Fronteiras e leis de imigração à parte?
(Os açoreanos, por exemplo, não têm esses problemas.)
Porque querem, quanto a mim, ganhar dinheiro.
Todos sabemos como os EUA são conhecidos como o "país mais rico", a "terra da oportunidade", etc. - mais cliché que isto é impossível - mas uma vez em contacto com a realidade dos EUA, o imigrante entra no circuito mais consumista e competitivo do mundo, com possíveis "runner-up's" na Coreia do Sul, no Japão, em alguns países árabes...

Especialmente nos países pobres, mas não só (veja-se Portugal - e desafio quem quer que seja a dizer que somos pobres que o levo logo a um tarmac cheio de F-16 suplentes em condições perfeitas de voo!), confunde-se dinheiro com felicidade. Não é uma "ajudinha"; é felicidade - mesmo.

Resultado?
Troca a pouca qualidade de vida que, porventura, tinha pela oportunidade de, também ele, ser um Bill Gates ou um Arnold Schwarzenegger ou um Michael Jackson. E só o conseguirá (ou é o que lhe dizem) matando-se a trabalhar para ganhar dinheiro.
E quando conseguir algum, precisará de mais e mais...

O João Miranda sabe muito bem como se têm privatizado os sectores essenciais nos EUA. Sabe como se preparam ainda mais privatizações em sectores chave da Segurança Social, tão "estimada" pelos Republicanos. Claro que são obcecados por dinheiro. Todos? Não. Alguns heróicos idealistas resistem ainda em várias aldeias dos EUA, mas como poderão eles vencer os que têm dinheiro feito com inteira confiança em Deus e, ainda por cima, pela indústria gráfica nacional, à medida das necessidades?
Tem de chegar para eles! E se não chegar, imprimem-se mais "verdes" e pronto. Se isto não é o verdadeiro amor ao dinheiro, não sei o que seja. Mas não chego ao ponto de generalizar, convenhamos.

Como deve ter notado, inicio a entrada apelidando a estrutura do seu questionário de "curiosa" - e o português é uma língua muito traiçoeira - de modo que se estava à espera de respostas muito fundamentadas ou metafísicas (e por favor, sorria, estou a brincar), não admira que estes pontos lhe suscitassem mais questões - estas mais concretas e menos "curiosas".

Claro que muitos norte-americanos são patriotas convictos e outros o são enquanto não ganham o suficiente para regressar aos países de origem, mas o problema é quando não podem, seriamente, colocar essa questão; seja por se tratar de ditaduras, como Cuba, ou de países miseráveis, como são quase todos os da América Latina por comparação aos EUA. Ou quando não querem.

Os que sobem na vida, não trocariam o conforto que têm nos EUA pela "parvónia" onde um maço de notas não pode comprar o que não existe, os que não sobem, precisam de tentar mais tempo - até conseguir. Estes serão os falsos patriotas, sem dúvida. Alguns regressarão a casa. Os filhos, dificilmente.
(À escala portuguesa é olhar para França...)

De resto, se fez as contas que proponho, já terá uma ideia de quantos imigrantes de primeira geração (aqueles de que falamos) existirão num universo de quase 300 milhões de pessoas. As restantes, que serão para aí uns 200 milhões, no mínimo (estou a "arredondar para baixo") nasceram nos EUA, amam os EUA e o American Way of Life (aquele do "Tu também podes...") e sim, compõem um dos povos mais patrióticos à face da Terra.

And yes, at the end of the day... it's all about money.
Irredutivelmente? Maybe... Possibly maybe.

Escalas

(aviso renovado à navegação: ironia 1 de 0 a 5)

Quer o Jaquinzinhos quer o Daedalus (que não conhecia e ao qual hei-de voltar, que um "labirinto" não se constrói num dia nem se vê em dois!) se referiram à minha entrada "American Culture". Dado que ambos se referiram ao relativizar da questão, estabelecendo relações entre a cultura geopolítica (saber quais as potências nucleares não é só geografia) norte-americana e a de outros países, incluindo o nosso, parto do princípio que compreenderam a minha opinião, relativamente ao resto da entrada em causa.

Abro um parêntesis para fazer notar que não digo "aceitaram", mas sim "compreenderam". Ao contrário do que alguns pensam - e não creio que jcd ou o Francisco estejam entre eles - não me arrogo o direito de ensinar mas apenas reclamo o de aprender. Não existe interesse algum em eternizar polémicas ou trocar "adjectivações", mas sim em esclarecer pontos de vista mal compreendidos e estabelecer pontes. Quanto a mim, é disso que trata a blogosfera.
Ao jcd, que creio dar pelo nome de João, peço desculpa por ter exagerado o tom das sucessivas adjectivações que lhe fui fazendo, mas esclareço que eram em tom jocoso e não ofensivo. Cheguei mesmo a iniciar a entrada "Cruzamentos" com uma graça destinada a "desanuviar" qualquer mal-entendido e as entradas "Espanto" II e II e meio eram brincadeiras com o jcd. Nunca foi minha intenção tentar humilhar ou rebaixar alguém na blogosfera. Quando dou uma estocada, posso exagerar, mas se ela é demasiado sentida do outro lado, nada me custa alterar o comportamento.
Para finalizar o parêntesis (que já vai longo, mas é necessário) direi ao João que quando publicou aquela entrada que começava "o 'pró-palestiniano' da sombra escreveu: (...)", automaticamente a entendi como uma graça, mesmo que não o fosse - a minha resposta foi nesse tom, também.
Acabo de conhecer o João e ele a mim. Como já escrevi, gostaria de ter o prazer de o conhecer - quem sabe um dia - mas ao longo dos nossos diálogos (que espero longe de terminados) e das leituras que fazemos, terminaremos por nos conhecer melhor e, então, não haverá assunto que não se possa discutir entre nós. Ao João, de novo, as minhas desculpas por qualquer mal-entendido neste campo.
(Este parêntesis nunca poderia ter sido enviado apenas em privado. Perderia todo o seu significado.)

Retomando a questão das escalas, ao referir o nível cultural (que acima menciono) dos norte-americanos, não o estava a comparar com outro que o esperado de qualquer cidadão médio deste mundo, se queremos ter um mundo no futuro.
Claro que sei, como já aqui escrevi, que o mesmo nível em Portugal apresenta índices muito preocupantes, ou não tivesse frequentado uma Universidade em que tantos exemplos disso conheci - alguns nem escrever o nome, meu Deus... - mas a lógica da minha afirmação não era comparar países ou povos.

Se Portugal fosse uma potência nuclear, tivesse seis ou sete esquadras cada uma com dois porta-aviões e bases militares em todo o mundo e os norte-americanos não, nem dormia! Era exactamente aí que queria chegar, não a declarar os norte-americanos "mais burros" que estes ou que aqueles. O seu poder e estatuto torna preocupante que o seu nível cultural, não só geopolítico como geral, não seja mais elevado.

