quarta-feira, dezembro 31, 2003

Stormrider


Como já vem sendo hábito, desloco-me para Alvaiázere no Ano Novo. É uma tradição que espero poder manter por muitos anos e que me dá prazer; começar o ano na tranquilidade das Terras do Falcoeiro.
Para mais, este ano calha bem, pois aproveito o fim-de-semana e permanecerei mais uns dias. Como é costume, sempre que lá me encontro, actualizarei A Sombra desde o Web-Café local. Inch' Allah!

Para todos, votos renovados de entradas de arromba. Até então, um grande abraço desde A Sombra. See you next year! (*)

(*)
E isso não significa dentro de três quartos de hora! :)

terça-feira, dezembro 30, 2003

All Blog Stars 2003


A Sombra tem cumpridos quase seis meses de existência. A nossa primeira entrada data de 04Jul2003 e, na altura, pretendia ser um blog colectivo. Desde então, porém, os bloggers "de serviço" foram apenas três: o Pedro Couto (PC) - com o estonteante total de uma entrada publicada (!), que já se converteu no objecto do nosso "desporto" oficial: descubra a entrada de PC n'A Sombra! -, Fabien Jeune (FJ) e eu próprio.

Desde o início que os arquitectos Manuel da Cerveira Pinto (MCP) e Helena Ricca (HR) andam arredados da Web por razões de manifesta falta de tempo a que se tem somado, diga-se em abono da verdade, falta de pachorra!, enquanto Fernando Granjo (FG), companheiro de outras lutas e bom amigo, ainda não encontrou forma de conciliar a participação activa neste espaço com um período particularmente invulgar da sua vida, que espero seja ultrapassado de largo em 2004.

Há alguns dias, o próprio Fabien chamava a atenção para este facto insólito, em termos diplomáticos que, traduzidos, significavam "se-isto-é-um-blog-colectivo-vou-ali-e-já-venho", mas, para mim, A Sombra será sempre um blog colectivo, até porque muitos dos temas aqui retratados foram objecto de conversas com os restantes amigos, activos ou não neste espaço, o que é uma forma de colaboração, afinal.
Por esse motivo, apenas realizarei uma pequena, mas significativa, mudança estrutural no cabeçalho do blog, onde passará a existir uma distinção entre os bloggers permanentes, que já publicaram entradas, e os que ainda não encontraram o momento adequado à sua estreia.
Esperemos que 2004 seja propício às suas intervenções - em especial por se tratar de personalidades fortes de convicções precisas (e polémicas!), o que traria um gosto especial a este espaço. A ver vamos.

Quanto à Blogosfera em 2003... Talvez alguns esperassem ver nesta entrada um ranking de blogs, uma indicação das nossas preferências ou algo assim. Mas não se trata disso.

Ao longo destes seis meses, A Sombra foi destacada por alguns blogs, destacou outros, foi colocada nas listas de ligações de outros... Enfim, estabeleceu ligações de vários tipos e a variados níveis com parte da blogosfera a que pertence e alguma da que se vai fazendo por todo o mundo, que, aliás, a julgar pelo nosso tracker, tem seguido também o nosso trajecto, da Nova Zelândia à Irlanda, do Japão à Bélgica, do Brasil a Taiwan - embora tal facto, caso os internautas oriundos dessas paragens não dominem o português, seja estranho, no mínimo (além de que a aplicação de software de tradução automática a páginas com o tipo de conteúdo d'A Sombra deve ser qualquer coisa de surreal!). E, naturalmente, fomos visitados pelos amigos com domínio norte-americano dot-gov. Just in case...

Neste curto período da nossa existência, conhecemos pessoas fantásticas, algumas almas quase gémeas, estabelecemos relações curiosas, fomos protagonistas de polémicas... Muito aconteceu, de facto.
Seria injusto criar um sistema de classificação de todos os blogs que se relacionaram connosco, premiar ou destacar alguns ou atribuir categorias. Não o faremos. Em condições normais, já existem os que destacamos "por mérito", com presença nos nossos Blog Links, na coluna da direita - e mesmo esses são ordenados alfabeticamente, sem ordem de preferência. O que fazemos, nesta entrada, é colocar por uma vez na nossa página principal todos os blogs que, de alguma forma, passaram por esta Sombra ou sobre os quais ela pousou. Sem distinção, sem outra ordem que a alfabética, sem os cognomes que atribuímos a alguns ou as suas classificações internas, como a pour le mérite, sem os códigos próprios da nossa lista completa de ligações.

Estes são, assim, aqueles que À Sombra disseram respeito ou da parte dela mereceram atenção. Aqueles de entre os presentes que atingiram um patamar superior na nossa consideração, incluindo os de algumas pessoas em que gosto de pensar como amigas, não precisam de o ver expresso aqui. Sabem-no bem.

Eis, portanto, os All Blog Stars de 2003, n'A Sombra. Alguns são já apenas uma memória, outros estão em pleno, outros ainda agora mesmo começaram... E há aqueles que jamais poderão voltar. Mas todos aqui se encontram.
Que a eles, sem excepção, 2004 traga fortuna, paz, bom senso e, afinal, felicidade. E que para o ano cá estejam todos, acompanhados por mais alguns!
Bem hajam por partilharem deste espaço. Boas entradas.

Pel'A Sombra,

Rui Semblano
Vila Nova de Gaia, 31 de Dezembro de 2003


  • 100nada

  • 500.000

  • A Aba de Heisenberg

  • A Origem do Amor

  • A Pedra e a Espada

  • Abram os olhos

  • Abrupto

  • Aviz

  • A Coluna Vertebral

  • A pente fino

  • A Praia

  • AANES

  • Absurdo Testamento

  • Acanto

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  • Algarveglobal

  • Almocreve das Petas

  • amonarquiaemportugal

  • Analiticamente incorrecto

  • Anarca constipado

  • Assembleia

  • Avatares de um desejo

  • Blog de Esquerda

  • Barnabé

  • Bekbekbek

  • Blog sem nome

  • Blogdemocracia

  • Bomba inteligente

  • Brandos costumes

  • Castelo de Cartas

  • Cataláxia

  • Crítico

  • Cruzes Canhoto!

  • Cabo Raso

  • Castor de Mármore

  • Cidadão livre

  • Citador

  • Conversa da teta

  • Conversas de Café

  • Crónicas matinais

  • Dicionário do Diabo

  • Daedalus

  • Descrédito

  • Dunhill King Size

  • Eis o Triumvirato

  • El Coronel

  • Encapuzado extrovertido

  • Eu Vou Mas Volto

  • Extravaganza

  • Faccioso

  • Gato Fedorento

  • GANG - Grupo de Arquitectos No Gang

  • Glória fácil

  • Grande Superfície

  • Hora Absurda

  • Homem a dias

  • Icosaedro

  • (Indis)Pensáveis

  • Janela para o rio

  • Jaquinzinhos

  • João Hugo Faria

  • Little Black Spot

  • Local e Blogal

  • Lamentos de um pessimista

  • Leitura partilhada

  • Lugar Efémero

  • Método Eleitoral

  • Musana

  • Maizumpomonte

  • Mephistopheles

  • Miniscente

  • O meu diário

  • O meu pipi

  • O País Relativo

  • O Projecto

  • O Bisturi

  • O Carimbo

  • O Comprometido Espectador

  • O Divã de Portugal

  • O Jumento

  • O Merdas

  • O Mundo da Rata Maluka

  • O Proletário Vermelho

  • O quarto do pulha

  • O Suspeito do Costume

  • Oliveira de Figueira

  • Ouvido de Barman

  • Pegada na Areia

  • Ponto Media

  • Pequena superfície

  • PickPocket

  • Pintainho

  • Ponto e Vírgula

  • Probabilidade subjectiva

  • Professorices

  • Quarta Vaga

  • Reflexos de Azul Eléctrico

  • Resistência Islâmica

  • Realidade Virtual

  • Retorta

  • SolidariedadeBlog

  • Santa Ignorância

  • Sem Certezas

  • Semiramis

  • Terras do Nunca

  • Textos de Contracapa

  • The Serendipitous Cacophonies

  • Tolentino

  • Ter voz

  • Trezentos mil

  • Universos Críticos

  • Valete Fratres!

  • Vamos lixar tudo

  • Vastulec

  • Ver

  • Viva Espanha

  • Zapping


  • nota:
    Blogs em que participo de forma directa ou indirecta
    e páginas auxiliares d'A Sombra:

    Arquivo Manual d'A Sombra . Ano I
    Links Completos d'A Sombra

    Cinema para Indígenas (CpI)
    Fantasblog (Jason's Blog)
    Panorama (Blogarquivo do suplemento do Miradouro)

    A Sombra © Rui Semblano, 2003/2004

    Efeméride...


    Já há muito tempo não me acontecia dar com um blog fresquinho, acabado de nascer. Aconteceu-me hoje com o Lugar Efémero. E soube bem encontrar um pequeno lugar assim, como um dia todos nós fomos, a terminar 2003; que, afinal, em Portugal sempre teve um acontecimento político e social digno de nota bem positiva: o estabelecimento de uma Blogosfera Lusa sem Papas (desses e das outras) e viveiro/reserva de ideais democráticos que há muito julgava perdidos no remoínho do quotidiano em que a maior parte de nós está mergulhada.

    Do Lugar Efémero, nascido na noite de Natal, à 1:49 da manhã do dia 25 de Dezembro, retiro este pensamento do seu blogger, de quem desconheço a identidade:

    --- quote ---

    Não tinha sido assim
    que tinha pensado começar este blog. Aguardou tanto tempo, tantas hesitações da minha parte, e na noite de Natal teve de ser,
    es muss sein!
    O início está! O que virá não sei, nem quero saber neste momento. É um percurso efémero... quão efémero? who knows...

    --- end quote ---

    Ninguém sabe, de facto. Mas espero que esta efeméride seja asinalada para o ano, por esta altura. Porquê? Não sei explicar. É como quando simpatizo com alguém antes mesmo de trocarmos palavras.
    Para mim, no que toca à blogosfera, chama-se isto terminar o ano with a cherry on top... Que a este novo Lugar, de Efémero lhe baste o nome e a ideia de como é efémera a nossa própria existência, como seres-humanos.

    Suerte!


    nota:
    E agradecidos estamos ao Lugar Efémero por nos ter dado a honra de pertencer à pequena lista de "Blogs Perenes", como lhes chama, com que iniciou a sua listagem de ligações permanentes. :)

    segunda-feira, dezembro 29, 2003

    Professorices...


    A propósito de um blog que descobri recentemente, feito por um docente a pensar nos problemas da docência, o Professorices, de João Vasconcelos Costa - a quem aproveito para agradecer a gentileza da colocação d'A Sombra entre as suas ligações -, aproveito para dedicar aos professores algumas palavras, em jeito de "fim de ano".

