domingo, setembro 21, 2003

Death from above


As imagens passam com uma naturalidade a que ainda não me habituei, comentadas por uma voz feminina com uma impecável pronúncia de Oxford, completamente neutra, amorfa, apenas acentuada em pontos pré-seleccionados, para realçar um final de frase ou uma "palavra chave".
A voz fala do que vemos e do seu suposto porquê; um governante assassinado, um bombista suicida, uma catástrofe natural, um acidente macabro, chamas... As imagens são sempre as mesmas; mostram sangue, dor, lágrimas, estropiados, cadáveres de crianças, execuções sumárias. Tudo com a frieza narrativa de um qualquer CD-Rom enciclopédico.

Invariavelmente, as imagens são filmadas a Sul. Sempre a Sul. Longe. Aquela miséria extrema não somos nós. São eles. E quanto mais escura for a sua tez, mais são eles. Nunca nós. Os "civilizados". Os do Norte.

Há tempos disseram-me não existir essa coisa a que chamam o "Terceiro Mundo", mas apenas o mundo. Concordo em parte, excepção feita à denominação como identificação geopolítica. De facto, "terceiro" implica um "segundo", que simplesmente não existe.
O que existe são eles, os das imagens miseráveis, os selvagens, e nós, dignamente representados na voz fleumática da BBC.

Só existem dois mundos.
O nosso.
E o deles.

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