Quanto aos outros pontos (incluindo os "filopontos"), penso já termos esclarecido os nossos diferentes pontos de vista e nada haver mais a dizer, até novos desenvolvimentos. Estamos entendidos. :)
E não posso deixar de terminar com bom humor:

A:
Caro jcd, acredite que estou farto de ter de andar às voltas à procura dos links para o Jaquinzinhos! Como já o conheço de trás para a frente e continuo a visitá-lo sempre que posso, passa a constar da lista de Blog Links d'A Sombra. E agradeço a passagem de "Assombração" a "Peixe Variado" (acho eu...). :)
Um forte abraço.

B:
Caro Daedalus (Francisco), aceite o simpático convite, percorrerei "Knossos", como prometido. Se achar a saída e conseguir regressar, dir-lhe-ei o que me pareceu. Cumprimentos.

A todos os que seguiram mais este episódio de "Blogland", especialmente aos que nele participaram de algum modo, como o amigo Baeta e o amigo JMF, além de João Miranda, um "sideshow" de respeito, um abraço, também.

nota:
Para jcd: Caso o seu nome não seja João, terei todo o prazer em fazer a correcção desta entrada com o nome próprio real ou, caso prefira, por jcd, como costumo fazer. Até sempre.

o Sangue

(aviso à navegação: ironia zero)

"Número de militares americanos mortos no Iraque pós-guerra ultrapassou as baixas da invasão" (in Público de 27Ago2003, p. 2)

Um título intrigante.
Primeiro, um retrocesso, pois o Público já começara a descrever as baixas no Iraque como "desde o arranque da guerra, em Março, (...)" (in Público, 23Ago2003), parecendo ter assumido a evidência: não existe pós-guerra (até a RTP já começa a falar dele como "suposto").
Depois, chama "invasão" ao que, até há bem pouco tempo, era "intervenção". Ainda que a descrição esteja correcta, não deixa de demonstrar falta de isenção editorial. Que se fale de "invasão" em artigos de opinião é uma coisa, que tal seja uma opção editorial é outra, num jornal que, supostamente, não toma partido por nenhum dos lados do conflito, nem alinha com nenhuma corrente de análise do mesmo.
Decidam-se.

O número de baixas entre os norte-americanos está a aumentar a um ritmo elevado. Ontem mesmo foram mortos mais dois. Preocupante é não haver noção exacta do número de feridos, especialmente os graves, pois é comum estes serem em maior número que as vítimas mortais. Nos contingentes de outros países, Reino Unido, mas também Espanha e Dinamarca, pelo menos, existem mortes a registar.

Em todos os exércitos existem bestas; supostos seres-humanos que aproveitam a ocasião proporcionada por uma guerra para darem largas à sua bestialidade, para serem os animais que, em situação de paz, a sociedade não permite que sejam. São um punhado sem expressão numérica significativa, mas capazes de danos substanciais, a todos os níveis, incluindo, especialmente, o efeito de contágio endogénico em situações limite, se não controlados.

Os exércitos não são feitos destas bestas.
Os exércitos, mesmo nas suas componentes de élite mais fanatizadas, são compostos por jovens comuns a todos os jovens, apenas divergindo nas suas culturas; jovens em idade de serviço militar que têm famílias, como as nossas. A única coisa que os distingue dos que não servem no aparelho militar será, talvez, o facto de estarem armados. No caso do exército dos EUA a diferença aumenta na proporção da qualidade e capacidade do poder de fogo que carregam, aumentando ainda mais, como acontece na maioria dos países árabes (principalmente nos fundamentalistas islâmicos), por serem provenientes de uma sociedade onde ter e usar uma arma é tão natural como respirar.

Jovens assim, para não exacerbarem o seu papel de militares, necessitam não apenas de instrutores e treino qualificados e de qualidade, mas, sobretudo, dependem da capacidade de comando, controlo e discernimento da parte dos seus superiores directos no terreno, sargentos e oficiais, sendo estes últimos, por norma, aproximadamente da sua idade.

Em situações limite, envolvendo milhares de homens, cometem-se muitos erros, morrem inocentes, acontecem acidentes... No Iraque, parte da responsabilidade é do comando supremo, que quase afirmou que o pós-guerra seria o Paraíso para, afinal, se verificar que nem o fim da guerra chegou, nem se trata de nenhum paraíso; bem pelo contrário. Longe da propaganda doméstica, para consumo dos civis e dos militares que lhes seguirão os passos, estes rapazes (e raparigas), confrontados com uma realidade inesperada, perdem moral, perdem capacidade de agir com discernimento e convicção. Claro que lhes disseram que a "guerra" seria dura, que teriam de suportar um número indeterminado de baixas, que se deviam preparar para o pior. Mas também lhes disseram outras coisas... Começou a ouvir-se "reconstrução", "governo provisional", "libertação", "final das grandes operações"... Se tal coisa chegou a passar como certa fora do Iraque (para os que só vêem determinados canais informativos), para eles, no terreno, carregando os cadáveres dos seus camaradas de armas dia após dia, o efeito não terá sido muito menos que o de terem sido iludidos.
Afinal, a guerra não terminou.
E quando os últimos a sair são os primeiros, como aconteceu com a Cruz Vermelha, nada de bom auguram os oráculos...

Para acabar com as suas dúvidas (e com as nossas) decide o Supremo Comando trocar um administrador militar, que não estava a ir a lado algum, por um civil que, mal chega ao Iraque, decide dissolver o exército vencido, que poderia ser aproveitado para algo mais útil ou, no mínimo, efectivamente controlado nos seus quartéis.
Em vez disso, esses iraquianos desesperados por não terem como sustentar-se ou às suas famílias, engrossam o que quer que seja que ataca e martiriza os ocupantes, diariamente. E o que sempre foi perceptível torna-se dolorosamente evidente: os EUA (quanto mais os seus aliados envolvidos directamente na acção) nunca tiveram homens suficientes no Iraque para o controlar de forma eficaz, para o ocupar. Qualquer analista não comprometido, ou mesmo um leigo minimamente informado, sabe que os efectivos presentes no Golfo Pérsico mal dariam para ganhar a guerra, caso a resistência fosse feroz, mesmo com total superioridade aérea, isto é, ganhar-se-ia, mas a um preço bem mais alto.

Lembro-me de ter contactado uma amiga norte-americana, ex-oficial da Marinha de Guerra dos EU, quando começou a invasão apenas pelo Sul e as tropas do grupo Norte estavam paradas na Turquia, altura em que o Sétimo de Cavalaria (apenas o 3º esquadrão do Sétimo Glorioso, ponta de lança da 3ª Infantaria Mecanizada, e não uma Divisão - como alguns "especialistas" lhe chegaram a chamar nas nossas televisões - nem sequer o Regimento inteiro!) esticou a linha de abastecimento ao limite máximo e se chegou a temer o pior.
"Que demónio estão eles a fazer?" perguntei-lhe. A resposta foi "Esperemos que o saibam ou Deus os ajude." Mesmo com a relativa facilidade com que se entrou em Bagdad (a cidade ainda hoje está por controlar), algo nos dizia que havia mais qualquer coisa... Que nada acabara, talvez tivesse apenas começado, quando a estátua de Saddam Hussein foi derrubada, frente ao Hotel Palestina.
Infelizmente, assim é.