    Dos professores que tive, muito poucos me merecem o tratamento de Mestres, aqueles cuja vocação para o ensino e o gosto de ensinar e, especialmente, de formar eram visíveis para além de qualquer dúvida. Era como se o respirassem numa manhã fria...
    Desses, felizmente para mim, o mais excelente foi o meu professor da escola primária, então assim designada, que me acompanhou da primeira à quarta classe, na hoje ainda existente escola da Serra do Pilar, a dois passos da casa de meus pais. Chamava-se Valentim Ferreira Almeida, para mim (e para tantos outros) o professor Valentim.

    O seu exemplo como mestre ficou marcado para sempre na minha memória e as suas lições de disciplina e método, o respeito que nos incutia pelo próximo, fosse ele o próprio professor ou o colega da carteira ao lado, e o rigor, o gosto e clareza com que nos passava os conhecimentos não seriam nunca esquecidos - nem ultrapassados.

    Ao longo do tempo, verifiquei, consternado, como o nível de qualidade pedagógica dos docentes por quem fui passando diminuía à medida que aumentava o grau de ensino. Fiz todo o secundário num Colégio privado, o que me deu em academismo o que perdi em experiência de vida durante esses anos, ou melhor, o que me proporcionou uma experiência de vida muito diferente do comum estudante liceal. Pagaria mais tarde com uma inusitada rebeldia a "libertação" do rigoroso ambiente em que passei os que, ainda assim, vejo hoje como os melhores anos da minha vida. Dessa rebeldia resultaria um intervalo razoável entre o Secundário e a Universidade, mas isso são outras histórias.

    Certo é que esse tempo "de espera" fez com que entrasse na Faculdade com uma maturidade diferente dos que transitam para a Universidade directamente; o que somado à educação clássica que tinha me deu uma capacidade de avaliação pedagógica que eles simplesmente não possuíam. Demais, o Secundário começava a estar saturado de professores "de ocasião" ou, pior, "de necessidade", pelo que os termos de comparação dos meus jovens colegas não eram nada de especial... Para mais, entrando a destempo, fi-lo percorrendo o longo caminho dos exames Ad-Hoc, que incluíam uma prova de Português mais os exames específicos ao curso que pretendia, estes orientados e avaliados por um júri de docentes que, em alguns casos, encontraria depois nas salas de aula. Foram dias de provas, da História da Arte ao Desenho Gráfico, da Geometria à Figura Humana. Algo que os meus colegas não precisariam de fazer para entrar e que, caso o necessitassem, impediria a maior parte de ter entrado, como depois constatei. Os bons resultados das minhas provas de acesso, assim obtidos, mais autoridade me davam para exigir o melhor dos que me ensinariam. Eu não precisava do curso, verdadeiramente, mas estava ali para aprender e, supostamente, com os "mestres". A desilusão foi imediata e demolidora.

    Salvo raras e honrosas excepções, os docentes universitários que conheci deviam ser tudo menos professores, do ponto de vista estritamente pedagógico e não pondo nunca em causa a sua competência científica. O que me impressionou mais, foi o número de recém-licenciados que começava imediatamente a dar aulas, por vezes aos 4º e 5º anos! Num ano eram finalistas, no outro estavam a ensinar finalistas. Reconheço que pode acontecer semelhante coisa, em circunstâncias verdadeiramente excepcionais, mas não era o caso. Para mim, aliás, ser docente numa Faculdade implica um trajecto de ensino e uma experiência pedagógica prévios, por mínimos que sejam. Mas nada disso acontecia e, ao que vejo, nada disso acontece. A mediocridade derrotou a excelência em toda a linha, seguindo o trajecto inverso ao que experimentei; isto é, degradando o Ensino Superior, depois o Secundário e, finalmente, o Básico... É o pandemónio instituído, para mais com a benção do Estado, incapaz de pôr fim a esta situação.

    Não é raro encontrar textos escritos por professores cheios de palavras como "próssimo" ou "assima". Os livros editados com anedotas sobre a sapiência dos nossos estudantes deviam dar mais vontade de chorar que de rir, pois muitos deles serão os professores dos nossos filhos. Até no recente "Ao correr da memória", de Diogo Freitas do Amaral, existe um episódio deste tipo, datado de 1984, em que um estudante universitário respondia por escrito à pergunta "Qual foi a Revolução que derrubou o Estado Novo?" da seguinte forma: "Foi a Revolução do 25 da Bril."
    Onde estará a dar aulas este cromo?
    Um parêntesis é aqui necessário para evidenciar a fraca qualidade da pergunta, pois o que aconteceu a 25 de Abril de 1974 foi um golpe de Estado e não uma revolução, mas dá-se o desconto dos meros dez anos volvidos sobre a ocorrência para justificar a forma como foi feita a questão - embora acredite que ainda hoje se ensine isto nas escolas...

    A avaliação docente é extremamente necessária e poder-se-ia iniciar por aí mesmo, pela avaliação dos conhecimentos de Português falado e escrito. Tenho a sensação que metade dos docentes em actividade dariam a vaga. Depois viria a avaliação pedagógica - e esta é a mais complicada, pois exige uma fiscalização independente da própria escola e fiscais idóneos... A depender das próprias escolas, com o recente e escandaloso exemplo das colocações de última hora "a dedo", como podem os docentes confiar no processo? E como será o perfil do inspector? E como excluir ou diminuir o papel do número de alunos com sucesso na forma de avaliação? Uma equipa de inspectores é necessária, actuando em conjunto. Um grupo de pessoas é mais difícil de corromper que uma só, além de que ajuíza melhor.
    De qualquer forma, é como as inspecções automóveis. Todos sabemos que existem casos de corrupção e que passam na inspecção alguns veículos que deveriam ir direitinho para a sucata, mas alegar que seria melhor não existir inspecção de todo é fraco argumento.

    Olha; ponham a Maria José Morgado a controlar o processo de inspecção dos docentes e das escolas - pode ser que funcione!

    Caros professores,

    Se não têm vocação para dar aulas, ponham a mão na consciência e tentem arranjar a breve trecho uma ocupação menos prejudicial para o país. Eu sei que todos temos de comer, mas a continuar assim, estarão a impedir os meus filhos de comer um dia...
    Quanto aos inconscientes, que são a maioria dos que nunca deveriam ser professores e ainda gozam com isso, façam de conta que não leram nada. Mesmo que tudo corra pelo pior, as hipóteses de irem parar a uma "sucata" não são tão poucas como isso. O que é uma boa notícia, apesar de tudo.

    To be continued...
    (ou como diria uma candidata a docente: "continuédê"...)

    nota:
    O Professorices passa a estar referenciado nos Links Completos d'A Sombra, sendo outro dos fortes candidatos a ligação permanente nesta página. Mérito já o tem, espaço é que não há muito. Fica a promessa de rever os blogs que actualmente fazem parte dos nossos Blog Links permanentes, à direita. Talvez haja surpresas em Janeiro!
    Ao João Vasconcelos Costa, que não me parece um dos que anda a exercer uma profissão que não condiz consigo, um grande abraço!

    domingo, dezembro 28, 2003

    O Passado Imperfeito - Parte 1


    Não me desagrada o politicamente correcto "Person of the year" que desde há alguns anos vem substituindo a designação típica "Man of the year" na revista Time. De facto, o último "Homem do ano" na Time foi Andrew Grove, um dos fundadores da Intel, em 1997; em 1998, a distinção foi atribuída a dois homens: Bill Clinton e Kenneth Starr, protagonistas do evento do ano: as aventuras extraconjugais do presidente dos EUA. Foi o último ano em que a designação foi usada, dessa feita no plural, "Men of the year", sendo o contexto quase insultuoso para o género em causa e transformando a adopção do título assexuado, no ano seguinte, numa anedota. Aliás, a informática regressaria em 1999, com Jeff Bezos, administrador da Amazon.com, como primeiro detentor do título "Person of the year".

    É uma designação mais lógica, dado estar em causa a personalidade que mais destaque mereceu no ano que passou, do ponto de vista da Time, seja ela masculina ou feminina ou... uma máquina, como em 1982, ano em que o Computador Pessoal levou o troféu e foi usada a designação "Machine of the year" (Time, January 3, 1983).

    A decisão da Time, ao atribuir a distinção de 2003 ao soldado norte-americano, apanhou-me de surpresa, mas suponho que a sua razão de ser é clara, tanto mais que, em termos de individualidades, em especial ligadas à política, este ano foi muito mau. Para além dos cromos repetidos, como o de 2000, no que respeita aos EUA as figuras de proa da administração do Estado encontram-se em "low profile mode", à espera de melhores dias - e a essas, a captura de Saddam Hussein não foi suficiente para fazer surgir à luz dos media como protagonistas de coisa alguma. São demasiado experientes para isso.
    Quanto à ONU, estamos conversados. Desde 1993 (o ano de Rabin, Arafat, de Klerk e Mandela) que a cena internacional não tem estadistas ou diplomatas que se destaquem pelo seu papel positivo - e mesmo nesse ano, Arafat foi à boleia, para equilibrar a foto. Hoje como ontem, apesar da "abertura" da administração Clinton e do "multilateralismo" que o actual Governo dos EUA diz perfilhar, inclusivamente na pedra de toque da sua política: a Estratégia de Segurança Nacional, de 2000, a ONU atravessa um período apagado, inglório e humilhante, reduzida a um simbolismo tão deprimente quanto evidente.

    Quanto a figuras europeias, os sucessivos escândalos relativos ao dossier iraquiano eliminaram Tony Blair da corrida ao título muito cedo, ao passo que os restantes protagonistas da Europa nunca poderiam fazer parte dela - os "amigos" dos EUA por demasiado apagados e os seus opositores por isso mesmo, para além de nada de realmente relevante terem feito, no sentido positivo.
    Do resto do mundo, que personalidade política destacar? Ninguém com real impacto no "mercado ocidental" fez nada digno de nota, pelo menos que mereça um destaque como o dado à "Pessoa do ano".
    Pensando bem, politicamente, 2003 foi um ano para esquecer; desde o peru de G. W. Bush ao autismo paranóico de Kim Jong Il, passando pela actuação de Paris e Berlim na (des)constituição da Europa. Quanto ao Oriente Médio, neste momento a competição entre Arafat e Sharon é mais para "Asno do ano" que para "Pessoa do ano"...

    Para mim, aliás, o homem do ano seria Michael Schumacher, pelo seu feito desportivo sem precedentes. Mas é alemão, além de que atribuir uma distinção a um desportista profissional num ano de guerra e de tensões seria fugir ao problema - e de que a Fórmula Um permanece uma curiosidade conhecida de meia dúzia de norte-americanos, num país onde fazer um circuito com mais de duas curvas é um delírio.
    A opção da Time não foi fruto desta pobreza em matéria de destaque individual político e/ou empresarial positivo. Ao ver a capa da sua edição de 29 de Dezembro, já à venda, não consegui lembrar-me de outra ocasião em que tal se tenha passado, isto é, em que o destaque fosse para o G.I. Joe (ou será G.I. Person?). Não me recordava de tal coisa com razão; a única outra vez que tal sucedeu foi em 1950, a propósito da guerra da Coreia. Não precisei de fazer nenhuma pesquisa; a própria Time esclarece este ponto nesta edição, numa pequena nota em que faz eco da notícia de há 53 anos.

