terça-feira, julho 22, 2003

O artista acidental


Falar de Arte é uma pura perda de tempo. (São 00h34m)
Isto dito, passemos ao segundo round com a Arte apelidada de "contemporânea", que é o que se anda a ensinar aos aspirantes a artistas nas Academias de hoje.

Começamos por aí mesmo, pelas Academias.
Desde que se celebrou o roubo do "cadáver" (1) pelas ruas de Paris, para não dizer antes, que os artistas emergentes andam às turras com o ensino académico da Arte, mas, quais revolucionários latino-americanos, mal se instalaram no poder os anti-académicos trataram de construir uma nova Academia. O mais engraçado é que a maior parte deles nem se apercebe disso. Passam (ainda, c'os diabos!) a vida a protestar contra o academismo, quando estão imersos nele de corpo e alma inteiros.
Este academismo, agora instalado (não só em Portugal como em muitos outros países, como a França, para citar um exemplo extraordinário), proclama o fim do eterno e exalta o efémero admirável. Autointitula-se "conceptual", negando todo o processo criativo e produtivo, tal como era ensinado "antigamente". Mais, expande o horizonte da Arte até onde a vista não alcança e já nem o céu é o limite.

O artista académico contemporâneo, esclarecido, dispensa a técnica, pois o espontâneo joga um papel fundamental na sua obra. É uma geração espontânea, a dos novos artistas académicos contemporâneos.
Ao tomarem contacto com os seus mestres, na quase totalidade vindos da mesma Academia, são esclarecidos, de imediato, quanto à sua condição de artistas. Podem e devem confiar no acaso; podem e devem desconfiar da originalidade; podem e devem elevar a fasquia a alturas nunca antes atingidas. Em suma: são declarados livres, mal pousam o pé na Academia.
Imaginem o que não seria um Dali, um Moore, um Klimt ou um Brancusi se não tivessem sido forçados a libertar-se das grilhetas do antigo e fascizóide academismo! Os anos que eles não ganhavam (e nós!) ao não ter de aprender a fazer telas e tintas, de estudar anatomia, de malhar na pedra e no ferro, de copiar aquelas gordas chatas que chamavam de românticas até à exaustão... Imaginem.

A Academia Contemporânea veio resolver tudo isto.
Um video digital pode ser apresentado como trabalho numa das suas aulas de pintura e pesa uns gramas e cabe no bolso e faz-se em cinco a dez minutos. Longe vai o tempo em que se carregavam telas de dois metros por um que demoravam dias e dias a fazer e se sujavam as roupas de tinta. Uma artista pode, hoje, ter unhas de dois centímetros, perfeitamente polidas e modeladas, e usar a roupa que entende mais lhe cai bem e ao gosto do mestre, também. O ontem impensável é possível, hoje; agora.

Desde logo lhe deram rumos e "ismos" novos, os mais consagrados sendo a Arte Efémera e o Conceptualismo. Coisas nunca vistas e duras de entender. Tão nunca vistas e duras de entender que ainda hoje se repetem, como se teimassem em persistir até que alguém as compreenda.
Num assomo de raiva, o contemporâneo, já com os seus cinquenta anitos, exclamou, melodioso: Basta desta bosta! e declarou o conceito como o mais importante na obra de arte, superando tudo o que é suposto fazer dela Arte. E superando-o de tal modo que se superou a si mesmo. O Académico contemporâneo, acólito de Apollinaire, é aquele que cria espontaneamente, reflectindo sobre o resultado após a execução, isto é, o conceito é extrínseco da Arte Contemporânea, ultrapassando o Conceptualismo pela direita e deixando-o parado no semáforo vermelho. "Voilá". Qual Dadaísmo, qual Marinetti! Isto é que é velocidade.

E agora?... Agora que os museus dignos desse nome estão às moscas e aos turistas japoneses, onde vemos nós a Arte Contemporânea verdadeira, essa, tão avessa ao ambiente museológico como Nosferatu ao diurno?
No século XXII, se ainda existirem Academias de Arte, os mestres erguerão os braços perante anfiteatros plenos de aspirantes e dirão: "Hoje, falaremos da Arte Contemporânea dos primórdios do século passado. Gostaria que todos fechassem os olhos... e imaginassem..."

(Que horas são? 01h25m? Basta de perder tempo.)

(1) o roubo da Gioconda do Louvre, em 1911, por um artista italiano tresloucado, Vincenzo Peruggia, cuja única pretensão era devolver a pintura a Itália, foi acolhido entusiasticamente pelos adeptos da "arte moderna", que exultaram perante o desaparecimento do "cadáver", como chamavam à Monna Lisa. Peruggia só seria preso em 1913 e Guillaume Apollinaire, que disse um dia ser preciso incendiar o Louvre, chegou a ser preso como suspeito, por ter dito isso e por ter um secretário que se entretinha a "coleccionar" estatuetas do museu parisiense.

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