Por mais que Rumsfeld não queira admitir, são evidentes as dificuldades no terreno e os recentes ataques pontuais, a milhas de locais minimamente guarnecidos pelos norte-americanos, são pouco significativos, pois o controlo permanente dessas zonas não existe. O deserto pode ser muito pior que a selva, em termos de detecção de forças inimigas, sobretudo tão pequenas, mesmo com o poder de vigilância electrónica dos EUA. Varrer um território como o Iraque de forma sistemática e completa é impossível à detecção por satélite ou por meios aéreos, sobretudo quando se está envolvido em praticamente todos os teatros de operações do mundo, activos ou potenciais.

Sinceramente, espero que todas estas mortes, todas elas, de que raça ou credo tenham sido em vida, venham a justificar-se; que tenham como resultado não só um Iraque justo e livre, mas um mundo melhor.
Infelizmente, para grande tristeza minha, não me parece que tal venha a suceder tão cedo; e mesmo que venha a acontecer no futuro longínquo, com os dados de que dispomos, sabemos hoje que todas estas mortes poderiam ter sido evitadas. Não se evitariam outras? Não o sabemos. Possivelmente. Por forma que não se verificasse o que hoje se verifica, estava a ONU a trabalhar. É o que sabemos. O Governo norte-americano aborreceu-se de esperar mais algum tempo porque os iraquianos teriam prontas a usar "em 45 minutos" ADM's terríveis que ameaçavam o "mundo livre". É o que sabemos.

No Iraque, todos os dias, morrem com honra homens em uniforme, pois é o seu dever. Um dever cumprido nas condições que todos conhecemos e, por isso, com mais valor, pois não lhes compete a eles voltar as armas contra o seu Governo. Não em democracia que, imperfeita como todas, é a que ainda existe nos EUA.
Para os civis fica outro dever.
O de reconhecerem de uma vez por todas que uma guerra só se faz em último recurso e em legítima defesa. No Iraque, claramente, ainda que existissem milhões de ADM's na posse de Saddam Hussein, estas regras não foram respeitadas. Que moralidade temos para exigir aos iraquianos, resistentes, terroristas ou meros familiares enlutados sedentos de vingança, que respeitem regras?

E eis que chega o Demo para a cobrança.
Pagaremos em sangue, mas não com o nosso, como de costume, antes com o dos que por nós enviam aqueles que o podem fazer, sejam os enviados soldados ou médicos, diplomatas ou polícias, e com o sangue dos que eles irão matar ou não conseguirão salvar. Em democracia, o sangue dá para todos, não é só para os políticos.
Em democracia, o sangue dos que hoje morrem no Iraque, de Sérgio Vieira de Mello ao mais incógnito soldado norte-americano, da criança iraquiana mais desconhecida ao mais alto e mediático religioso iraquiano, está nas mãos de todos nós.

quarta-feira, agosto 27, 2003

Cruzamentos


Antes de mais, posso assegurar aos leitores que eu e jcd não temos nenhum pacto secreto para aumentar os níveis de cotação no Technorati (também não temos nenhum aperto de mão secreto, até porque não nos conhecemos pessoalmente, o que, honestamente, lamento).

Sempre atento, mas também muito distraído, jcd já comentou a minha entrada "American culture". Distraído porque, como de costume, os seus "filtros" impediram-no de analisar correctamente o meu texto. Era uma resposta directa à sua pergunta "Seria demasiado pretensão da minha parte pedir-lhe que publique a fonte de onde esta interessante aferição foi retirada?" (sic) referente à afirmação que fiz em "Camelot 2003 . 2 . anexo b", que rezava "A ignorância do norte-americano médio, para não falar na generalidade, em questões internacionais é imensa e no que toca à História das Relações Internacionais ainda maior.", pelo que a sua constatação de que eu me refiro "apenas" aos conhecimentos geográficos dos norte-americanos peca por dois aspectos: a NGm é uma revista geopolítica, não apenas geográfica (recordo que falei em "conhecimentos geopolíticos" ao mencionar a carta do presidente da NGS) e nunca me referi aos conhecimentos gerais dos norte-americanos, nem aos dos europeus, for that matter.

Quanto aos europeus, por comparação - que eu não fiz -, já tiveram melhores dias. De Portugal é melhor nem falar, pois como bem diz jcd, não fosse a UEFA e muitos mal saberiam onde fica a Holanda!

Caríssimo jcd,

É sempre um prazer cruzar ferros consigo, mas tente procurar algo mais nos textos que lê do que, simplesmente, aquilo que já antes de os ler tinha encontrado. Até sempre.
RS

nota:
Filo... Elemento de composição de palavras que exprime a ideia de [1] amigo, amor (gr. phílos) [2] folha (gr. phyllon) - não hifenizado; ex.: Filogenia.

Espanto II e meio


Verifico que os Jaquinzinhos perderam os comentários.

Falha humana ou técnica?
Aguardamos a análise da caixa negra para extrair conclusões.

Espanto II


Só comparável ao espanto I (este).
Ao abrir a janela dos Jaquinzinhos, leio:

"Hoje, somos todos vermelhos."

Pensamento imediato:
Está tudo perdido. Jaquinzinhos vermelhos é que não!

Q&A


O desafio de jcd encontrou um eco.
Achei curiosa a estrutura do mesmo e decidi responder. :)

Q:
Os povos são patrióticos ou as pessoas são patrióticas?
A:
Um conjunto de pessoas pode ser patriota, com certeza.
O conceito de "povo" como "Nação" ou mesmo "Estado" é pacífico, creio eu.

Q:
Como é que se avalia o patriotismo de um povo?
A:
Pela forma como se unem face às dificuldades e pelo orgulho demonstrado pela pátria onde nasceram e/ou vivem, entre outros parametros, como saber o hino nacional cantado ao contrário. Há quem acrescente o amor à pátria e a vontade de a servir, mas nos EUA este último factor não é significativo. A maior parte dos militares dos EUA estão nas forças armadas para fugir ao desemprego.

Q:
Se os americanos são dos povos mais patrióticos do mundo, em que lugar do ranking estão os kamba? E os Ovambo?
A:
Tendo em conta que os Kamba serão perto de 370.000, se encontram distribuídos por dois países e falam 7 idiomas e 3 dialectos e que os Ovambo serão cerca de um milhão e pico e falam 6 idiomas, também se encontrando distribuidos por dois países, a resposta será difícil de encontrar, mas asseguro ao João Miranda, embora seja tão conhecedor de questões africanas como das árabes, que em África não se coloca a questão "patriotismo" como nos países europeus ou americanos. É mais "tribalismo". Portugal talvez seja uma excepção, devo reconhecer que somos mais "tribalistas" que "patriotas".
Note que não escrevi "o povo mais patriótico" ou "o povo patriótico número 27", mas "dos mais patrióticos". Não faço ideia qual a sua posição num ranking desse tipo (nem sei se existe - talvez o Google...)

Q:
Os portugueses são mais ou menos patrióticos que os americanos?
A:
Penso que já respondi.

Q:
E não é estranho que um povo de imigrantes seja tão patriótico?
A:
Estranho seria se fossem um povo de emigrantes. Como nós.