    Hoje, a capa tenta ser politicamente correcta, representando dois homens (um deles negro) e uma mulher no uniforme dos Old Ironsides, a 1ª Divisão Blindada dos EUA. Chamam-se Whiteside, Buxton e Grimes; fazem parte dos Tomb Raiders, um pelotão de Old Ironsides que a Time acompanhou em detalhe no artigo "Portrait of a platoon" - a escolha de um pelotão com este cognome, aliás, demonstra que os norte-americanos continuam tão subtis como elefantes numa loja de porcelanas. O fantasma do resgate da soldado Lynch percorre-me a espinha, mas ao ler o artigo, parece-me legítimo e verdadeiro. Mas esta é apenas uma secção da parte da revista dedicada à "Pessoa do ano". Antes, uma introdução justificativa da escolha e uma série de fotos dramáticas; depois... Donald Rumsfeld.

    A tentação de colocar Donald Rumsfeld como "Person of the year" deve ter existido. É a única forma de explicar a presença de um artigo tão exaustivo como o dedicado aos soldados, com o secretário da Defesa norte-americano, incluído na secção dedicada à "Pessoa do ano". Depois de ter sido chamado de "herói dos nossos dias" nos jornais, chega a consagração na Time. Uma consagração tímida, mas uma consagração. Os Tomb Raiders estão ali apenas para preparar o terreno, como tantas vezes o fazem, mas desta vez é para o próprio "patrão".

    De um modo geral, o conjunto é uma peça banal do ponto de vista jornalístico, sendo os artigos dedicados aos soldados uma mera introdução a Rumsfeld. O artigo dos Tomb Raiders podia até encontrar-se em qualquer uma das edições da Time, com um título do género "Um dia na vida dos Old Ironsides" ou coisa parecida. Claro que a maior parte das pessoas, incluindo os soldados norte-americanos, simbolicamente representados pelos Old Ironsides, "agraciados" pela distinção, jamais conhecerá o interior desta revista, isto é, será a capa que lhes ficará na memória. Por esse motivo, o fim é parcialmente atingido: elevar o moral das tropas e, em particular, das suas famílias.

    Se a invasão do Iraque se justificasse, tendo Saddam Hussein atacado um país vizinho ou se fosse provado para além de qualquer dúvida (e não apenas da razoável) que estava a desenvolver um arsenal de armas nucleares ou biológicas ou químicas com intenção de as usar ou vender a potenciais terroristas, talvez fizesse sentido colocar na capa desta Time capacetes azuis, dando-lhes o título de "Pessoas do ano".
    Demais, se pensarmos no número de missões ainda existentes que envolvem capacetes azuis e mesmo nos casos em que soldados europeus e de outros continentes estão envolvidos em missões de estabilização - como é o caso da NATO nos Balcãs e no Afeganistão, por exemplo, a capa e a distinção da Time chegam a ser insultuosas.

    Para os países que envolveram tropas no Iraque - em especial para o Reino Unido - a Time "Person of the year" chega a ser uma bofetada na cara. Em Itália, as famílias dos Carabinieri que morreram no Iraque também devem ter achado imensa graça à capa desta Time. De facto, internacionalmente (e convém não esquecer que é uma distinção internacional), esta escolha da Time é descabida, arrogante e insultuosa.
    Já nos Estados Unidos ela vem mesmo a calhar, numa altura em que existiram já muitas centenas de cadeiras vagas ao redor das mesas de "Thanks Giving" - é preciso não esquecer os feridos, cujo número não é publicitado. Nem a captura de Saddam Hussein elevou o moral, pois as mortes continuam, como esperado. Já Miguel Sousa Tavares, no Público, avisava que só um imbecil esperaria o contrário...

    O unilateralismo dos EUA não consegue disfarçar-se. A visão do mundo que é hoje a de Washington, condensada de forma evidente no parágrafo da Estratégia de Segurança Nacional que escolhi para ombrear com o que define o porquê da escolha da Time (ver entrada "Strategy makes the Person", abaixo, já traduzida), permanece messiânica e tão autista como a de Kim Jong Il que, se fosse governante da única megapotência à face da Terra, já se encontraria às portas da Europa, no seu esforço para levar o culto do pai (e o seu) aos "ignorantes infelizes" do resto do mundo...

    Há muitos anos, via os EUA como bastião da democracia e da liberdade. Havia saído de uma ditadura e encontrava na junção dos ecos ainda fortes da Normandia com a inegável abominação soviética uma boa razão para os ver assim. Depois cresci. Veio o Vietname que encontrei nos livros, fossem eles escritos por adeptos fervorosos da veracidade do incidente do Golfo de Tonkin ou pela mão de Bertrand Russel, e nas imagens, fossem elas protagonizadas por John Wayne ou por Martin Sheen. Veio a América Latina de Che a Allende, de Fidel a Pinochet, de Roosevelt a Kennedy... Veio a Palestina, de Golda Meir a Rabin, de Arafat a Darwish.
    As ilusões foram ficando para trás; romances desfeitos por uma realidade impiedosa que fui encontrando sozinho, sem guias iluminados, em textos escritos por muitos punhos e ditados por variadas cabeças. E é a realidade que hoje se impõe ao sonho, ironicamente apoiada em imensas fábricas de miragens... Como a Time, precisamente.

    Se o mundo não abrir os olhos, a começar pelos próprios norte-americanos, agora apostados no desenvolvimento de armas nucleares tácticas e plataformas militares flutuantes gigantescas, em breve não restarão outras opções que as de escolher viver sob a Stars and Stripes... ou não. O problema é que nesse "não" se encontram, desgraçada e inevitavelmente, todos os que se opõem à "democratização" do mundo pelos EUA - desde o fanático muçulmano mais empedernido até eu próprio. Assim, como já é apanágio de alguns intelectualóides da nossa praça, acabaremos todos por passar de "antiamericanos primários" a "fanáticos terroristas". Já faltou mais.

    Para trás ficarão as tentativas egoístas de alguns para adquirir mais poder para si mesmos, como é o caso da Alemanha; o encolher de ombros dos que pensam ainda poder viver isolados nas suas fortalezas, como a Suíça; os que desenvolveram um instinto de sobrevivência apurado e se tentam enganar com processos de segundas intenções que nunca serão atingidas, como a Líbia...

    O que nos resta, então?
    Talvez a "esperança dos loucos"... A única que existe para lá da de Pandora, que essa já há muito se perdeu. Mas continuo um romântico, apesar de tudo. Continuo convencido que, globalmente, estamos condenados ao entendimento, sob pena de não sobreviver.

    A isto estamos reduzidos, portanto.
    A única esperança de entendimento da humanidade está no seu instinto mais básico, alimentado pela mais vã das ilusões: a de que, como ela, também nós sobreviveremos. Nós, que estamos condenados a morrer desde que nascemos.


    Rui Semblano
    Porto, 28 de Dezembro de 2003


    ver O Passado Imperfeito - Parte 2

    sábado, dezembro 27, 2003

    Strategy makes the Person

    (*) entrada traduzida no final.

    (...)
    For uncommon skills and service, for the choices each one of them has made and the ones still ahead, for the challenge of defending not only our freedoms but those barely stirring half a world away, the American soldier is TIME's Person of the Year.
    (...)


    Person of the year - The american soldier
    Time Magazine (Europe), 29 December 2003

    (...)
    Finally, the United States will use this moment of opportunity to extend the benefits of freedom across the globe. We will actively work to bring the hope of democracy, development, free markets, and free trade to every corner of the world.
    (...)


    The National Security Strategy of the United States
    New York Times, 20 September 2002

    nota:
    Este saiu expontâneo e, para já, fica assim.

    (*) Tradução:

    A Estratégia faz a Pessoa

    (...)
    Por aptidões e serviço invulgares, pelas escolhas que cada um teve de fazer e pelas que os aguardam ainda, pelo desafio de defender não só as nossas liberdades mas as que apenas se começam a desenhar a meio mundo de distância, o soldado Americano é a Pessoa do Ano na Time.
    (...)


    Pessoa do ano - O soldado americano
    Revista Time (Europa), 29 Dezembro 2003

    (...)
    Finalmente, os Estados Unidos usarão este momento de oportunidade para espalhar os benefícios da liberdade pelo mundo fora. Trabalharemos activamente para levar a esperança da democracia, desenvolvimento, mercado livre e comércio livre a todos os cantos do mundo.
    (...)


    Estratégia de Segurança Nacional dos Estados Unidos
    New York Times, 20 September 2002

    quinta-feira, dezembro 25, 2003

    Meia-noite...


    Oh the weather outside is frightful
    But the fire is so delightful
    And since we've no place to go
    Let it snow, let it snow, let it snow!

    It doesn't show signs of stopping
    And i brought some corn for popping
    The lights are turned way down low
    Let it snow, let it snow, let it snow!

    When we finally kiss goodnight
    How i'll hate to go out in the storm
    But if you really hold me tight
    All the way home i'll be warm.

    The fire is slowly dying
    And my dear, we're still goodbying
    But as long as you love me so,
    Let it snow, let it snow, let it snow!


    Pronto.
    Agora, os presentes! :)

    quarta-feira, dezembro 24, 2003

    Noël...


    Nestes dias que antecederam o Natal, A Sombra parou um pouco. Ao trabalho, juntaram-se os preparativos para a véspera de Natal, as compras, os jantares da época, as visitas, todo o rodopio que é, também ele, sinónimo de alegria, por ser provocado pela família e pelos amigos.

    Apesar disso, é com prazer que anuncio que o Panorama nº 1 está pronto, encontrando-se em fase de revisão. Desta feita, após a Palestina, o tema será o Douro. Deverá sair em Janeiro, junto com o Miradouro, semanário regional de que é suplemento, sendo publicado na íntegra no blogarquivo onde já se encontra o nº zero, antes mesmo da distribuição nas bancas. Este foi outro dos motivos que me afastaram d'A Sombra, por estes dias. :)

    A todos os amigos d'A Sombra e a todos os que nela repousam ocasionalmente, renovados votos de uma Noite Feliz.

    nota:
    Como prometido, os próximos dias serão dedicados ao projecto de reconstrução de casas na Palestina. Para evitar novo período de "acalmia" n'A Sombra, farei um acompanhamento do trabalho neste local, de modo que poderão conhecer melhor esta iniciativa de israelitas e palestinianos que promove a Paz de forma sublime.

    sexta-feira, dezembro 19, 2003

    Campeão de ténis de mesa


    No Público de ontem, José Pacheco Pereira (JPP) disparata sobre as reacções à captura de Saddam Hussein (18Dez2003, p. 7, "Nem duplicidade nem propaganda").
    Lapidarmente, acusa quase todos (ou todos mesmo?) os que condenam a agressão ao Iraque ("articulistas"; "bloguistas" (!!!); "comentaristas" e todos os outros "istas") de "antiamericanismo" ou, "se quiserem" (como ele diz), de "antibushismo" (a verborreia neologística de JPP ainda vai dar cabo dos nervos à Academia de Ciências...).

