Na sequência de mais uma proposta para reflexão vinda da
Janela para o rio, aqui ficam algumas considerações sobre o sistema eleitoral e parlamentar em Portugal. Para referência, uma vez que as hipóteses formuladas como base pelo
Nuno P. estão no seu blog, recomendamos uma
leitura das mesmas, anterior à desta entrada.
Votos:
a democracia como fim
A discussão dos vícios e virtudes dos círculos eleitorais uninominais e nacionais conduz a um beco sem saída, quando adaptados à nossa realidade. Temos demasiados partidos. Um representante escolhido uninominalmente, como sendo a personalidade que melhor representa um determinado conjunto de cidadãos em determinada região, pode não ser o que os mesmos cidadãos preferem para uma representação nacional, por via do partido que representa.
A nível autárquico, onde a personalidade do indivíduo conta mais que a plataforma eleitoral dos partidos e se sobrepõe a ideologias partidárias, não é raro encontrarmos autarcas independentes ou de um partido que, nas legislativas, não encontra a mesma expressão na contagem de votos, nessa zona.
Somos um país pequeno; na área metropolitana de Nova Iorque vive mais gente que em Portugal inteiro. Não existe motivo para criar dois círculos eleitorais justapostos, um uninominal e outro nacional, acrescidos de uma escolha específica de Governo.
Podemos, simplesmente, entrar directos num sistema uninominal exclusivo, pois os representantes assim eleitos têm condições para ser "da Nação" e não apenas da região de onde provêm. A este método deverá, então sim, juntar-se a eleição independente de um Governo.
Em temos concretos,
a)
Isto significa que cada círculo eleitoral escolhe o seu representante individualmente, enquanto cada partido propõe um Governo. O círculo nacional é assim reduzido (ou promovido, dependendo do ponto de vista) à escolha governativa, sendo todos os deputados eleitos uninominalmente.
Não creio que, em Portugal, isto signifique a perda do carácter nacional do parlamento. Somos demasiado pequenos para que tal aconteça. Qualquer deputado do Porto pode inteirar-se de uma situação ocorrida no Algarve e vice-versa.
b)
Resultado das eleições para o parlamento:
Um conjunto de cidadãos escolhidos pelos seus pares, que se distribuirão na Assembleia da República de acordo com a área política em que se inserem.
c)
Responsabilidade directa:
O deputado eleito no meu círculo eleitoral não corresponde às expectativas? Reuno o número de assinaturas (dentro do meu círculo) que será estipulado para esse efeito e o representante em causa é removido de imediato, sem mais, sendo eleito um outro para o seu lugar. Não se encontra nenhum? Paciência. Fica a cadeira vazia. Quem não faz nada para ser representado é porque não o necessita. E, quer na eleição como na eventual reeleição, não são nomeados substitutos. Um deputado falha ou é removido ou fica incapacitado e apenas uma nova eleição pelo seu círculo poderá preencher o lugar deixado vago. Os emigrantes constituem círculos próprios, de acordo com o seu número e distribuição geográfica, estando sujeitos às mesmas regras.
d)
Governo:
O programa de um Governo deverá ser apresentado, assim como a sua constituição, antes das eleições, de forma inequívoca e sem zonas em branco, incluindo possibilidades de coligação com outras forças e o seu significado e impacto no programa governativo.
A votação para o Governo deve ser directa e universal, efectuada em paralelo com a votação para o parlamento. Os candidatos a governantes não poderão, em caso algum, ter assento como deputados pelo período a que concorrem como tal.
Possíveis consequências:
Uma maioria, por exemplo, de deputados independentes no parlamento. Um governo de sinal contrário à maioria parlamentar. Uma grande dificuldade em efectuar "arranjos" entre bancadas parlamentares, dada a dificuldade em saber onde estas acabam ou começam. A alteração da ordem parlamentar como a conhecemos, esbatendo-se a noção de "direita" e de "esquerda", como a de "centro", aliás. Mais pessoas, menos rótulos.
Consequências certas:
Responsabilização directa e com consequências imediatas de cada um dos deputados por si e não dos seus partidos por eles. Fim dos "escudos" partidários". Envolvimento permanente dos cidadãos, através do processo de avaliação contínua dos seus representantes directos. Fim da ascensão política por "elevador" de perfeitos desconhecidos.
É evidente que qualquer alteração deste calibre, que mexa em todos os aspectos dos sistemas eleitoral e parlamentar, dará um trabalho medonho de remodelação, exigindo ainda, uma vez implementado, um tipo de participação política ao cidadão comum a que este não está habituado, sendo bem mais que uma simples ida às urnas de quatro em quatro anos. Mas ninguém disse que a democracia era um sistema fácil.
Quanto ao que existe, embora a base justifique a denominação de "democracia", continuo a considerá-lo uma caricatura, pelo simples facto (entre muitos outros) de um Governo poder rodar 180 graus a sua política e termos de nos resignar a isso.
Democracia significa responsabilidade, antes de tudo, e o nosso sistema tem primado pela desresponsabilidade de tudo e todos. A mal da Nação.
E, neste ponto, passo a palavra.
Como todas as propostas, esta tem os seus pontos fracos, mas considero-a evolutiva, em relação ao sistema existente, apelando a uma participação cívica na vida política muito elevada e cativante. É a minha opinião, nada mais. :)
Rui Semblano
Porto, 23 de Setembro de 2003
nota:
Apenas para chamar a atenção para a importância dos votos em branco em qualquer processo eleitoral. Quando, em determinado círculo, estes excedam um nível preestabelecido, o processo eleitoral deve ser repetido com novos candidatos. Tal, porém, em nada inviabilizaria a entrada em funções do parlamento, no caso dos deputados. No caso dos Governos, uma vez que serão eleitos como um todo, este problema não existe. Sendo a sua eleição inviabilizada por votos brancos, aguardar-se-á, serenamente, por novas alternativas, mantendo-se o anterior em funções de mera gestão, impossibilitado de tomar decisões novas.
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