Q:
E os americanos são todos igualmente patrióticos? Os da Califórnia são tão patrióticos como os do Texas ou os do Alaska? E o patriotismo não depende da origem étnica? Os de origem árabe são tão patriotas como os de origem italiana ou cubana ou portuguesa?
A:
Patrióticos e devotos, muitos deles adquiriram mesmo uma consciência norte-americana que nunca tiveram nos países de origem. É verde e tem escrito: "nós confiamos em Deus".

Q:
Na população americana, qual é a percentagem de emigrantes da primeira geração?
A:
Não faço ideia, mas o número de vistos para cidadania plena atribuídos anualmente é de 55.000. Tendo em conta que os EUA têm quase 292 milhões de habitantes... É fazer as contas.

nota:
Desta vez, o desafio veio do João Miranda.
Um abraço.

Noonblogs


Bolas... Ainda é cedo para isto!
Insensatez minha...

nota:
Actually, I'm more of a Moonblogger myself. If you know what I mean.
Under no circumstance a Marsblogger. Hmm-hmm.

Nunca digas nunca


À boleia dos Jaquinzinhos, encontrei o Terras do Nunca. Apesar de a entrada de jcd não me levar para a que me chamou a atenção, de que já conhecia alguns excertos, comentados pelo Mestre de Aviz, deambulei com prazer pelo blog de jmf. A decisão de voltar a um ponto da blogosfera, de forma frequente, normalmente é acompanhada de outra.

Esta.
A partir de agora, o Terras do Nunca passa a estar direccionado em permanência, n'A Sombra, em Blog Links. Um abraço ao João (jmf).

American culture


Os norte-americanos são dos povos mais patrióticos que existem.
Embora a história dos EUA que aprendem seja um misto de mito e realidade (veja-se, por exemplo, "Made in America", de Bill Bryson - nota 1 e, ainda, nota 2), conhecem-na bem e são capazes de se unir em torno da "Stars and Stripes", superando divergências entre si, quando tal se revela necessário - como quando foi preciso apoiar os soldados enviados para o Golfo Pérsico, por exemplo, em que a maioria (mesmo os que eram contra a guerra) escolheu não se manifestar de forma ambígua, podendo dar a ideia que estavam contra as tropas (que nada mais fazem que obedecer a ordens) e assim baixar o seu moral, provocando mais baixas. Neste aspecto, são formidáveis.

Passando o Golfo do México ou o Estreito de Bering, porém, as coisas complicam-se. Fruto de uma história etnocentrica, que quase chegou a considerar os nativos da América do Norte como "invasores", o norte-americano médio sabe vagamente onde fica Paris (não o do Texas, mas o outro) e pouco mais.

Respondendo a um desafio do Jaquinzinho, o que faço com muito gosto, passo a citar uma das muitas referências à cultura norte-americana extra América do Norte, que se pode encontrar numa publicação que pode ser acusada de tudo menos de não ser filoamericana: a National Geographic.

"Depois de oferecermos um mapa emoldurado a George W. Bush - uma oferta que fazemos desde Franklin D. Roosevelt -, o Presidente não teve dificuldade em localizar um ponto na fronteira entre o Afeganistão e o Paquistão. Alguns meses mais tarde, recebi notícias desconcertantes. Numa sondagem da National Geographic Society, ficámos a saber que apenas 13% dos jovens americanos eram capazes de localizar o Iraque e que somente 23% dos inquiridos conseguiam nomear quatro países com armas nucleares. (...) A mudança (no conhecimento médio norte-americano em geopolítica) não acontecerá subitamente, mas temos fé. Dêem-nos uma geração."

Extracto de uma carta de John M. Fahey Jr., presidente da NGS, publicada na revista National Geographic de Janeiro de 2003 (Vol. 2, n. 22, em Portugal), na rubrica "Carta do Presidente"

Penso ter respondido, mas não resisto a estes pormenores deliciosos:
1. Desde FDR que a NGS (isto é só para filoamericanos) oferece um mapa mundo ao presidente dos EUA. Curioso início de tradição.
2. A National Geographic dizer que, mal ofereceu o mapa a W. Bush, o presidente dos EUA não teve dificuldade em encontrar um ponto entre o Afeganistão e o Paquistão - numa altura em que o homem deitava pelos olhos essa zona do globo, de tanto a ver em reuniões - é como a Personal Computer World dizer que ofereceu um computador a Bill Gates e que este não teve qualquer dificuldade em abrir o Internet Explorer! Ridículo!

I am resting my cases so hard I'm getting exhausted... :)

De novo, um abraço ao irreversível jcd.
RS

nota1:
"Made in America", Bill Bryson, Quetzal Editores, Lisboa, 2001

nota2:
A nossa história, a portuguesa, é ainda hoje um misto de mitos e realidades, mas começa a vislumbrar-se alguma melhoria na forma como é analisado o passado; por exemplo, passando a atribuir aos árabes edificações que o Estado Novo classificara como "romanas".

terça-feira, agosto 26, 2003

Caçarretas


Há caçadores e há... caçarretas.
Recordo, ainda enojado, um certo pub da Invicta em que o funcionário ou gerente ou lá o que era, tinha um falcão empalhado na parede e o mostrava a toda a gente com orgulho, exclamando: "Fui eu que cacei!"
Como é óbvio, nunca mais pus lá os pés. Há tanta gente boa a precisar de dinheiro, porque haverei eu de o dar a uma besta? Caçar por "desporto" não me convence. Por necessidade, com certeza, mas não conheço um caso de um caçador que saia para arranjar comida e passe o dia aos tiros - desde que seja um Caçador, naturalmente, que muitos há que nem o rabo conseguem encontrar com as mãos, quanto mais acertar num coelho.

A este propósito, os Jaquinzinhos citam uma bem apanhada entrada do Prazer Inculto, intitulada Caça.
Recordo aqui o comentário que deixei a jcd, a este propósito:

"Ora aqui está um exemplo de como se pode discordar num campo e concordar em outro. Não sou vegetariano, mas caçar por "desporto" é algo que não aceito, mesmo que se coma o que se caça. A necessidade é uma coisa. Não conheço um homem do campo que não tenha pena de matar um animal para comer, mas também não conheço nenhum que os mate todos por "desporto" e os meta numa arca congeladora.

Agora que estão a pensar em aumentar ainda mais o preço dos cigarros, porque o "tabaco mata", que tal pôr os cartuchos a 500 euros a unidade. Ou o chumbo "não mata"?

Claro que seria uma injustiça para os poucos que caçam por necessidade - muito poucos - mas podem sempre arranjar um calibre único para a caça e regular o sector - com multas demolidoras para quem fosse apanhado a caçar com um calibre "barato"."


Um abraço ao jcd e ao possidónio.

Camelot 2003 . 2 . Anexo b

(continuação da publicação deste ensaio)
Ver entrada inicial "Camelot 2003", nos Arquivos d'A Sombra, de 16Jul2003)

2. O eixo Atlântico (cont.)
Os efeitos de um Governo totalitário nos EUA

Não me surpreenderia que a esmagadora maioria dos norte-americanos pensasse que Hitler subiu ao poder através de um golpe militar, caso fosse feito um inquérito nesse sentido.
A ignorância do norte-americano médio, para não falar na generalidade, em questões internacionais é imensa e no que toca à História das Relações Internacionais ainda maior. É extremamente difícil para quem vive em democracia desde a fundação do seu país, mesmo não sendo esta exemplar, como nenhuma o é, imaginar os efeitos de um Governo totalitário e saber reconhecer-lhe os sinais.