    Afirma o abrupto intelectual que, depois de "ditas as proclamações rituais contra o ditador sanguinário", os "istas" que referiu passam à ofensiva, desencantando "uma nova linha de ataque contra os EUA" ou minorando o sucedido. Antes, faz notar bem que essas "proclamações rituais" são acrescentadas "a despachar", dizendo com isso explicitamente (e não apenas sugerindo) que quase todos (ou todos?) os que analisam a captura de Saddam Hussein de outra forma que o constatar da "grande vitória" conseguida por Washington e Londres são, na verdade, defensores do ditador iraquiano.
    Faz lembrar o tempo em que vociferava contra o Forum TSF, dizendo que 99% dos participantes eram contra a guerra no Iraque porque a estação de rádio os "escolhia a dedo" - lembram-se?

    Lá para metade do texto, JPP (que se mostrou irritadíssimo quando a Al-Jazeera mostrou as imagens dos prisioneiros norte-americanos) justifica as imagens do exame médico a Saddam Hussein dizendo que na guerra (como no amor...) vale tudo! Se essas imagens, diz ele, evitarem um "morto americano", e acrescenta (a despachar?), "ou iraquiano", então valeu a pena mostrá-las. O abruptamente preventivo JPP ao seu melhor estilo, portanto.

    A sentença do pensador é simples:
    "O que isto não é certamente é um jogo de pingue-pongue (pinGUE!? ponGUE!?) com o nosso ego e o dos outros."

    Caro Pacheco Pereira,

    Compreendo perfeitamente a sua confusão ao ver tanta gente jogar ping-pong à sua volta e tantas bolas a cair ao chão. Afinal, quem são estes "ping-ponguistas" comparados consigo?
    No entanto, devo confessar que prefiro o ping-pong deles ao seu. É que jogar ténis de mesa contra uma parede torna-se monótono ao fim de algum tempo, pelo menos para o observador, e o Pacheco Pereira há anos que está a jogar contra a parede.
    Parabéns. Pode levantar a taça no guichet número nove.
    Diga que fui eu que o mandei.

    nota:
    Não deixou de ser delicioso ver o título "Nem duplicidade nem propaganda" em corpo gordinho sobre a imagem de JPP, no Público. Ainda por cima do seu próprio punho. Há ironias...

    quinta-feira, dezembro 18, 2003

    O troféu


    Desde que foi confirmada a captura de Saddam Hussein que se multiplicam os vaticínios de bom augúrio para a dita "administração Bush". Muitos afirmam mesmo que é o troféu que fazia falta a G. W. Bush (e a Tony Blair), chegando mesmo a transformar o ditador capturado no passaporte para a reeleição do "presidente" Bush em 2004 (isto a quase um ano de distância!).

    Não será tanto assim.
    Não é no plano internacional que se ganham eleições presidenciais norte-americanas, embora muitas aí se tenham perdido. Serão os norte-americanos a votar, chegado Novembro, e ter apanhado Saddam Hussein só serve para retirar a Washington uma das razões de peso que invocava para manter a presença militar no Iraque.
    "Ok, dirão os norte-americanos, we got him. Now what?" Ou seja, vamos trazer os nossos militares para casa? Não me parece.
    A tentativa de retirar o máximo de efectivos do terreno continua, da parte de Washington, mas está condicionada à sua substituição por tropas de outras nacionalidades, até agora em número manifestamente insuficiente. Aliás, sem participações de peso, de nada servirá arranjar efectivos militares para ocupar o Iraque, pois nada é mais prejudicial para uma operação militar do que um exército constituído por muitas meias dúzias de soldados de nacionalidades diferentes. Simplesmente não funciona. Os que poderiam enviar largos contingentes, como a Turquia ou o Paquistão, já tiraram o corpo fora; quanto aos "amigos" dos EUA, como Portugal, Espanha e o Japão, os seus contingentes são de um simbolismo confrangedor... Para mais se pensarmos o tipo de situação em que vão operar - não deixa de ser curioso que o contingente japonês seja colocado no Iraque com a condição de não se envolver em combates. É como atirar alguém à água com a condição de não se molhar.

    Mas o Pentágono sabe o resultado que terá o envio cada vez mais consistente de "guerreiros de fim-de-semana" (as unidades da National Guard) para substituir os profissionais da 82ª ou da 101ª aerotransportadas, ou dos Marines, por isso continuam à procura de mais voluntários estrangeiros para os substituir. No entanto, é pouco provável que reunam as dezenas de milhar de efectivos necessários para o controlo real da situação - algo que nem os EUA conseguem, apesar do elevado número de militares no Iraque. Esses efectivos deverão lá permanecer, portanto, o que é exactamente o oposto do que a opinião pública norte-americana espera que aconteça, uma vez apanhado Saddam Hussein. Em boa verdade, seria uma consequência lógica, caso a população odiasse mais o ditador que os norte-americanos... O problema é mesmo esse. A teoria (teologia?) da libertação e democratização não se confirmou. Na prática, os iraquianos não querem a democracia; isto é, poderão vir a adoptá-la, um dia, mas não agora e, sobretudo, não imposta à baioneta e muito menos pelos amigos de Israel. Enquanto país democrático e defensor da liberdade e dos direitos individuais, os EUA não têm crédito nenhum no mundo árabe. Por mais palavras bonitas que se digam e escrevam - como as de Colin Powell no seu lírico texto do especial "The World in 2004", da revista The Economist - nada apagará meio século de jogos de poder no Oriente Médio, que 99,9% das vezes favoreceram os israelitas e desprezaram os palestinianos.
    É preciso não esquecer que estamos a falar de uma civilização que ainda não esqueceu as Cruzadas e os "feitos" dos Cavaleiros da Fé, o que não pressagia nada de bom quanto à forma como os EUA serão vistos pelo mundo árabe nos próximos séculos. Pois é.

    A captura de Saddam Hussein pode bem ser um presente envenenado para Washington, pois o povo entende facilmente a necessidade de capturar o "chefe", a "cabeça". As comparações com Adolf Hitler iam nesse sentido. Para a dita estratégia de política externa norte-americana, ter "maus da fita" a monte ajuda a explicar ao povo o porquê de manter um exército a milhares de quilómetros de casa, mas uma vez estes capturados, já não é tão fácil justificar o gasto de milhões de dólares e a perda de centenas de vidas para eliminar uns tantos "Hussein" e "Mohammed", numa lista extensa que ninguém percebe e cujos nomes ninguém conhece.

    No Iraque, era o "Ás de Espadas" que era preciso apanhar. As outras cartas eram importantes, mas de importância incomparável para o norte-americano comum, martirizado e catequizado pelo papel absolutista de Saddam Hussein como leader do Iraque, secundado pelos dois filhos mais velhos, agora mortos.
    Só assim se percebe que, apesar das condições humilhantes, ridículas, em que Saddam Hussein foi encontrado, se chame ainda "decapitação" à sua captura. Decapitação de quê? Era um velho enfiado num buraco infecto, a comer barras de Mars, com uma mala de dólares ao pé. A guerrilha e o terrorismo (duas realidades distintas que coexistem no Iraque de hoje) não dependiam dele e da sua mala de dinheiro. A sofisticação das acções, a sua frequência e o número de envolvidos, sugerem que se trata de algo mais - ou mesmo de vários "algos". De qualquer das formas, seria impossível coordenar essas acções a partir de um buraco no solo, no quintal de um casebre, sem comunicações excepto as mantidas por estafetas.
    Que "troféu" é este?

    A máquina de propaganda norte-americana e dos que apoiaram esta guerra tenta convencer o mundo de como foi óptimo apanhar Saddam Hussein, mas isso é inteiramente desnecessário. Praticamente todo o mundo suspirou de alívio ao saber que o ditador fora apanhado e se sentiu feliz com isso - isto não implica que praticamente todo o mundo se tenha esquecido de como começou esta guerra e porquê.
    De facto, o que se pretende com tanto entusiasmo, como se Saddam Hussein fosse capturado num bunker cheio de armas químicas e comunicações state of the art, defendido até à morte por um batalhão de pretorianos, é esconder que sucedeu uma das duas coisas que Washington mais temia, precisamente por não ser o "Ás de Espadas" o mentor da guerrilha e do terrorismo no Iraque.

    A primeira era capturá-lo morto, transformando-o num mártir islâmico; a segunda era capturá-lo vivo, criando um "Mandela" árabe. Qual das duas a pior? Desgraçadamente, para todos nós, a que aconteceu. Saladino acorrentado.
    Saddam Hussein devia ter desaparecido, pura e simplesmente. A História pode bem com mitos sebastianinos, mas lida muito mal com mártires, mortos ou vivos, principalmente se forem árabes.

    Quanto ao que penso de tudo isto, devo dizer que fiquei feliz com a notícia. O título da minha entrada "Good news?" era interrogativo porque não tinha ainda sido confirmada a captura de Saddam Hussein quando a escrevi, além de que os factores que agora expus já andavam na minha cabeça.
    Para os que amam a liberdade e a justiça, a captura de Saddam Hussein é uma boa notícia, mas para todos os que pensam que liberdade e justiça são valores subjectivos, esta é, em definitivo, a pior notícia que podiam ter. E entre eles se conta a linha dura da administração norte-americana. Veremos como vão descalçar esta bota.

    Yes, you got him.
    Now what?



    Rui Semblano
    Porto, 17 de Dezembro de 2003

    Não tão cedo como esperava, mas...

    ... já está.

    Um rio místico em que Nemo não se encontra e que Zatoichi nunca veria. Tudo no Cinema para Indígenas, naturalmente.
    Está assim pronto o terreno para o regresso de sua majestade, que testemunhei em primeira mão, ontem de madrugada.

    nota:
    Tipicamente, no Público de terça-feira, 16Dez2003, a notícia que enchia duas páginas sobre o terceiro capítulo de O Senhor dos Anéis apenas mencionava a ante-estreia de O Regresso do Rei em Lisboa... De Gaia, onde vi o filme à mesma hora que muitos felizardos alfacinhas, nada.
    Depois dizem que o Menezes isto e o Menezes aquilo... Pois é.

    A incerteza regressa?


    Será? Esperemos que sim!
    Never say never again!

    Aguardamos confirmação!!

    terça-feira, dezembro 16, 2003

    O Rei regressa


    Hoje à noite, quando se iniciar a quarta-feira, o Rei regressa!
    A expectativa é grande e a esperança de não sofrer uma decepção também.

