sexta-feira, julho 25, 2003

Assim se (des)faz a História


Parte Um:

"Contudo, a questão de a guerra ter sido ou não, em retrospectiva, justificada não se encontra nessa afirmação (da existência de armas de destruição em massa), ou na questão de G. W. Bush ou Tony Blair se poderem, por vezes, ter excedido, ao transformarem as probabilidades apontadas pelos seus serviços de informação em aparentes certezas. A justificação para a guerra é, antes, melhor compreendida se dividirmos a questão em três pontos: 1) Havia um fundamento válido para ameaçar Saddam Hussein com um iminente ataque militar caso não cumprisse o estipulado nas resoluções das Nações Unidas? 2) Quando (Saddam Hussein) não as cumpriu existia um motivo bem fundamentado para executar essa ameaça? 3) Depois da vitória militar, os aliados agiram por forma a melhorar a situação, tanto no Iraque como na generalidade da região?"

(tradução de um excerto de "The case for war - revisited",
in "The Economist", n.29, p.11, 19Jul2003)*

Todos nós, ou a grande maioria, pró ou contra a invasão do Iraque, estaremos confundidos com os seus resultados. O que me preocupa, porém, é que a imprensa de todos os quadrantes políticos se está a agarrar a uma questão que, embora pertinente, é secundária: a existência, ou não, de armas de destruição em massa (ADM) no Iraque, antes da invasão pelas forças da coligação.
Os defensores da acção militar tremem com o escândalo David "sexed up" Kelly, enquanto os seus opositores regozijam com o facto de, até agora, não terem sido encontradas AMD's no Iraque. Uns e outros mais não fazem que fugir da verdadeira questão: a instauração da figura de "ataque preventivo" no plano das intervenções militares em solo estrangeiro, agravada pelo desrespeito pelo Direito Internacional de que a ONU é suposto ser a representante suprema, deliberativa e executiva.

A questão fundamental é esta: os EUA e os seus apoiantes (entre os quais Portugal, de forma activa e beligerante, recorde-se) decidiram lançar um ataque preventivo contra uma nação soberana (a China Continental também é uma nação soberana, note-se, a título ilustrativo), sem o aval da ONU e com base em suposições, pois nenhuma das razões apresentadas antes da invasão foi consubstanciada de forma inequívoca.

Ainda que o Iraque fosse o maior depósito de AMD's à face da Terra, ninguém teria o direito de o atacar antes que uma de duas condições se verificassem, de facto e não supostamente: ou a prova clara de que tais armas existiam e Saddam Hussein não as destruiria, como estipulado pela ONU, ou uma mostra inequívoca de agressividade do Iraque para o exterior, quer fosse esta de ordem passiva, como preparativos evidentes para um ataque, quer fosse activa, como a agressão efectiva a um outro Estado.
Adoptar outra postura é o mesmo que concordar que Adolf Hitler deveria ter sido eliminado em 1932 ou que a Alemanha deveria ter sido invadida em 1936.

nota: não deixa de ser sintomático que parte da questão fulcral, segundo o "The Economist", para a justificação da guerra passe pela "vitória militar". Essa mesma, que continua a ceifar os soldados vitoriosos. Ontem foram mortos mais três. Vitoriosamente, claro.

(*o texto integral, em língua inglesa, pode ser lido em
www.economist.com - arquivo disponível só para assinantes)

Parte Dois:

"Estados Unidos divulgam fotos dos corpos dos filhos de Saddam"
(in Público, 25Jul2003, p.13)

É o milagre da comunicação.
Há dois dias atrás, chamei a atenção para a notícia da morte de Uday e
Qusay Hussein (ver "Os facínoras também se abatem. Ou não?...", n'A Sombra, 23Jul2003), em que, "segundo várias testemunhas", os corpos de ambos, retirados dos escombros da casa onde teriam sido encurralados, estavam "verdadeiramente calcinados" (in Público, 23Jul2003, p.2).
Pois no mesmo jornal onde li isto, surgem hoje fotografias dos supostos cadáveres dos filhos de Saddam Hussein, quase em tão bom estado como o passaporte de Mohammed Atta, retirado de outros escombros, em Setembro de 2001. (1)
Os leitores que tirem as suas conclusões.

nota: O cerco à casa onde foram encontrados estes corpos, terminou da mesma forma que aquele que ditou o fim de Butch Cassidy e de Sundance Kid, o que nada diz aos iraquianos, mas ajuda muito ao veicular da notícia nos EUA. Com uma diferença: no tempo de Cassidy e do Kid os Apaches eram outros, isto é, não havia helicanhões; desses, que resolveram a questão em Mossul.

(1) O passaporte de Mohammed Atta, considerado o cabecilha do "pelotão suicida" que é acusado de ter levado a cabo os atentados de 11 de Setembro de 2001, e que, supostamente, pilotava um dos aviões que percutiu as torres do World Trade Center, foi apresentado pelo FBI como prova destas alegações, bem como do envolvimento da Al-Qaeda nos atentados.
Segundo fontes oficiais norte-americanas, citadas até à exaustão pelos Media do mundo inteiro, o passaporte de Atta foi encontrado entre os escombros das torres gémeas, pouco tempo após o desmoronamento.
Encontrava-se novo em folha, como que acabado de ter sido emitido. É obra.

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