Imediatamente após o 11 de Setembro de 2001, doze horas após, para ser preciso, já os media dos EUA perguntavam até onde os norte-americanos estariam dispostos a ir na troca da sua liberdade e dos seus direitos individuais por mais segurança. A resposta foi dada por um Congresso aterrorizado, impedido de trabalhar nas suas instalações em plena histeria do Antrax, aprovando sem reservas o "USA PATRIOT Act" * - estavam dispostos a ir até ao fim.

Aparentemente, desde que a contrapartida fosse total segurança contra o terrorismo, os norte-americanos permitiriam que o seu Governo instalasse microchips posicionadores nos seus organismos e sistemas de vigilância audiovisuais nas suas casas. Não faltariam formas de tirar proveito dessas circunstâncias, com os canais televisivos a passarem directos da casa dos Smiths ou da dos Patricks - até poderiam votar o cidadão modelo do mês, como faz a MacDonald's com os seus funcionários. Seria, de facto, um admirável mundo novo.

Parece um cenário irreal, absurdo para qualquer cidadão da Europa Ocidental, mas não o é para um norte-americano. Imagine-se uma norma europeia, emanada de Bruxelas, decretando que, rotineira e aleatoriamente, todos os cidadãos da UE fizessem análises à urina, sendo os resultados das mesmas armazenados em bases de dados a que os Governos dos países membros teriam acesso. Estúpido? Absurdo? Paranóico? Para um europeu, certamente, mas não para um norte-americano, que já muito antes do 11 de Setembro de 2001 interiorizava essa prática como mais um dos seus deveres patrióticos.

Como referiu, bem a propósito, o professor Diogo Freitas do Amaral, os norte-americanos não reconhecem os sinais da perversão democrática como os reconhecem os europeus. Confiam, cegamente, no seu Governo eleito e entendem as medidas mais duras a que são sujeitos como o preço a pagar pela sua segurança, como se todos os males viessem por bem. Felizmente para o resto do mundo, mas principalmente para os norte-americanos, as medidas que a actual Administração dos EUA tem vindo a tomar já assumem contornos delirantes e o antagonismo da sua opinião pública cresce a olhos vistos - mesmo em imprensa normalmente subserviente e alinhada, sobretudo no que respeita a patriotismo.

A democracia, como demonstrou Hitler, pode ser o caminho perfeito para o despotismo mais feroz e ainda está por demonstrar cabalmente que o 11 de Setembro de 2001 não está para os EUA como esteve o 27 de Fevereiro de 1933 para a Alemanha. A única prova de que a Al-Qaeda foi responsável pelos atentados que se conhece, abertamente, é a sua reivindicação vídeo por parte de Osama Ben Laden, mas poderá ela ser credível? É o que existe. Mas que, até hoje, se desconheça o paradeiro de Ben Laden é preocupante. Tudo o que os norte-americanos conseguiram, no Afeganistão, foi prender alguns suspeitos, muitos deles vendidos por dólares aos militares dos EUA por senhores da guerra locais, sedentos de dinheiro e de reconhecimento.

O pós 11 de Setembro de 2001 aconteceu muito depressa, no sentido do apuramento de responsabilidades e da aplicação prática de medidas preventivas e proactivas. O sentido de Segurança Nacional (a segurança, de novo) prevaleceu sobre tudo e todos e conduziu, ninguém duvide da aplicação do tempo verbal, ao assassinato do Direito internacional pelo Direito norte-americano. Talvez agora, sim, seja tempo de equacionar a transferência da sede da ONU para Lisboa...

* U.S.A. P.A.T.R.I.O.T. - Uniting and Strengthening America by Providing Appropriate Tools Required to Intercept and Obstruct Terrorism Act of 2001 - Unindo e Fortalecendo a América Disponibilizando Instrumentos Apropriados à Intercepção e Obstrucção do Terrorismo

(in Camelot 2003 © Rui Semblano - Porto - Janeiro e Fevereiro de 2003)

Para a frente: ver entrada Camelot 2003 . 2 . anexo c
(A humilhação de uma ocupação dos EUA por uma potência estrangeira)
Para trás: ver entrada Camelot 2003 . 2 . anexo a
(Os efeitos de uma guerra em território dos EUA) de 26Ago2003

Pensamento

Lido em A Pedra e a Espada:

--- quote ---

"Nunca interrompas o teu inimigo quando ele está a cometer um erro."
Napoleão Bonaparte (1769-1821)

--- end quote ---

For the record

Lido em Jaquinzinhos:

--- quote ---

O mundo está perigoso

Escreveu RS

"Por vezes, porém, não consigo discutir determinados assuntos com determinados interlocutores; por exemplo, não consigo discutir cinema com quem nunca viu um filme. Nessas alturas, o melhor é mudar de conversa e/ou de interlocutor. Hoje tive essa experiência com o jcd, do Jaquinzinhos. Compreendo, perfeitamente, a sua raiva e a sua convicção, mas nunca conseguirei aceitar a sua visão limitada do conflito israelo-árabe."
...
"Compreenderá jcd (de quem não faço a mínima ideia de como se chama ou que idade tem) que não consiga ver o mundo a preto e branco, como ele. O mundo, para mim, será sempre obscuro, como já tive oportunidade de lhe referir. E não lhe tenho nada a levar a mal."
...
"Se existe um responsável por não me fazer entender junto a jcd sou eu, que sei há muito que não adianta falar de matizes com quem é incapaz de ultrapassar a barreira do preto ou do branco."

Toma, que já levaste! Bem dizia a minha mamã para respeitar sempre os doutores. O que é que me terá passado pela cabeça? Debater o Médio Oriente com alguém que até lê livros desse famoso historiador, Noam Chomsky? Já não tenho perdão. Fui aniquilado pelo name-dropping! Reduziram-me à minha insignificância. Resta-me fazer um acto de contricção

Ilustre RS: Desculpe, está bem? Penitencio-me. Eu nunca fui ao cinema. A minha raiva e convicção são fruto da minha ignorância. Vejo o mundo a preto e branco. Tenho 6 anos. Não me leve a mal. A culpa não é sua, é minha, tenho dificuldades de entendimento. Por favor, não se considere culpado desta minha incapacidade em debater todos os assuntos com a clarividência, inteligência e elegância que encontro nas suas palavras. Vou continuar a ler a sombra, para aprender a ver o mundo a 256 cores. Muito obrigado pelos ensinamentos.

PS: Só mais uma questão (não é obrigado a responder, claro...): para entender melhor o conflito israelo-palestiniano, devo passar a usar um kufiya...ahhh, perdão, um kuffiyeh a cores ou a preto e branco?
# jaquinzinho de jcd : 26.8.03

--- end quote ---


Fica o registo.

Um Kuffiyeh longe de mais...


Não existe nada que mais me agrade que uma boa discussão, no sentido lato de troca de ideias, pois para além de "apenas saber que nada sei" me sinto estimulado a procurar novos argumentos e, como bem sabem os que lêem A Sombra, não tenho grilhetas dogmáticas que me impeçam de reconhecer como válidas as ideias que o são, venham elas de que quadrante político vierem.