    Fica a promessa de actualização do Cinema para Indígenas ao longo deste dia, com as últimas fitas vistas ("Mystic River"; "Finding Nemo"; "Zatoichi"), para que a crónica da terceira parte da trilogia do Senhor dos Anéis possa ser feita "a quente".

    Depois... O Hobbit!

    O melhor café é o da Brasileira


    Enfim!
    E que saudade!
    Não tem o carisma da antiga Brasileira, mas está digna e mantém aquele sabor especial que vem de tomar o café paredes meias com o coração da Baixa.

    Um local de pouso diário, possivelmente um bom sítio para iniciar o dia com o jornal "da manhã". Feito o "reconhecimento", no dia da abertura ao público (ontem), fica a certeza da recuperação sólida de um espaço que fazia falta no centro do Porto e a esperança de que contribua para a revitalização do mesmo.

    Só o triste teatro Sá da Bandeira, hoje transformado em palco de "raves" duvidosas, causa algum mal-estar. Que bom seria se fosse recuperado como teatro de excelência, com produções nacionais e estrangeiras. E que bom seria voltar a conviver com os actores e as actrizes que outrora povoavam a Brasileira...

    Quem sabe?...

    domingo, dezembro 14, 2003

    One track mind...


    O Jaquim fez um pequeno apanhado de algumas reacções da blogosfera lusa à captura de Saddam Hussein, esta manhã. Na sua visão/comentário do que leu n'A Sombra (ver entrada abaixo "Good news?"), pode ler-se:

    "6. É pá, isto pode ser muito mau para os americanos,
    agora é que eles vão ver..."


    O que significa que:
    a) Não leu até ao fim e não percebeu.
    b) Leu até ao fim e não percebeu.
    c) Não leu até ao fim e não quis perceber.
    d) Leu até ao fim e não quis perceber.
    e) Já tinha lido antes de ler.
    f) Nenhuma das anteriores.

    Mas que se pode fazer? Pronto, Jaquim.
    Leve lá os esquis.

    Good news?


    Saddam Hussein parece ter sido capturado em Tikrit, segundo a agência noticiosa iraniana (que não costuma enganar-se...). Será que foi desta? Será que foi capturado o primeiro sósia de Saddam? Os norte-americanos não confirmam nem desmentem e os britânicos pensam que é verdade.

    Será?
    Aguardemos.

    nota:
    A captura de Saddam Hussein não é tão favorável a Washington como poderá parecer, mas sempre seria menos um canalha a monte, se fosse verdade. As consequências de tal coisa são, como de costume no Golfo e no mundo árabe, imprevisíveis. Tanto pode ser muito bom como muito mau. E será, em todo o caso, um teste para a resistência - que pode demarcar-se de Saddam de forma inequívoca. Ou não.

    nota2:
    Ouvi a notícia às 11:00 horas, na Antena 2.

    sexta-feira, dezembro 12, 2003

    Novo e-mail


    Finalmente está activo o e-mail novo d'A Sombra.
    Passará a constar do cabeçalho do blog e da coluna da direita.
    Aos que nos pretendem contactar, agradecemos façam copy-paste do endereço para os seus programas de correio electrónico.

    O novo e-mail:
    a-sombra@sapo.pt

    Depois de andar a receber 40 e-mails por dia a "oferecer" produtos para aumentar consideravelmente certas partes da minha anatomia (o que não é, em todo o caso, necessário...) decidi acabar com os links directos nos e-mails deste e de todos os blogs que administro. mais uma vez peço desculpa pelo inconviniente, mas estou certo de que compreenderão a razão deste novo processo.

    Um abraço a todos,

    Pel'A Sombra,
    RS

    nota:
    Os e-mails pessoais ainda não estão resolvidos, mas alerto para o facto de ter terminado as contas anteriores na Clix, pelo que agradeço não enviem mais e-mails para os antigos endereços.

    Sekanevasse faziassekaski


    Lido no Jaquinzinhos:

    --- quote ---

    (...)
    2. O Crítico explica-me que cada bilhete para a ópera custaria cento e tal contos por espectáculo sem os subsídios. Acontece que não está disposto a pagar o real valor: prefere pagar apenas meia dúzia de contos e exige que os outros portugueses (os incultos) sejam obrigados a pagar-lhe o resto do bilhete. Senão, diz ele, acaba-se a ópera em Portugal. Note-se: não se acaba por falta do subsídio: acaba-se porque ELE que quer assistir à ópera não está disposto a suportar o devido valor. Eu, inculto como todos os liberais, gosto mais de ski. Não acha escandaloso que para fazer ski em Portugal seja necessário pagar cento e tal contos? Não deve ser subsidiado para o meu saltinho à Sierra Nevada?
    (...)

    --- end quote ---


    Convenhamos que, para quem tem um visto permanente de entrada nos EUA, pedir um subsídio para esquiar na Sierra Nevada é um pouquinho provinciano. Então e Aspen, ó Jaquim? Já se imaginou a descer em direcção à Snowmass Village com a Nessun Dorma no Discman a abrir? E ainda dizem que o ski e a ópera são incompatíveis...

    nota:
    Acho que o Crítico e o Jaquim precisam de um novo jantar para acalmar os ânimos. Sem subsídio de alimentação, naturalmente. :)

    Ilusões de grandeza...


    Um almoço com três madeirenses pode ser muito complicado - principalmente quando grande parte do seu futuro continua ligado à sua ilha, o que significa, no caso da Madeira, um alinhamento pela cartilha de Alberto João, mais ou menos subconsciente.
    Isto é um dado adquirido: ser opositor de Alberto João, para um madeirense, implica a ausência de futuro - ou a emigração.

    Para dizer a verdade, já não me recordo de como a conversa foi para esse campo, mas, de repente, estávamos a falar dos miúdos que foram afastados das zonas turísticas madeirenses por andarem a pedir esmola. Bastou mencionar tal coisa para me acusarem de não saber o que estava a dizer e que até parecia que tinham enfiado os miúdos num campo de concentração! Sorrindo, admiti nunca ter estado na Madeira e, como tal, não ter testemunhado o processo de "limpeza", mas o certo é que não obtive esclarecimentos quanto ao método realmente empregue para conseguir tal façanha. Será que pediram às crianças, delicadamente, para deixarem de pedir esmola e ir para casa? Não sabiam. Ainda procurei fazer humor e afirmei estar plenamente convencido que se Alberto João fosse presidente da Câmara Municipal do Porto teríamos o problema dos "arrumadores" resolvido há anos, mas já não havia vontade de rir naquela mesa.

    Como a questão dos miúdos se tornou insustentável, voltaram-se para os pais deles, "os tóxicodependentes de Câmara de Lobos". "Eles é que são os culpados!" - afirmaram - "Deviam era tirar-lhes os filhos!" - mas não explicaram o que fariam com os pais, depois disso feito, nem tão pouco o que aconteceria aos filhos. Foi então que tudo descambou! Que o Alberto João tinha transformado a Madeira num paraíso e que se fosse primeiro ministro resolvia os problemas todos em três tempos (!!!); que o dinheiro enviado pelo Estado não tinha importância quase nenhuma, porque o PIB da Madeira é tão grande que já nem podem receber subsídios da UE; que, claro, "a República" os tratou muito mal... Coitados. Perante tamanha demonstração de orgulho insular e solidariedade com o seu Governo regional, restou-me perguntar quanto haviam pago pela passagem aérea que os trouxe da Madeira para o Continente e se sabiam (ao menos) quanto eu pagaria pela mesma. Realmente, "a República" trata muito mal os madeirenses; como quando acumula as bolsas de estudo às que já recebem da Madeira, por exemplo.

    "Alto lá!" - indignaram-se - "Vocês ganham mais que nós! As ajudas são justas!" Mas, afinal, em que ficamos? Precisam ou não de ajuda? Então o PIB madeirense não é superior à média nacional, com excepção de Lisboa e Vale do Tejo? Não "produzem mais que os continentais", os madeirenses?
    Ah, o complexo da insularidade; o isolamento involuntário; a necessidade de "vir ao Continente"... É um facto. Já estive no meio do Atlântico e não gostaria de viver numa ilha. Estar condicionado pelo oceano; não poder sair e fazer quilómetros a sério, respirar outro ar, ouvir outra língua... Eu amo o mar e não conseguiria viver longe dele, mas não me agradaria nada ser seu refém.
    Compreendo e aceito os benefícios da insularidade em termos de ajudas concedidas pelo Continente para diminuir essa realidade, mas que não me venham com histórias de PIB's e de como "a República" os maltratou (não percebi o tempo verbal - então agora são bem tratados?).

    Felizmente, chegou a conta e a conversa mudou de rumo. É que estava mesmo a ponto de perguntar aos meus caros interlocutores quem eles achavam que contribuía mais para o aumento brutal do PIB da Madeira: se eles e os seus ordenados, impostos e produtividade, se um colombiano que use a ilha como plataforma para mover os seus tostõezitos livres de impostos, "AJ style".

    Continuo, solenemente, "na minha".
    É dar-lhes a independência. Já! (*)

    nota:
    No próximo almoço é melhor restringir a conversa ao estado do tempo. Em Portugal continental, claro...

    (*) entrada "A bosta da III República", n'A Sombra.

    (don't just) Blame Canada...


    França, Alemanha, Rússia e Canadá Excluídos de Contratos no Iraque

    Os EUA Divulgaram Ontem Uma Lista de 63 Países Autorizados a Concorrer a Contratos para a Reconstrução do Iraque com a Verba Recentemente Aprovada pelo Congresso, e Que Exclui Os Que Se Opuseram à Guerra, Nomeadamente a França, a Alemanha, a Rússia e o Canadá. Portugal Está Entre Os 63 Autorizados a Competir. Ao Fim do Dia, a Casa Branca Veio Anunciar Que para Os Excluídos "as Circunstâncias Podem Mudar Se Se Juntarem ao Esforço" Norte-americano no Iraque.

    (in Público on line, 2003/12/11)

    Sem comentários.

    Ver notícia completa aqui.

    quinta-feira, dezembro 11, 2003

    Tigerland


    Verifiquei com satisfação que o Miguel está de volta "a casa".
    Como amante dos felinos (guardião de uma e padrinho de mais uns trinta de ambos os sexos...) não podia deixar de fazer notar o regresso à actividade d'A Origem do Amor em grande estilo ("Eu e o Tigre")!

    There's (really) no place like home...

    Um abraço ao amigo "Migalhas". Bem vindo de volta!

    terça-feira, dezembro 09, 2003

    As pérolas do Adriático...


    "Homens e nações agirão racionalmente apenas quando esgotarem todas as outras possibilidades."