Por vezes, porém, não consigo discutir determinados assuntos com determinados interlocutores; por exemplo, não consigo discutir cinema com quem nunca viu um filme. Nessas alturas, o melhor é mudar de conversa e/ou de interlocutor.

Hoje tive essa experiência com o jcd, do Jaquinzinhos.
(Aqui, como aqui - ver abaixo)
Compreendo, perfeitamente, a sua raiva e a sua convicção, mas nunca conseguirei aceitar a sua visão limitada do conflito israelo-árabe.

Com quinze anos, simulava as manobras das IDF (Forças de Defesa Israelitas) na guerra do Yom Kippur com os meus modelos; com dezassete, usava um camuflado com a insígnia da Sayeret Tzanhanim (Entebe) - "Yoni" Netanyahu era um dos meus "heróis" (ainda hoje o considero um herói) - e amigos meus viraram-me as costas por o fazer; com essa idade, os meus pais impediram-me de ir para Israel como voluntário (para um Kibbutz); aos dezoito, maravilhava-me com a audácia da IAF (Força Aérea Israelita) no seu ataque a Osiraq (embora me fosse já visível algo mais, para além da brilhante manobra militar). Não conseguia, por mais que mo explicassem, ver o "outro lado". Pensava que um bom árabe era um árabe morto. Ponto final.
Aos dezanove concorria para a Academia da Força Aérea Portuguesa, onde não entrei por ser considerado "demasiado agressivo" (foi o que me disseram!), após alguns dias de testes médicos e psicotécnicos - de entre os rótulos que me tentam colocar, talvez o que mais repudio seja o de "pacifista" no sentido de "objector".

E aconteceu o 16 de Setembro de 1982...
Penosamente, como sionista convicto da "superioridade moral" do Eretz Israel e como lusitano aristocrático, descendente de Cruzados e da nobreza católica espanhola, herdeiro da melhor tradição da "reconquista" ibérica aos mouros, fui percebendo muitas coisas que não compreendia, não sabia ou não queria ver.
Para mim, Sabra e Chatilla foram o ponto de viragem, não para o sentido contrário, mas para a percepção de que o terror era usado há muito por mais do que um dos lados do conflito.

A partir de então, tenho testemunhado o que ambos os lados fazem, recorrendo a variadas fontes, desde o Haaretz à Al-Jazeera, do Le Monde Diplomatique à The Economist, da CNN à M5, passando pela BBC. Não vejo que nenhum deles possa reclamar "superioridades morais" ou outras. Vejo intransigência, vejo ódio, vejo racismo... Vejo dois povos que viviam em harmonia há séculos serem empurrados um contra o outro pelos sonhos de glória "ocidentais" e "civilizados" que lhes vendemos.

Nas minhas estantes, poder-se-á encontrar "The Revolt" (Menachem Begin) ao lado do "Dossier do Conflito Israelo-Árabe" (com prefácio de Jean-Paul Sartre), "A Riqueza e Pobreza das Nações" (David S. Landes) encostado à "História da Revolução Chinesa" (Enrica Collotti Pischel), "Our word is our weapon" (Marcos) é vizinho da "Diplomacia" (Henry Kissinger), "A New Generation Draws the Line" (Noam Chomsky) convive com "Bush at War" (Bob Woodward)...

Hoje uso um Kuffiyeh ao pescoço todos os dias, mas não com o significado que um dia usei o falcão da Sayeret Tzanhanim num casaco camuflado. Nesses dias, o falcão era uma lâmina apontada aos árabes, hoje, o kuffiyeh é uma mão estendida à humanidade inteira. Para jcd, porém, ele é, ainda, uma lâmina apontada aos judeus. Lamento.

Compreenderá jcd (de quem não faço a mínima ideia de como se chama ou que idade tem) que não consiga ver o mundo a preto e branco, como ele. O mundo, para mim, será sempre obscuro, como já tive oportunidade de lhe referir. E não lhe tenho nada a levar a mal.
Se existe um responsável por não me fazer entender junto a jcd sou eu, que sei há muito que não adianta falar de matizes com quem é incapaz de ultrapassar a barreira do preto ou do branco.

Assim considero encerrada esta "metapolémica" com jcd, mas não a abordagem do dilema israelo-palestiniano na blogosfera.

Ao Jaquinzinho, um abraço.

Pel'A Sombra,
RS

nota:
Talvez uma forma de ver o mundo através dos meus olhos seja seguir as entradas relativas ao ensaio "Camelot 2003" que vou publicando, sequencial mas espaçadamente, n'A Sombra - link ao lado em algumas Sombras. Fica prometida para hoje, mais logo, a publicação de mais um capítulo.

segunda-feira, agosto 25, 2003

Dodgers


O jaquinzinho apagou a entrada a que me refiro abaixo
(em "Chacun à son goût") e editou uma nova entrada com o mesmo nome, eliminando, involuntariamente, os comentários que eu tinha escrito na original. Acontece.
Aos leitores d'A Sombra que foram mal direccionados pelos links errados para os jaquinzinhos, as minhas desculpas. Os links para a entrada em questão ("Coisas que li na Blogosfera - Parte 3") já se encontram actualizados.

Para jcd:
Não tem nada que pedir desculpa, jcd, mas, para a próxima, escusa de apagar a entrada, basta trabalhar sobre a existente. Vai ver que os comentários não desaparecem.
E obrigado por ter recuperado o comentário apagado. :)

Chacun à son goût

Lido em Jaquinzinhos:

--- quote ---

O 'pro-palestiniano' da sombra, escreveu:

"O embaixador de Israel em Lisboa, Shmuel Tevet, não consegue entender "como é que alguém consegue entrar num autocarro, olhar para estas crianças, ouvir o seu riso e explodi-las" (sic). Na faixa de Gaza ou na Cisjordânia, existirão palestinianos que não entendem como é possível alguém ter uma criança de doze anos na mira de uma espingarda e premir o seu gatilho."
(ver "Entendimento" completo, n'A Sombra)

Não é só na faixa de Gaza ou na Cisjordânia que esses actos são incompreensíveis. Ninguém bem formado pode entender que se assassine uma criança voluntariamente. Esses atentados também acontecem na Cisjordânia ou em Gaza? Os relatos que tenho lido sobre assassínio voluntário e premeditado de meninos são quase sempre passados em Israel.

Como proceder com esses assassinos de crianças? Qualquer homem (ou mulher) que tenha um menino, uma menina ou um recém-nascido na mira de uma espingarda e dispare, ou ao alcance duma bomba e a accione, é um criminoso. Esses homens que matam adultos e crianças e/ou organizam crimes contra inocentes não deveriam andar em liberdade, viver entre gente civilizada. (...)

--- end quote ---



Caro Jaquim,

Agradeço (e recuso) mais este rótulo de "pró-palestiniano". Sou tão pró-palestiniano como pró-israelita e tão anti-fundamentalista-islâmico como anti-sionista. Mais uma vez, lamento desiludi-lo.