    Franjo Tudjman
    The Impasses of Historical Reality - 1989

    (Franjo Tudjman foi eleito presidente da Croácia em 1990 e seria reconduzido no cargo por mais dois mandatos, afastando-se no terceiro por motivos de saúde em 1999, vindo a falecer semanas depois - curiosa frase para um revisionista)

    nota:
    Esta citação não pretende, de modo algum, ilustrar a nossa opinião da entrada anterior ("Paradoxos"), mas calhou bem.
    É que Franjo Tudjman ficou também notório pela publicação de Wastelands of History (1988), em que proclamava que Sérvios e Judeus haviam inflaccionado os números das vítimas da Segunda Guerra Mundial, desvalorizando o Holocausto. Trata-se, de facto, de um só livro: "Bespuca povjesne zbilje", título que tem sido traduzido de diversas maneiras, desde Wastelands of History a The Impasses of Historical Reality, passando por The Impasse of Historical Veracity, variando as datas apontadas como de publicação entre 1988 e 1989.
    Pode ler-se algo mais sobre esta "pérola" do Adriático em Balkania.net, na rúbrica "Tudjman and the Genocide Apology", um excerto de "The New World Order And Yugoslavia", de Gerard Baudson.

    nota2:
    Aos mais curiosos, recomendo "Yugoslavia's Bloody Collapse - Causes, Course and Consequences" (edição de 1995), de Christopher Bennett (Hurst & Co. Publishers, Ltd - London; ou University Press - NY), de onde extraí a citação que abre esta entrada.

    Paradoxos


    Acabo de verificar que na ordenação dos seus blog links, o Descrédito nos cataloga na "esquerda"; não sei se tal se ficou a dever ao Pedro ou ao Mário, mas trata-se de mais uma tentativa de rotulação d'A Sombra que, normal e naturalmente, agradecemos e rejeitamos. Não, não somos de "esquerda" (sim, já sabem: "seja lá o que isso for"...).

    Se o Pedro e o Mário assim o entenderem, lá ficaremos nós com a etiqueta naquele blog, mas se nos derem algum crédito, como parte interessada, e uma vez que a categoria "Paradoxal" não existe no Descrédito, ao menos que nos coloquem sob "Hetorodoxia", onde nos encontraremos mais à vontade.

    Para o Descrédito, o nosso crédito habitual.
    Um abraço,

    Pel'A Sombra,
    RS

    segunda-feira, dezembro 08, 2003

    Words indeed...


    While I sit here trying to think of things to say
    Someone lies bleeding in a field somewhere
    So it would seem we've still got a long long way to go
    I've seen all I wanna see today...


    (Phill Collins . Long long way to go . No Jacket Required)

    Olá João,

    Compreendo a razão de ser da tua crítica inicial. Raramente recorro ao cinismo como "figura de estilo" e o que escrevi na entrada "Cauchemar" era cínico a valer e não apenas "figurativo". Era uma resposta ao cinismo dos que aplaudiram a iniciativa de Genebra e só podia ser dada na mesma moeda.

    Estou cansado destes eventos, João; não pelo que pretendem, mas pelo modo como são encarados e pelos resultados que produzem. Se analisarmos bem a proposta de Genebra, verificaremos que é tirada quase a papel químico de Camp David (como bem faz notar a revista The Economist desta semana) - e todos sabemos como terminou Camp David.
    Sei que os responsáveis que de facto contam nesta matéria se estão a marimbar para Camp David e para Genebra. A democracia converteu-se nesta miséria; o chavão "todos têm direito a expressar a sua opinião" e o pensamento que sempre o acompanha ("mas estamos a borrifar-nos para isso") tem dominado toda e qualquer forma de fazer política, das propinas às pescas - no plano nacional, do Iraque a Kyoto - internacionalmente. Israel e a Palestina não são excepções.

    Desde a leitura das tuas primeiras palavras sobre o Oriente Médio que percebi estarmos de acordo "no essencial", como dizes. Talvez até mais que isso. Do que escreveste em "Words, not deeds." fazem-se os meus sonhos - e os de muitos que pretendem uma paz verdadeira entre israelitas e palestinianos.
    Logo à cabeça, um só Estado laico que agregue os dois povos como um único. O maior e mais belo de todos os sonhos; a exclusão do factor "Deus" (claro que pelo menos 55.000 portugueses não sonham com nada disso, mas ao menos são só 55.000... o que ainda é de mais para o meu gosto).
    Depois, o aviso balcânico. A ex-Jugoslávia devia ser um "case study" para demonstrar ao mundo como não se deve proceder a uma reorganização geopolítica - entenda-se: do preço a pagar quando se mexe no que deve estar quieto.

    Quanto ao que chamas (e muito bem) de "injustiças históricas", costumo dizer que só passarei a usar o Kuffiyeh por motivos puramente estéticos quando Israel cumprir as resoluções da ONU que o levarão às fronteiras de 1967 e desmantelarão os colonatos, mas o ideal seria mesmo o regresso a 1947 sem os ingleses.

    Quanto aos "actos" que exigi no lugar das palavras, em "Deeds not words", na entrada "Cinismos", referia-me às direcções políticas "de topo", como lhes chamas, mas não só. Enquanto as soluções para este problema (e tantos outros) forem apenas apresentadas em forums, cimeiras e congressos não oficiais de intelectuais e "afins", tudo permanecerá na mesma.
    É na rua que se forçam as direcções políticas a tomar uma atitude concreta. E nas urnas, naturalmente.

    Não tenho tido muito tempo livre para me dedicar a um projecto que abracei este ano e que já aqui referi (ver entrada "Paz", n'A Sombra), mas tenciono aproveitar a semana entre o Natal e o Ano Novo para o retomar. O projecto global está no site da Global Campaign to Rebuild Palestinian Homes (GCRPH), que se encontra direccionado em permanência, n'A Sombra, em Links Geral, à direita.

    Mais que o apoio internacional, é apenas isto que é necessário incentivar: palestinianos e israelitas a trabalhar juntos, no terreno, pela paz. Quanto a mim, essa será a última esperança para a Palestina e para Israel.
    Por esse motivo, este Natal, vou agir, não apenas escrever. Porque as palavras devem conduzir aos actos e desde há muito que não é assim.

    Um forte abraço,

    Rui


    nota:
    Obrigado pela dica sobre o interessante ponto de vista do Rui Tavares. Vale a pena reflectir sobre as suas palavras.

    nota2:
    Já há muito tempo que não se regista uma entrada nova na nossa lista permanente de Blog Links, nesta página (os blogs que nos mencionam ou a que fazemos referência têm presença assegurada na página de Blog Links completos d'A Sombra, que tento manter o mais actualizada possível, ajudado pelo Technorati).
    Pois o Castelo de Cartas, pelo seu valor, como todos os que lá se encontram, passa a estar direccionado em permanência nos nossos Blog Links permanentes.
    Words indeed, João. Words indeed...

    sábado, dezembro 06, 2003

    Dear Santa...


    Imprescindível a carta ao Pai Natal da bela Ana Anes!
    Se ao menos as concorrentes a miss universo tivessem o seu bom gosto... :)

    Para a Ana, que está por perto neste fim-de-semana, um beijo desde A Sombra. E que tenha passado bem na bela Invicta, apesar do frio de rachar que tem imperado.

    Camarate + 23


    A cada ano que passa sobre a data da morte de Francisco Sá Carneiro e Adelino Amaro da Costa se descobrem mais e mais indícios que apontam na direcção do atentado. Pessoalmente, nunca fiquei convencido da história do acidente, embora no ímpeto da minha juventude (tinha dezoito anos em 1980) tivesse posto a hipótese de um atentado levado a cabo por adversários políticos de Sá Carneiro e não percebesse a importância da presença de Amaro da Costa naquele Cessna. Poucos anos depois, essa hipótese perdeu o significado, para mim. Desde então que permaneço convencido que se tratou de uma acção vinda do aparelho do poder; os reais motivos foram surgindo ao longo dos anos e a teoria do envolvimento do então ministro da Defesa na investigação dos negócios que se faziam através de Portugal com respeito ao comércio ilegal de armas com os beligerantes do Golfo Pérsico (Só o Irão? O Iraque? Ambos?) começou a ganhar corpo e lógica. Mas isso é outra história.

    Porque é que os sucessivos responsáveis das sucessivas comissões de inquérito nunca descobriram nada que sugerisse um atentado e nos últimos anos têm surgido indícios (evito chamar-lhes provas) cada vez mais relevantes que suportam essa hipótese?
    Alguns afirmarão que, na altura, não havia meios técnicos sofisticados o suficiente, como disseram quando se descobriram estilhaços provenientes de uma explosão nos ossos dos pés do piloto, mas esta última descoberta é uma bofetada nos que usam a fraca tecnologia dos anos 80 para desculpar tantos falhanços.

    Como foi possível, durante estes anos todos, ninguém ter reparado que, precisamente sob os pés do piloto, existiam indícios de algo que fez o metal da fuselagem virar para dentro, indicando que algo estranho à aeronave entrou por ali, como resultado de, por exemplo, uma explosão? Os resíduos encontrados nesse metal e a sua forma de fusão indicam como causa provável um explosivo colocado na zona do trem de aterragem dianteiro, mas mesmo antes disso, pela mera observação do metal retorcido, seria possível verificar que algo fora do normal se passara. Pensariam os anteriores "técnicos" que foi uma gaivota que entrou por ali dentro?

    Este caso cheira demasiado mal, mas só agora se começa a cheirar a sério. O pior vai ser quando não restarem dúvidas de que se tratou de um atentado. Quando se chegar aí, o que vai o Estado fazer? Encolher os ombros ou passar à instauração de um processo? É que isto tem implicações que fazem o processo da Casa Pia parecer um desenho animado. Estão a imaginar a PJ a bater à porta de alguns senhores considerados suspeitos com mandatos de prisão preventiva? Aposto que a Manuela Moura Guedes tem sonhos bestiais com isso!

    Mas palpita-me que, apesar de se ter tornado evidente que se tratou de um atentado, ainda vamos andar a ver se foi ou não foi mais uns anitos (para aí mais uns vinte e três...). É que há gente que não se pode prender.
    Nem preventivamente.

    Recall #2


    E por falar em "ecos", também me apetece recordar um interessante site que foi indicado pelo amigo Baeta, no seu Local e Blogal, com uma produção capaz de fazer sombra a The Matrix. Falo da verdadeira Matriz.

    The Meatrix!

    A não perder.

    Recall #1


    Já há alguns dias que tencionava fazer eco desta entrada do Aviz, um eco ela própria, e deixei passar o tempo de propósito para que o impacto fosse maior, isto é, para que outros navegantes da blogosfera possam ter conhecimento do caso, agora que está a ficar "enterrado" pelas entradas mais recentes de FJV.

    Trata-se de uma desventura de uma senhora que pretendia concretizar um sonho e terminou envolvida num pesadelo; trata-se de direitos do consumidor atropelados e de um representante de uma grande marca automóvel que não o merecia ser.

    Em qualquer casa comercial, em especial nas que representam marcas de prestígio, a regra deveria ser uma só: satisfação total do cliente. Em Portugal, porém, é cada vez mais o contrário que sucede.

    A odisseia desta senhora é contada aqui.

    quinta-feira, dezembro 04, 2003

    Atrasado mas...

    ... de bom grado!

    Desde A Sombra, os parabéns ao TNT pelo seu aniversário de 27 de Novembro último! Curiosamente, como ele notou, nasceu no dia a seguir ao do nascimento do meu pai e no anterior ao do meu. Em boa hora (absurda!).

    Um grande abraço,
    RS

    Cinismos


    O João de Rezende, no seu Castelo de Cartas, interroga-se como pode alguém que desejaria ver israelitas e palestinianos em harmonia sob a mesma bandeira escrever um texto tão cínico como o que escrevi na entrada "Cauchemar".

    Caro João,

    Ser cínico relativamente à conferência de Genebra é um reflexo de quem assistiu a inúmeras tentativas semelhantes, com a agravante de muitas delas envolverem políticos activos e com grandes responsabilidades, como Camp David ou Öslo, e terem produzido documentos oficiais e não apenas declarações de intenção, como foi o mais recente caso suíço.

    Vejam-se as reacções ao plano que saiu de Genebra:
    Sharon avisa que o texto de Genebra é muito mais perigoso que o de Öslo (que era, recorde-se, um desastre para os palestinianos); Arafat congratula-se, mas diz logo que o direito de retorno dos palestinianos à Palestina geográfica é inegociável; a União Europeia aplaude de pé e acha o plano uma maravilha, mas não tem como o implementar; os Estados Unidos, até agora, não dizem nada - imagino como devem andar furibundos os lobbies judaicos em Washington (em especial os que têm afinidades com o ramo militar da indústria!)...

    Resumindo (e repetindo-me): um circo inútil.
    Todos ficam satisfeitos e vão para casa, enquanto Arafat continua a financiar os "mártires de Allah" (e as suas contas bancárias) e Sharon os empreiteiros judeus e os industriais norte-americanos. BAU... (1)

    A comunidade israelita está condenada, mas não só pela inexorável explosão demográfica palestiniana. Ainda que consiga eleger um Governo trabalhista moderado (o que é um eufemismo israelita), Arafat não vai abandonar o poder. Neste momento, Arafat constitui um obstáculo maior que Sharon a qualquer iniciativa para a paz no Oriente Médio apenas por esse facto: Sharon pode ser afastado do poder, mas ele terá de querer afastar-se.

    Tendo em conta a reacção dos responsáveis israelitas, palestinianos e norte-americanos (as únicas partes com voto nesta matéria, o resto é paisagem), o plano de Genebra não servirá para nada (as folhas em que é escrito têm demasiada goma, não servirão para nada mesmo). Diz-se que serviu para mostrar ao mundo como existem pessoas de ambos os campos realmente empenhadas na paz para a Palestina. E depois? Esse é o ovo de Colombo de que falava em "Cauchemar". É como afirmar que o Big Brother é importante porque mostra ao mundo o que acontece quando se enfia uma mulher e um homem debaixo de um chuveiro. Importante porquê? Mas haverá alguém que não saiba? Existirá alguém que duvide que a maior parte dos palestinianos e a cada vez maior parte dos israelitas se está a marimbar para os respectivos "Deuses da Guerra"?

    Se em Genebra se tivessem encontrado altos responsáveis do Likud e do Hamas e houvesse uma séria intenção de dizer basta, seria um encontro histórico; assim, como foi, com Dreyfus a apelar a um encontro imediato de sexto grau e Mandella no vídeo, não significa nada em termos concretos. E a Palestina não precisa de lindos discursos e bravos aplausos. Como o inferno, está cheia de boas intenções.
    "Deeds not words". É preciso agir.

    Genebra, por muito que custe admiti-lo, foi só palavras. Bonitas, lindíssimas, mas só palavras. Estou farto de as ouvir. O que queria era ver. Ver a UE tratar Israel como tratou a África do Sul do Apartheid - e não falo de sanções económicas; falo de humilhação pessoal, mesmo, desde proibirem a participação de Israel no Eurofestival da Canção ao encerramento de todas as representações diplomáticas israelitas na Europa; gostaria de ver um embargo de material militar a Telavive; de ver um presidente da ONU a avisar Israel de que o muro que está a construir não serve para outra coisa a não ser emparedar vivos os próprios israelitas, isolando-os do resto do mundo (e gostaria de ver um verdadeiro exército europeu por trás destas palavras!).
    Do que falo, é de deixar cair sobre Israel um manto de vergonha que todos vissem, e quando os extremistas árabes rejubilassem com isso, gostaria de ver a mesma chibata que vergastou os judeus abater-se sobre os fanáticos do Islão e privá-los de armas e agradecer-lhes imenso pelo petróleo, mas não obrigado que já andamos a hidrogénio. Balelas. Não verei nada disso.

    E a "Europa" nunca fará nada disso. Existem mais do que suficientes políticos europeus dispostos a qualquer coisa para não perder os favores de Washington, incluindo deixar Israel de freio nos dentes, e para quem sacrificar vidas israelitas e palestinianas não custa nada. Mas todos eles aplaudiram de pé (e para as câmaras!) o bendito plano de Genebra.
    É desta gente que tenho nojo. É por sua causa que todos os planos de todas as "Genebras" dão em nada. Pretender que não é assim não é apenas uma inconsciência, é um perigo.

    Rui Semblano
    Porto, 3 de Dezembro de 2003

    (1) BAU, business as usual

    nota:
    O João de Rezende deve saber a minha posição sobre a Palestina, mas em caso contrário, um pulinho aos nossos arquivos seria interessante.
    Desde A Sombra, um grande abraço para o Castelo de Cartas e desejos sinceros que permaneça em pé e por longo tempo.

    terça-feira, dezembro 02, 2003

    Cauchemar


    Em Genebra, personalidades sem responsabilidades políticas de Israel e da Palestina levantaram bem alto o ovo de Colombo e espetaram-no em cima da mesa, exultando: "Vêem? Está em pé!" E a multidão aplaude, entusiasta. É lindo. E inútil.

    Já por aqui escrevi que a solução do conflito entre israelitas e palestinianos passa pela aniquilação de um dos campos. Total? Se esta pergunta for feita a um extremista judeu ou a um fanático palestiniano, a resposta será "Sem dúvida!" Mas bastará a destruição da estrutura de Estado de uma das partes. Israel sabe-o. Israel tenta-o desde 1948. E cada vez lhe é mais evidente que ou o consegue nos próximos vinte a trinta anos ou não o conseguirá jamais; isto é, os palestinianos tornar-se-ão uma onda impossível de conter, mesmo com "muros" com mais de 18 metros de altura.

    Existe uma outra solução, mas ainda nem a escrevi e já me estou a rir. O regresso a 1947, quando judeus e muçulmanos coexistiam em harmonia, na Palestina. Pronto. Agora estarão a rir os que me lêem. E riem bem. Isso nunca vai voltar a acontecer. Nunca existirá um só Estado no Médio Oriente onde muçulmanos e judeus tenham os mesmos direitos e deveres. Esse equilíbrio existiu antes da invenção do Estado de Israel, não mais existirá.

    Genebra foi um circo inútil, nada mais.
    A Comunidade Internacional é uma anedota; a ONU é uma nulidade. A não ser assim, este "plano" não teria sido apresentado na Suíça, mas nos Estados Unidos, onde seria votado em Assembleia Geral, nas Nações Unidas, e levado ao seu Conselho de Segurança para ratificação, tornando-se lei. Mas isto é um sonho.

    A realidade é Genebra; o aplauso ao ovo de Colombo "descoberto" e a costumeira fogueira de vaidades da alta roda dos "intelectuais de craveira internacional"; e isso nada tem de sonho. Pelo contrário.
    É apenas o pesadelo do costume.

    domingo, novembro 30, 2003

    Songe


    Estranhamente, dois ecos se revelaram fundamentais a 28 de Novembro e ambos se interligam: Fabien e Anabela.

    "Vinte anos depois, há lembranças que perduram..."
    À guardiã dos meus sonhos, obrigado.


    nota:
    Já não me lembrava de uma série de entradas pessoais tão extensas, mas um blog também é isto. Ou não?

    40 plus


    É verdade.
    De todos os amigos da minha idade, apenas Fabien partilha comigo o "segredo da juventude" (ou eu com ele...). Foi imperdoável, o esquecimento, e bem apanhada a lembrança.
    É no que dão os "retiros". Fico feliz por voltar a ler de Fabien (a sua última série de entradas introspectivas - Kaze, Ame e Okami - faziam adivinhar algo como um recolhimento, que não se compadece de blogs e outras coisas mundanas).

    Aguardo o final do "retiro"... E o que dele vai surgir n'A Sombra.

    nota:
    Não ponho os pés na FNAC durante os próximos cinco anos.
    (Tinha de escrever isto em algum lado, mesmo sabendo que não será assim...)

    sexta-feira, novembro 28, 2003

    Dorian


    É verdade. Já lá vão quarenta Invernos.
    O que me continua a surpreender (e aos meus amigos de longa data) é que ainda me dizem - não sei até quando - "estás exactamente na mesma!" (exclamação que só pode respeitar ao meu aspecto físico, dado que a mudança é permanente a outros níveis). E surpreende-me, sobretudo, por não poder dizer o mesmo em relação a nenhum deles.

    Devo ter um retrato meu, com vinte anos, esquecido algures.
    Oxalá não o encontre nunca.

    Aproveito esta data para enviar a todos os visitantes d'A Sombra um abraço e lhes desejar um excelente fim-de-semana. :)

    nota:
    A FNAC (devo dizer as FNAC - agora são três no Grande Porto) decidiu marcar um "Dia e Noite Aderente" precisamente para hoje, 28 de Novembro.
    Pontaria, hein?!...

    nota2:
    Já a primeira página do Público de hoje veio estragar o que teria sido um dia perfeito. Passa a quase perfeito. (Bolas, José Manuel Fernandes! Nem no meu dia de anos!)

    Incertezas genuínas


    Hoje, 28 de Novembro, é o dia do meu aniversário. A abrir este dia uma notícia inesperada e, para mim, má. O Cataláxia chegou ao fim.

    A 26 de Novembro (data do nascimento do meu pai...), o Rui anunciava o termo da "Genuína Incerteza", como identifico o seu blog, n'A Sombra. Fê-lo ao atingir as 20.000 visitas, como um dia pensara.

    Dado o teor das datas em questão, não me esquecerei da altura em que ocorreu este evento, mas para além das datas, não me esquecerei nunca do Cataláxia e dos seus excelentes textos e oportunas farpas. A blogosfera ficará mais pobre, mas resta-me esperar que a vida do Rui fique mais rica, não por ter terminado o seu blog, mas por prosseguir outros caminhos, que espero lhe sejam proveitosos.

    Não sei se o Rui voltará à escrita, na blogosfera, mas a ligação para o Cataláxia, n'A Sombra, permanecerá intocável; até um possível regresso ou, de todo o modo, como ponte para um espaço de referência, que será enquanto estiver acessível.