Desconhecerá, não sendo um "connaisseur" do Próximo Oriente, que as Forças de "Defesa" Israelitas têm ordens explícitas para atirar a matar sobre qualquer criança com mais de doze anos de idade. Como deveria saber, tais ordens são mais aplicadas a Gaza ou Hebron que a Telavive, de onde a resposta à sua pergunta "Esses atentados também acontecem na Cisjordânia ou em Gaza?" é sim.
Reconhecerá o Jaquim, porventura, mais valor na vida de uma criança israelita que na de uma palestiniana. É o exemplo acabado do que escrevi na entrada "Entendimento":

"É por isto que não há roteiro possível para paz alguma no Oriente Próximo. Porque não existe este tipo de entendimento, quer de uma quer de outra parte. Pior, existe uma recusa desse entendimento. "

Fico grato ao jaquinzinho por ilustrar de forma tão excelente o meu ponto de vista, na sua entrada "Coisas que li na Blogosfera - Parte 3", de onde foi retirado o excerto acima.

Recomendo ainda ao jaquinzinho uma segunda leitura (bem mais atenta) da entrada que menciona ("Entendimento"). Verificará que os criminosos a que ele próprio se refere são os militares israelitas ("Qualquer homem (ou mulher) que tenha um menino, uma menina ou um recém-nascido na mira de uma espingarda e dispare (...)").
Concordo em absoluto com ele: esses homens, ou mulheres, (*) não deveriam andar em liberdade nem viver entre gente civilizada.

(*) para o Jaquim: uns e outros. :)

Carretero


Yo trabajo sin reposo
Para poderme casar
Y si lo llego a lograr
Seré um guajiro dichoso.


(excerto da guajira(*) "El Carretero",
in "Buena Vista Social Club", World Circuit 1997)


A felicidade é tão simples e tão complexa...


(*) Guajira: lamento camponês oriundo de Cuba oriental com tradições que se estendem à música africana da costa ocidental, também conhecida como "Cuban Blues".

Entendimento


O embaixador de Israel em Lisboa, Shmuel Tevet, não consegue entender "como é que alguém consegue entrar num autocarro, olhar para estas crianças, ouvir o seu riso e explodi-las" (sic). Na faixa de Gaza ou na Cisjordânia, existirão palestinianos que não entendem como é possível alguém ter uma criança de doze anos na mira de uma espingarda e premir o seu gatilho.

É por isto que não há roteiro possível para paz alguma no Oriente Próximo. Porque não existe este tipo de entendimento, quer de uma quer de outra parte. Pior, existe uma recusa desse entendimento. O israelita entende que uma criança palestiniana é um terrorista em potência, mas não o que o palestiniano entende - que uma criança israelita é um soldado em potência. Eu entendo os dois, mas não sou israelita ou judeu, palestiniano ou muçulmano, apesar do sangue árabe e semita que me corre nas veias.

Nunca saberei se, fosse eu um ou outro, conseguiria ter o entendimento das duas causas e a compreensão dos seus efeitos; se também me faltaria o reconhecimento das duas atitudes como criminosas, tomando uma delas como legítima. O que sei é que existem israelitas e palestinianos que entendem isto perfeitamente e que apenas neles reside a ínfima esperança de resolução deste dilema.

(ver "Mais dúvidas de morte", por Adeodato)

A Deusdado


Daniel Deusdado assinava o seu último editorial no Público, a 24Ago2003, intitulado: "Sérgio, Annan e esta dor" (reprodução integral abaixo).

Esta dor é partilhada por milhões de pessoas em todo o mundo, entre as quais me encontro, assim como partilham, também, a sua esperança na recuperação da ONU, catalisada por eventos que, pela tragédia que encerram, mais parecem destinados a terminar de uma vez com as Nações Unidas. Essa esperança é, para mim, ténue, abafada que está no meu subconsciente pela aparentemente inexorável caminhada da História em sentido oposto.

Contrariamente a Deusdado, não consigo encontrar entre as qualidades inequívocas de Kofi Annan as que seriam necessárias para recolocar a ONU e os seus membros nos lugares devidos - os de quem não apenas deve, mas tem de respeitar o Direito internacional. Oxalá me engane.

Como Daniel Deusdado, porém, tenho plena certeza que os que fazem do terror a sua arma jamais conseguirão eliminar todos os que amam a paz. Tenho para mim, ainda, outra certeza: a de que saberemos permanecer livres ante a investida brutal dos que pretendem usar o medo que emana desse terror para nos intimidar e convencer a prescindir dos nossos direitos em troca de nada.
Acredito que uns e outros, ambos agentes activos do terror, nunca nos conseguirão eliminar a todos, os que amamos a paz, sim, mas os que não hesitam em lutar pela sua liberdade, seja quem for o inimigo.

Daniel Deusdado deseja que os leitores do Público o continuem a preferir como jornal diário e parte para realizar projectos pessoais. Daqui lhe desejamos boa sorte. Assim perde o Público um dos seus elos mais fortes...
... Adeus.

E até sempre.

Pel'A Sombra,
RS

---

Último editorial no Público de Daniel Deusdado
(texto integral):

Sérgio, Annan e Esta Dor
Por DANIEL DEUSDADO
Domingo, 24 de Agosto de 2003

1. Há uma dor que nos toca fundo quando olhamos para a urna que transporta Sérgio Vieira de Mello e o "vemos" pela última vez, e com ele perdemos um novo pedaço de uma certa ideia de que a Paz vence.
Aos ombros daqueles soldados brasileiros pesa não apenas um corpo mas a nossa derrota planetária, como se ali estivesse figurada a impossibilidade de acreditar nos outros ou a incapacidade da ONU em evitar que poderes extremistas tomem conta do mundo.
Mas depois de se olhar - mesmo não se querendo olhar - para Sérgio Vieira de Mello, resta-nos limpar a face e pensar que mesmo assim é possível vencer a desordem alienada no Iraque, a agonia do Médio Oriente, a fome de África, o aquecimento global ou o cansaço de entregar a vida dos nossos melhores às mãos dos cada vez mais numerosos líderes de orgias de sangue e terror. Mesmo que não tenhamos grande certeza disso. Mas estas são causas que não dependem de optimismos ou de pessimismos, mas de convicções, como ontem demonstrou Ramiro Lopes da Silva, o português indigitado para o lugar de Sérgio. A nossa vida é tanto melhor quanto mais livre for para seguir um ideal.

2. A morte de Sérgio Vieira de Mello e as notícias que vão acompanhando a escalada de violência obrigam-nos a mudar. Para conseguirmos evitar uma dilaceração permanente da alma - em que cada notícia é como uma pedra na confiança num mundo melhor -, temos de nos ir transformando em pessoas-com-carapaça-de-tartaruga. No mais profundo do nosso interior é difícil resistir à espiral de loucura global sem se construir uma sólida barreira contra todas as notícias que quotidianamente empurram os limites do nosso espanto para mais longe.
O nosso novo marco civilizacional, o 11 de Setembro, pulverizou a nossa capacidade de "confiar" nos outros homens - confiar no sentido de "humanidade" que nos transcende a todos, unidos pelo respeito a esse ténue véu, inultrapassável, que é a vida.
Depois do 11 de Setembro, a noção de que o "alvo" somos todos nós, desde que possamos ser contados como vítimas, foi-nos tornando protagonistas de cada notícia. Se vai pelo ar um autocarro em Jerusalém, ou um grupo de pessoas junto a uma qualquer embaixada, ou se falha a luz numa cidade como Nova Iorque e a multidão é tomada pelo terror do atentado, somos nós. Mas é deste terror que vivem os terroristas, e é contra estas causas que temos de nos manter firmes na convicção de que somos muitos mais os que amamos a Paz. Não nos conseguirão eliminar a todos.