    Permito-me, assim, a incerteza deste fim.
    Genuinamente.

    Até sempre, Rui.

    Pel'A Sombra,

    Rui Semblano

    quinta-feira, novembro 27, 2003

    Lone Wolf and Cub


    Há muito tempo atrás, escrevi sobre um guerreiro que encontrou uma criança num caminho de floresta. Permaneceriam juntos para sempre. Sempre estiveram juntos.

    Graças ao Nuno (nuno1001@clix.pt), e aos seus comentários na entrada relativa a Kill Bill, no Cinema para Indígenas, encontrei outro guerreiro e outra criança: Ogami Itto e Daigoro. O Lobo Solitário e a sua Cria. É uma série de BD nipónica já velha de mais de trinta anos (foi editada inicialmente em 1970) passada no Japão do século XVII, em pleno Período Edo (1603-1867), após o Sengoku Jidai, o Período do País em Guerra (1475-1615), durante o qual o clan Tokugawa consolidou o domínio que haveria de manter por 250 anos, até à modernização do Japão.

    (Curiosidade: o filme que aguardo mais ansiosamente, junto com o Return of the King, é The Last Samurai, de Edward Zwick, que retrata a última tentativa de ascensão da velha ordem: a revolta Satsuma, liderada por Saigo Takamori, em que o seu exército de Samurai foi esmagado pelas modernas tropas do novo exército imperial, em 1877.)

    O Lobo Solitário e a sua Cria começam a ganhar espaço nas minhas estantes; uma tarefa de respeito e que arrisca tornar-se longa, pois trata-se de uma colecção de 28 volumes, cada um composto por vários episódios. Lidos os dois primeiros, já nada há a fazer a não ser arranjar todos os outros. Já não me viciava assim numa BD desde a saga do Incal, de Moebius e Jodorowski. Felizmente, todos os volumes de Lone Wolf and Cub estão já editados, pelo que a agonia da espera pela edição de novas aventuras (o Incal demorou anos a fazer...) será substituída pela frustração de não poder gastar de uma só vez os muitos euros necessários para comprar a totalidade dos livros. Em compensação, é como se estivessem a ser editados, pois a aquisição de um ou dois de cada vez aguça o apetite pelos próximos. :)

    Ao Nuno, o meu obrigado pela introdução ao mundo de Ogami e Daigoro.
    Domo arigato gozaimashita, Nuno-san.


    Lone Wolf and Cub
    de Kazuo Koike e Goseki Kojima
    Dark Horse Comics

    Impressão das pranchas invertida (latina)
    Legendagem em inglês e japonês
    Início de publicação desta edição em 2000



    nota:
    Curiosamente, a primeira vez que vi uma referência a Lone Wolf and Cub foi num comic da Dark Horse, o número 4 da série Devil's Legacy, de Grendel, de Junho de 2000, mas ao Nuno devo o encontro com este soberbo trabalho gráfico. Chris Warner, editor chefe da Dark Horse, apresentava então o que chamou de "talvez o nosso projecto mais ambicioso até à data: vinte e oito volumes mensais, cada um com aproximadamente 300 páginas!" e terminava com as palavras que escolho para dar esta entrada por concluída:

    "For lovers of the real thing... well, it doesn't get much
    better than this."

    quarta-feira, novembro 26, 2003

    O império


    Nós, no nosso jardim queimado à beira mar plantado;
    nós, que da desgraça alheia não sabemos mais que o lido nos jornais;
    nós, para quem a desgraça própria é uma calamidade imensurável apenas porque é a nossa;
    nós, os arrogantes e intolerantes restos de um império construído por espertos, mantido por inaptos e desbaratado por imbecis;
    nós, os maiores da nossa rua deserta;
    nós, agarrados a uma esperança a crédito mal parado;
    nós, os sem espelhos;
    nós, os cegos histéricos;
    nós, os senhores e príncipes;
    nós, por oposição a eles...

    Eles, os que poluem a nossa paisagem pelo simples facto de estar ali;
    eles, que se arrastam no nosso lixo à procura do inimaginável;
    eles, que vivem dos restos do nosso excesso;
    eles, os que não ousam olhar-nos por cansaço ou resignação ou medo;
    eles, por comparação a nada.

    Hoje não coloquei o meu jornal diário para reciclar. Veio um velho curvado e levou-o. Não o pode ler. Juntou-o a um monte de outros jornais e de cartões, no cimo de um pequeno carro, e foi-se, a empurrá-lo, sempre vergado.
    Fui eu quem o quebrou, aquele velho.
    Eu e o meu império, cujos estandartes ele não verá jamais, por estar proibido de elevar os olhos do chão. Do chão que vou permitindo que pise, à força de o ignorar.


    Rui Semblano
    Porto, 25 de Novembro de 2003

    domingo, novembro 23, 2003

    Camelot 2003 . 2 . anexo c

    (continuação da publicação deste ensaio)
    Ver entrada inicial "Camelot 2003", nos Arquivos d'A Sombra, de 16Jul2003)

    2. O eixo Atlântico (cont.)
    A humilhação de uma ocupação dos EUA
    por uma potência estrangeira


    Todos os países europeus, em determinado momento da sua história, foram invadidos e seriamente ameaçados de perda de soberania, sendo ocupados por outro Estado, perderam-na efectivamente ou perderam territórios. Mesmo recentemente, essa dura realidade foi sentida pela maior parte da Europa, na primeira metade do século XX.

    Apesar de humilhante, é uma experiência edificante no sentido de, por um lado, se adquirir a noção exacta de quanto valem liberdade e soberania e, por outro, entranhar na cultura do submetido a noção do que deve ser feito, após recuperada a integridade do Estado, para que tal desgraça não se repita.
    Haverá muito observador, professor, intelectual e até mesmo cidadão comum que compare tal coisa à luta que os norte-americanos travaram para ser independentes. Só que não eram, ainda, norte-americanos. Eram colonos. Súbditos de um império que se rebelaram e criaram um Estado. Eles foram, de facto, a potência ocupante, enquanto asseguravam a conquista do território. Uma vez expulsos os britânicos, quem sentiu isto na pele tinha-a vermelha. E não haveria de recuperar o que perdeu.

    Desde 1776, nem levemente a soberania dos EUA esteve ameaçada - nem durante o mais grave período da Guerra Fria, quando ocorreu a crise dos mísseis em Cuba. O que pesava na balança, então, e mantinha os pratos nivelados, era o medo da destruição total - caso em que a perda de soberania passaria a ser um mero pormenor técnico sem importância.

    Estes factores, ao longo do tempo e, em particular, após a queda do muro de Berlim (a verdadeira charneira entre a velha e a nova ordem mundial e não o 11 de Setembro de 2001), contribuíram e contribuem para um sentimento de quase invulnerabilidade, mais que de invencibilidade, por parte dos Estados Unidos - e é graças a esse sentimento que, a cada dia que passa, as consequências do 11 de Setembro de 2001 se tornam mais favoráveis à instauração do despotismo na administração norte-americana do que à libertação do mundo árabe oprimido - em teoria, a julgar pela cartilha de Estado norte-americana, o fim último da "guerra ao terror".

    (in Camelot 2003 © Rui Semblano - Porto - Janeiro e Fevereiro de 2003)

    Para a frente: a publicar, em Camelot 2003 . 2 . termo do capítulo
    (Conclusões do capítulo 2)
    Para trás: ver entrada Camelot 2003 . 2 . anexo b
    (Os efeitos de uma guerra em território dos EUA) de 26Ago2003

    sábado, novembro 22, 2003

    John Fitzgerald Kennedy (1917-1963)


    "(...) No dia 22 de Novembro de 1963, às 12 horas e 31 minutos, ressoam vários tiros. Uma mulher enlouquecida grita: «Meu Deus, meu Deus, mataram o meu marido...» John Kennedy acaba de ser assassinado. Acto isolado ou acto teleguiado? O inquérito oficial não convencerá ninguém e ninguém jamais saberá o nome do verdadeiro assassino."

    Li estas palavras pela primeira vez em 1977 ou 78. Pertencem a um livro que foi de meu pai, de 1970, que sempre me recordo de ver nas suas estantes. Chama-se «O destino dramático dos Kennedy» (Les Amis de L'Histoire, editions de Crémille, Génève, edição portuguesa dos Amigos do Livro, Lisboa).

    Desde que me conheço que tenho uma profunda admiração por Jack Kennedy e que a sua família me fascina. A primeira história que li sobre o clã Kennedy, de onde extraí o excerto acima, não era muito alinhada à versão oficial dos factos. Editada em Portugal antes do 25 de Abril, logo questionava essa versão na nota de abertura. Cresci, portanto, à espera de Oliver Stone...

    Hoje, ao comprar «John Fitzgerald Kennedy, a life in pictures», da Phaidon, junto com o Público, mais uma vez me pareceu reviver uma vida anterior ao ler as palavras "Hyannis Port", "Honey Fitz", "Caroline", "John Jr.", "Bob Kennedy", "Jackie"... Jacqueline Bouvier... A ironia da foto em que Maria Callas fala com Kennedy, no seu 45º aniversário (1962), é sublime. Norma Jean também lá estava.

    Jack Kennedy não foi o presidente dos Estados Unidos perfeito, mas esteve mais perto do que muitos imaginam. Demasiado perto.
    Não sou um fanático das teorias de conspiração, mas o facto é que o relatório Warren é uma fantochada. E não foi preciso esperar por Oliver Stone para perceber isso. Já em 1970 se escrevia assim, preto no branco: "o inquérito oficial não convencerá ninguém".
    No que respeita ao dia 22 de Novembro de 1963, "JFK", de Oliver Stone, permanece uma referência. Esvaziado de romance e paixão, analisados os factos que apresenta e que podem hoje ser comprovados publicamente, demonstra para além de qualquer dúvida que um homem, uma espingarda e uma bala jamais poderiam ter causado a morte de Jack Kennedy e ferimentos no governador Connally.
    Mas não é isto que faz ruir o frágil castelo de cartas erigido por Warren. É todo um conjunto de circunstâncias que conduziram à morte do presidente, que só poderiam ter sido produzidas a partir do interior do aparelho de Estado norte-americano.

    Nesse aspecto, a conclusão de Oliver Stone é exemplar.
    Nunca saberemos quem, mas podemos saber porquê e quem lucrou com essa morte. Como no caso de Júlio César, teremos de nos contentar com isso.

    Rui Semblano
    Porto, 22 de Novembro de 2003


    nota:
    Claro que podemos sempre culpar o pobre Lee Harvey Oswald e acreditar que, a 24 de Dezembro próximo, o Pai Natal nos recompensará pela candura. Não posso deixar de compreender, até de simpatizar, com as mentes simples que assim cogitam.
    Afinal, eu era tão mais feliz quando acreditava no Pai Natal!...
    De facto, a ignorância é uma benção...