3. Talvez como nunca, Kofi Annan apareceu nos últimos dias de semblante dilacerado. Devemos reconhecer que, dia após dia, com grande sentido de equilíbrio e procura de consensos, Annan tem sido o garante de milhões de vidas. Também ele faz parte do grupo dos melhores que o mundo tem e é, talvez, a nossa maior esperança.

PS - Para dar continuidade a projectos pessoais, este é o último editorial que assino neste jornal. Aos leitores, o meu profundo obrigado por continuarem a preferir o PÚBLICO, um espaço ímpar de informação em Portugal.


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(extraído de http://jornal.publico.pt/2003/08/24/EspacoPublico/OEDIT.html)

Regressos (um)


A Espada retoma o seu lugar na Pedra.
Para meu espanto - e orgulho - A Sombra está entre os seus links.
Um privilégio imerecido, pela qualidade da companhia, mas que agradecemos.

Bem vindo de volta, PJF.

Amadeo II


Duas situações me chamaram a atenção, pela negativa, no 4º Prémio Amadeo de Souza-Cardoso (ASC). (ver Amadeo I, abaixo)

Uma delas foi a forma como as obras foram examinadas pelo júri de selecção. Uma ceramista que conheço, Sofia Beça, enviou uma peça grande, modular, que foi eliminada. Ao recolher o trabalho, verificou que não a montaram, sequer; a maior parte dos módulos estava nos seus invólucros originais. Que critério de selecção é este? É por foto? Então para que desembrulharam alguns módulos? E se basta olhar para a fotografia, porque obrigam (está no regulamento) os concorrentes a terem o trabalho e a despesa de carregarem as peças para Amarante?

A outra é muito pior.
Um amigo que foi seleccionado com um tríptico apercebeu-se que a organização se preparava para imprimir o catálogo da exposição do prémio não com o seu heterónimo, com que assina todas as telas, mas com o seu nome verdadeiro, com o qual nunca assinou uma tela na vida - nem vai assinar!
O caso foi detectado por acaso, pois o MMASC (1) estranhou que o seu e-mail com o currículo e a descrição do trabalho, já enviado por duas vezes, não aparecesse... Estavam à procura do nome verdadeiro no remetente, não o do artista, e foi por isso que a anomalia se detectou.
Motivos?
Apesar de, no acto de inscrição, ser indicado o nome artístico, a grelha de participantes que serve para o catálogo e para a exposição é feita com os nomes verdadeiros destes!
Evidentemente, o caso do meu amigo não é único. Todos os pseudónimos artísticos dos pintores seleccionados, nomes que assinam as obras, seriam trocados por nomes que não têm relação nenhuma com os trabalhos!

Assim, uma concorrente de nome Ana Lopes, que sempre assina o seu trabalho como Andrew Clark, por exemplo, teria como recompensa pela sua selecção nunca ligarem o nome Andrew Clark ao seu trabalho, ao mesmo tempo que o nome Ana Lopes permaneceria, inexplicavelmente, ligado a uma única peça, premiada com o Amadeo, que consta do catálogo daquele importante evento bienal.
Dir-se-á, a propósito, no meio artístico: "aquela Ana Lopes era interessante, mas nunca mais pintou nada"... Lindo. Um belo início de carreira...

nota:
Por pedido do amigo pintor a que me refiro, não revelo aqui a sua identidade, apenas menciono a sua máxima: ars est celare artem (arte é esconder a arte)... Chama-se a isto ironia do destino.

nota2:
Apesar de alertada para a situação, a organização do Prémio ASC não conseguiu garantir que as correcções sejam efectuadas a tempo! Isto é, pode ser já tarde para impedir a impressão dos catálogos cheios de ilustres desconhecidos. Este 4º Prémio Amadeo ainda vai ficar para a história como o "Salão dos Fantasmas".

4º Prémio Amadeo de Souza-Cardoso
13 de Setembro a 2 de Novembro de 2003
(1) Museu Municipal Amadeo de Souza-Cardoso (MMASC) - Amarante

Ver Amadeo I, n'A Sombra.

Amadeo I


Alguns amigos e amigas que concorreram ao 4º Prémio Amadeo de Souza-Cardoso, no MMASC (1), em Amarante, receberam a notificação oficial da sua eliminação do prémio. Felizmente, até para preservar o carácter idóneo do prémio em questão, um amigo meu foi seleccionado, mesmo sendo um ilustre desconhecido.

Já o calibre de alguns jornalistas permanece duvidoso... No Diário de Notícias, de 19 de Agosto, no sector de Artes, p. 37, podia ler-se, sob o título:

"Júlio Pomar vence Prémio Amadeo de Souza-Cardoso",

"O pintor Júlio Pomar foi ontem distinguido com o Grande Prémio Amadeo de Souza-Cardoso (segue-se uma análise sucinta da vida e obra do consagrado pintor) (...). A pintora Ana Vidigal venceu o Prémio Amadeo de Souza-Cardoso, o outro galardão atribuído na mesma bienal, que visa premiar um novo valor das artes contemporâneas portuguesas.
O prémio atribuído a Júlio Pomar foi o mais concorrido de sempre, com a inscrição de 705 telas de 475 artistas. (...) A exposição com as obras seleccionadas para o concurso decorrerá de 13 de Setembro a 2 de Novembro, em simultâneo com uma exposição retrospectiva da pintura de Júlio Pomar."


(destaques a bold da responsabilidade d'A Sombra)

Primeira impressão: Júlio Pomar, um dos grandes valores da nossa pintura, concorreu a um prémio destinado a valores emergentes, ditos novos ou mesmo desconhecidos, prémio esse "indivisível no valor de 7.500,00 €" (2).
Segunda impressão: Um novo valor, Ana Vidigal, ganha um suposto prémio paralelo destinado a essa classe de artistas. Mas, afinal, quantos Prémios Amadeo existem a concurso?

Pois só no Público do dia seguinte, 20Ago2003, se leria a notícia correcta. Afinal, a vencedora do ÚNICO Prémio Amadeo a concurso foi mesmo Ana Vidigal que, além do prémio monetário, terá a obra premiada no espólio do MMASC.
Quanto a Júlio Pomar, foi distinguido com o Prémio de Carreira, que indiscutivelmente merece, a propósito do qual se realizará a referida retrospectiva.

Conclusão: Júlio Pomar não está a tirar o lugar a nenhum novo valor, mas o mesmo já não se pode dizer do "jornalista" (anónimo) que realizou a peça do DN. Haja paciência.


4º Prémio Amadeo de Souza-Cardoso
13 de Setembro a 2 de Novembro de 2003
(1) Museu Municipal Amadeo de Souza-Cardoso (MMASC) - Amarante

(2) Transcrito do regulamento do Prémio ASC.

Ver, ainda, Amadeo II, n'A Sombra.